sexta-feira, novembro 17, 2006


(Vilhelm Hammershøi, A Woman Reading by a Window)

What think you I take my pen in hand to record?

What think you I take my pen in hand to record?
The battle-ship, perfect-model’d, majestic, that I saw pass the offing today under full sail?
The splendors of the past day? Or the splendor of the night that envelopes me?
Or the vaunted glory and growth of the great city spread around me? — No;
But I record of two simple men I saw to-day, on the pier, in the midst of the crowd, parting the parting of dear friends;
The one to remain hung on the other’s neck, and passionately kiss’d him,
While the one to depart, tightly prest the one to remain in his arms.


(Walt Whitman)

quinta-feira, novembro 09, 2006

Lendo Whitman



Foi na Wikipedia, e apenas aí, na secção "Whitman and Sexuality" do verbete sobre Walt Whitman, que soube da suposta existência de Jeanine Granouille ou Jean Granouillee e da pretensa passagem do género masculino para o feminino num poema de Whitman, antes da sua publicação. A secção tem à cabeça a indicação "The neutrality of this article is disputed." Como Whitman é tão eloquente neste particular (como noutros), a discussão gerada tem o seu interesse.

Pilatos


(Antonio Ciseri, Ecce Homo)

Tantos Pilatos, por estes dias.

terça-feira, novembro 07, 2006

Queries to my seventieth year

Approaching, nearing, curious,
Thou dim, uncertain spectre - bringest thou life or death?
Strength, weakness, blindness, more paralysis and heavier?
Or placid skies and sun? Wilt stir the waters yet?
Or haply cut me short for good? Or leave me here as now,
Dull, parrot-like and old, with crack'd voice harping, screeching?


(Walt Whitman)

Conhecer o inimigo (3)


Fonte: The Quetico Foundation

Há o prosaico lobo ladrão, pilha galinhas e predador de rebanhos, das histórias dos antigos. A moral da fábula do imortal escravo Esopo, que em inglês se diz "don't cry wolf", a lembrar a necessidade de economizar as palavras, a mentira e os pedidos de socorro. O lobo das fábulas de La Fontaine, menos matreiro que a raposa. O lobo simbolizando a pulsão sexual na história do Capuchinho Vermelho. O lobo de Hobbes, que é o homem egoísta e explorador. O lobo, vagabundo solitário condenado a não encontrar o seu par, em "Ladyhawk". O lobo dentro de cada um de nós, fonte de agressividade, irracionalidade e violência.

Hoje, o condenado à morte mais televisionado fixou-se-me no pensamento. Não esqueço todos os mortos, desde as centenas que nasceram pertencendo à etnia errada, aos cidadãos do país invadido, aos colaboradores e aos membros da própria família. Mas poderia dar-se o caso de, nas suas circunstâncias, aquele indivíduo achar que fazia sentido o que estava a fazer? Se, por absurdo, eu me visse na pele do seu confessor numa extrema unção, obrigado a compreender o seu modo de pensar, será que seria capaz?

Indulto

Article 72:

The President of the Republic shall assume the following powers:

A - To issue a special pardon on the recommendation of the Prime Minister, except for anything concerning private claim and for those who have been convicted of committing international crimes, terrorism, and financial and administrative corruption.


(Constituição iraquiana)


Presidente: Jalal Talabani
Primeiro-ministro: Nouri al-Maliki

segunda-feira, novembro 06, 2006

Dúvida jurídica

As condições em que decorre um julgamento e a conveniência política de uma determinada pena devem influenciar os juizes ao tomarem uma decisão?

sexta-feira, novembro 03, 2006

Últimos dias (2)

Lembro-me ainda de uma teoria, bastante difusa, que girava à volta da própria ideia de posteridade. Para acreditar na posteridade, para esperar e conceber que uma obra pudesse sobreviver-nos, era preciso apostar, segundo ele, numa eternidade da arte, das suas formas, dos seus valores... apostar numa independência das obras em relação à época em que nasceram e cresceram... Este livro não é deste tempo, dizem essas pessoas... Não pertence a este lugar... Só aparentemente está ligado a este momento da nossa história onde um vulgar acidente quis que ele surgisse... E nada, verdadeiramente nada, o retém e o amarra a este quadro de acaso do qual só procura escapar-se... Crer nas teorias da arte pela arte. Ora ele tinha passado a vida a combater essas teorias. Tinha dito e repetido que a mais pura, a mais acabada das obras, continha também a sua parcela de contingência. Tinha até sido ele quem primeiro baptizou de «modernidade» o gosto de ancorar os livros no fugidio, no transitório. O que implicava, muito logicamente, que ele não podia, no momento em que falávamos, reinvindicar, nem o direito nem o poder, de se deixar embalar na ilusão de um possível destino póstumo...

Falou-me ainda - mesmo se todos estes assuntos se emaranhavam, mais do que se sucediam - da sua própria obra. Ares familiares... Temas clássicos... Todas aquelas imperfeições, inacabamentos, recomeços, recusas, de que oito dias antes me traçara o catálogo, quando ainda estava só face à sua memória e à sua doença. Só que desta vez a evocação do futuro da sua obra era feita num tom de raiva e ressentimento que, com toda a evidência, já não visava apenas a cegueira dos seus pares... Há escritores a quem a simples perspectiva de um livro que lhes sobrevive tranquiliza e enche de alegria. Ora bem, ele achava-a absurda. Até mesmo desagradável, aparentemente. Considerava a imagem dessas páginas que teimavam em crescer, germinar, florir, nas cabeças alheias, quase tão repugnante como a das unhas e dos cabelos que continuam a crescer, segundo se diz, nos cadáveres. Ele recusava essa ideia. Expulsava-a do espírito. E não era preciso grande esforço para detectar nessa recusa uma parcela não só de ódio mas de ressentimento - como se estivesse invejoso, simples e loucamente invejoso, daquelas insuportáveis
Fleurs du Mal que tinham a pretensão de sobreviver, enquanto ele... ele ia morrer. Juntando uma coisa à outra, esta singular rivalidade às suas dúvidas e perplexidades antigas, o seu ódio redobrou. Mas agora contra si próprio. Contra os seus versos e o seu talento. Contra essa parcela «belga» que havia nele - como nos outros, mais que nos outros.

"Os últimos dias de Charles Baudelaire", Bernard-Henri Lévy, tradução de António Guerreiro, Círculo de Leitores, 1990

Conhecer o inimigo (2)



Fonte: Fauna Ibérica - Lobo ibérico (Canis lupus signatus).

Conhecer o inimigo (1)



Fonte: Fauna Ibérica - Lobo ibérico (Canis lupus signatus). (Viva o lobo ibérico!)

Aqui começa uma nova série, sobre muitos lobos de outras tantas histórias.

Blogosphere

Pretendendo participar na blogosfera escrita em língua inglesa, o primeiro problema é a quantidade de blogs, o segundo a falta de "âncoras" (assim como nos centros comerciais) que sirvam de ponto de partida. Antigamente - há alguns anos, pode já dizer-se - havia blogs portugueses que faziam referências a blogs em inglês, mas muitas das vezes apenas porque defendiam hiperbolicamente as mesmas ideias dos correspondentes nacionais. Não fixei nenhum.

Noto agora que há qualquer coisa de claustrofóbico com a blogosfera portuguesa. Ela traduz-se, por exemplo, na ligação a pouco mais do que um blog, e em apenas dois blogs portugueses a terem um número significativo de ligações à blogosfera brasileira.

Os interesses declarados no Blogger e as tags poderiam dar uma ajuda, mas cada sub-universo é ainda grande demais. Surge nesta altura das ruminações a possibilidade de usar aquelas técnicas de spam que vemos em tantas caixas de comentários... A golden rule não deixa dúvidas.

Quem foi mesmo que disse "think globally, act locally"? Humm...

Reunião de "humanistas"

Distintivos do grupo? Não há yuppies. Não está mal...

Depois do trânsito

Se:

- os níveis de sinistralidade nas estradas são excessivamente elevados;
- há automóveis a mais nas cidades;
- os acidentes implicam, muitas vezes, engarrafamentos e o consequente desperdício de tempo...

por que é que não se aumentam as penas de proibição da condução?

(Vincent van Gogh, Still Life with a Statuette)

Últimos dias (1)

Creio que o que me tocou, mesmo antes de discernir o próprio sentido do que ele tinha para me dizer, foi a sua voz. O seu ritmo. Aquele acento repentinamente rouco, tropeçante, cheio de gemidos, de estretores e de silêncios, um pouco como durante as suas crises - só que a crise parecia agora crónica. Em seguida foi o seu timbre, invulgarmente abafado, sufocado, despojado da cor e da música que eram até há pouco o seu encanto. Um tom desiludido. Desesperado. O tom de alguém que durante muito tempo se satisfez com palavras mas que de súbito vê claro e não menos claramente o diz - e que essa lucidez mergulha numa infinita tristeza. Depois, foi sobretudo algo ainda mais estranho, a desordem do seu discurso, uma frase sobrepondo-se a outra, um pensamento expulsando o precedente, tudo isto mais soluçado que enunciado, gemido ou gritado, mais do que falado. Um desregramento de ideias. Uma irrupção de palavras, aliás novamente apaixonantes, onde eu o reconhecia inteiro - mas sem que ele se preocupasse, desta vez, nem em ter nexo, nem em ser convincente, nem em me ajudar a segui-lo e a tomar notas.

Se eu procurar, com certo distanciamento, recompor aquela sequência de ideias, de imprecações, de fulgurâncias, verifico, em primeiro lugar, uma série de reflexões acerca daquilo a que ele chamava o fim da literatura. Os jovens são extravagantes, dizia ele... Vêem uma coisa... À sua frente... Nem por um segundo imaginam que ela nem sempre lá tenha estado, nem que possa lá não estar para sempre... Assim é com a literatura... Acreditam-na eterna... Acreditam que haverá sempre livros e pessoas para os escrever... Que erro!... Que ingenuidade!... Como se os homens não tivessem
vivido sem livros... Como se a ausência de livros não tivesse sido, durante séculos e séculos, o estado normal da humanidade... A literatura, surgida tão tarde... Depois da pintura, da escultura, da música... Depois de todas as artes, sem excepção, a terem precedido e lhe terem dado as suas dimensões... Pois bem, o que foi, será... Essas artes que a precederam vão, muito provavelmente, sobreviver-lhe... E ele estava em condições de me anunciar que aqueles livros pelos quais tínhamos tanto apreço não tardariam a regressar ao nada que foi durante muito tempo o seu destino... Bastava que eu o escutasse... Que olhasse à minha volta... Bastava que observasse o singular descrédito que começava já a abalar o próprio nome do poeta... «Nós somos os últimos, meu amigo... Os últimos... Ou então, o que vem a dar no mesmo: os primeiros na decrepitude da nossa arte.»

"Os últimos dias de Charles Baudelaire", Bernard-Henri Lévy, tradução de António Guerreiro, Círculo de Leitores, 1990

(continua)

quinta-feira, novembro 02, 2006

Últimos dias (0)

Charles Baudelaire morreu numa pensão belga, vítima da sífilis. Bernard-Henri Lévy retrata-o através dos olhos de um admirador que o acompanha nos seus últimos dias.

Que teria eu feito para merecer tal desagrado? Seria o meu crime assim tão grande? A minha credulidade assim tão censurável? Aquele momento de ingenuidade, afinal tão anódino, que se devia, ele sabia-o muito bem, à confiança cega que eu tinha nele, seria suficiente para aniquilar toda a nossa maravilhosa cumplicidade? Tal ideia parecia-me inacreditável. Pior, ela escandalizava-me. Sim, eu começava a achar inacreditável e escandaloso o capricho - não encontrava outra palavra - de um homem a quem tinha servido durante cinco dias com tanta devoção e que me agradecia tratando-me como um lacaio ou um foliculário. Decepção. Amargura. Cólera, também. Humilhação. Por muito grande que fosse, ninguém tinha o direito de se conduzir daquele modo. Por muito Baudelaire que se acreditasse ser, não tinha o direito de tratar com aquela leviandade o autor do Rêve d'Aristote e das Dix Petites gloses pour servir à l'idée de modernité; podia fazer-me tudo, dizer tudo, eu estava pronto a ouvir as censuras mais veementes, o despedimento mais brutal - mas não aquela indiferença, aquele mutismo, para os quais nada nem ninguém me tinha preparado.

Estava no auge das minhas ruminações. Estava à beira de rebentar, de me insurgir. Tinha aversão àquele velho ingrato, entrevado, que de repente se comportava mal. Dizia a mim próprio que aquela maldade gratuita era talvez, no fundo, o sinal anunciador de uma senilidade próxima. Cúmulo da blasfémia, surpreendi-me mesmo a pensar que era essa a fonte de todos os seus males, de todas as suas infelicidades diversas e variadas que ele me contava desde há cinco dias... ele tinha-a procurado, afinal... não se lhe tinha furtado... Quem sabe se todas aquelas histórias vis que circulavam a seu respeito não tinham aqui o seu fundamento, a sua verdade?... Tais eram, pois, os meus sacrílegos pensamentos. Estava eu prestes a guardar as minhas canetas, a fechar o caderno e a fazer as minhas despedidas quando ele quebrou finalmente o seu silêncio. Era meio-dia. Eu iria compreender que todo aquele azedume, todo aquele ódio, não me eram tão destinados quanto o havia imaginado.


"Os últimos dias de Charles Baudelaire", Bernard-Henri Lévy, tradução de António Guerreiro, Círculo de Leitores, 1990

(continua)

(Jean-François Millet, Folhas de Outono)