Meu pensamento é um rio subterrâneo
Meu pensamento é um rio subterrâneo. 
Para que terras vai e donde vem? 
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem 
Emerge dele um ruído subitâneo 
De origens no Mistério extraviadas 
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes 
Habitando a distância e ermos montes 
Onde os momentos são a Deus chegados... 
De vez em quando luze em minha mágoa, 
Como um farol nem mar desconhecido, 
Um movimento de correr, perdido 
Em mim, um pálido soluço de água... 
Eu relembro de tempos mais antigos 
Que a minha consciência da ilusão 
Águas divinas percorrendo o chão 
De verdores uníssonos e amigos, 
E a ideia de uma Pátria anterior 
À forma consciente do meu ser 
Dói-me no que desejo, e vem bater 
Como uma onda de encontro à minha dor. 
Escuto-o... Ao longe, no meu vago tacto 
Da minha alma, perdido som incerto, 
Como um esterno rio indescoberto, 
Mais que a ideia de rio certo e abstracto... 
E p'ra onde é que ele vai, que se extravia 
Do meu ouvi-lo? A que cavernas desce? 
Em que frios de Assombro é que arrefece? 
De que névoas soturnas se anuvia? 
Não sei... Eu perco-o... E outra vez regressa 
A luz e a cor do mundo claro e actual, 
E na interior distância do meu Real 
Como se a alma acabasse, o rio cessa...
(Fernando Pessoa)
 
 
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