segunda-feira, agosto 28, 2006

Brincando aos detectives (II)


Dados sobre impostos e PIB, de 2003, tirados do OECD Factbook 2006.
Dados sobre o índice de Gini, do Development Programme Report das Nações Unidas (PDF, undp.org) elaborado em 2005. "Um valor 0 representa máxima igualdade e um valor 100 representa máxima desigualdade".


Ajuste linear:
y = -0,5222x + 51,145
R2 = 0,3539

É certo que a Economia não é uma ciência exacta, mas parace-me que deveria reservar-se a expressão "correlação forte" para outras situações...

Incrível

Um senhor que não pagou uma quantia significativa que devia ao fisco está na televisão a querer dar-nos lições.

sábado, agosto 26, 2006

Frase do dia

All theory, dear friend, is gray, but the golden tree of life springs ever green.

(Johann Wolfgang von Goethe)

Brincando aos detectives

Ou como não vale invocar as estatísticas para tudo.


Dados sobre impostos e PIB, de 2003, tirados do OECD Factbook 2006.
Dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 2003, do Development Programme Report das Nações Unidas elaborado em 2005, com dados relativos a 2003, via Wikipedia.


Então, caro Watson? "Correlação inequivocamente alta"? Acha mesmo que devo fazer o ajuste linear e tirar o R?

Agradecimento

À Helena Monteiro, do blog Linha de Cabotagem, pelas palavras simpáticas: muito obrigada!

sexta-feira, agosto 25, 2006

Orlando

«Era homem; era mulher. Conhecia os segredos e partilhava as fraquezas de ambos. Sem dúvida que se tratava do mais confuso e incrível dos estados de espírito. A felicidade da ignorância estava-lhe vedada. Era como uma pena agitando-se na tempestade. Não é caso para admirar, pois, que ao comparar ambos os sexos, descobria estarem os dois repletos das mais deploráveis enfermidades [...].

«"Melhor ser pobre e ignorante, pois são estes os atributos do sexo feminino; melhor deixar o governo do mundo para os outros; melhor abandonar as ambições marciais, o amor ao poder e todos os outros desejos masculinos, se com isso se apreciar plenamente os mais exaltados êxtases do espírito humano, que são", e nesta altura, tal como costumava acontecer sempre que se comovia, começou a falar em voz alta -, "a contemplação, a solidão e o amor."

«"Graças a Deus que sou mulher!", gritou, estando prestes a cometer a loucura extrema - nada mais aflitivo tanto nos homens como nas mulheres - de se envaidecer do seu próprio sexo, quando a simples palavra que, e apesar de todos os nossos esforços para a esquecermos se insinuou no final da frase, a fez parar. Amor. "O amor." Nesse mesmo instante - tal é a sua impetuosidade - o amor tomou forma humana - tal é o seu orgulho. É que, enquanto os outros pensamentos se contentam em permanecer abstractos, nada mais satisfaz este do que assumir forma humana, de mantilha e saia, de calções e gibão. E, dado que todos os amores de Orlando haviam sido mulheres, agora, devido à lentidão dos seres humanos para se adaptarem às convenções, e muito embora fosse mulher, o objecto do seu amor continuava a ser uma mulher. E, se a consciência de pertencer ao mesmo sexo tinha algum efeito no caso, apenas apressava e aprofundava os sentimentos que a caracterizavam enquanto homem. Pois agora entendia toda uma série de alusões e mistérios que antes lhe escapavam. Agora, a obscuridade que divide os sexos e mantém as impurezas na sombra deixara de existir, e, se o poeta tem razão no que diz a respeito da beleza e da verdade, este amor ganhou em beleza aquilo que perdera em falsidade. Agora, gritou, conhecia Sasha tal como ela era, e, no ardor da descoberta e da ânsia de alcançar todos os tesouros que lhe eram revelados, sentiu-se tão arrebatada e encantada, que se sentiu como se lhe tivesse soado um tiro de canhão [...].»

(Virginia Woolf, Orlando, tradução de Lucília Rodrigues, Publicações Europa-América)

Oddities

Dúvida: em abstracto, poderia uma pessoa casada mudar de sexo e manter o estado civil, para manter os mesmos "direitos sociais"? (E se fosse estrangeira e a mudança tivesse sido decretada noutro país?)

quinta-feira, agosto 24, 2006


(Walter Howell Deverell, The Grey Parrot)

Pontuação

A: Os sinais de pontuação estão sob ataque.
B: Sim, já reparei.
A: Primeiro, foram os pontos finais, substituídos por vírgulas, em frases de grande fôlego.
B: Depois vieram dizer que os pontos de exclamação eram como quando alguém se ri da sua própria piada.
A: E agora são as reticências que são brejeiras.
B: Atchim.
A: Santinho.

Tantas possibilidades

Fumar só no blog
Mudar de sexo nas caixas de comentários
Emagrecer, no blog
Pôr uma fotografia no perfil tirada de um banco de imagens (uma asiática de Wong Kar Wai, por que não?)
Escolher um nickname de um recôndito livro de BD
Mudar de ideias
Dar um pulo a Andrómeda e voltar
Fingir tão completamente...

Sob o signo de Plutão

"Lengalenga": narração fastidiosa e extensa. (DPLO/Priberam/Texto Editores)

Por que será que a série dos nomes dos planetas do Sistema Solar é uma "lengalenga" para tantos jornalistas? Por que será que não têm reservas em revelar o seu desprezo pelo conhecimento científico e por um mundo que, por acaso, é muito maior do que eles?

Out of the rolling ocean the crowd

Out of the rolling ocean, the crowd, came a drop gently to me,
Whispering, I love you, before long I die,
I have travel’d a long way, merely to look on you, to touch you,
For I could not die till I once look’d on you,
For I fear’d I might afterward lose you.


(Now we have met, we have look’d, we are safe;
Return in peace to the ocean, my love;
I too am part of that ocean, my love—we are not so much separated;
Behold the great rondure—the cohesion of all, how perfect!
But as for me, for you, the irresistible sea is to separate us,
As for an hour, carrying us diverse—yet cannot carry us diverse for ever;
Be not impatient—a little space—Know you, I salute the air, the ocean and the land,
Every day, at sundown, for your dear sake, my love.)

(Walt Whitman)

Homem a ler


(Hugo Pratt)

Hoje, no Ma-Schamba, JPT, velho-blogard, deu um exemplo de moderação nas caixas de comentários. Muito obrigada: vou tentar aprender alguma coisa. Chapeau!

terça-feira, agosto 22, 2006

A ler/reler

"E um ecrã de febre a arder"
(Eduardo Cintra Torres, Público, 12 de Junho de 2005)

"O share incendiário"
(Eduardo Cintra Torres, Público, 21 de Agosto de 2005)

«Um estudo revelou...»

Os "estudos", geralmente "americanos", devem ser uma mina para jornalistas incapazes de produzir notícias próprias. Pena é que, por vezes, não saibam descodificar os conteúdos desses "estudos".

Por exemplo, no Portugal Diário, encontra-se uma notícia entitulada "Está deprimido? Case-se", com o subtítulo "Estudo mostra que casamento pode beneficiar pessoas com depressão". Depois de ler o texto, fiquei a achar que o "estudo" foi feito sobre lugares comuns, sem controlo de variáveis, com conclusões sem nexo, e que a lucrativa indústria dos casamentos o devia ter patrocinado.

Só duvidei porque uma coisa tão má não chega a ser notícia divulgada internacionalmente (diz a minha veia optimista...). Pesquisando então na rede, encontrei uma outra notícia sobre o mesmo assunto, num registo completamente diferente, em que percebi finalmente em que consistia o "estudo".

Não sei se é pelo número de intermediários e pelas sucessivas interpretações (traduções, simplificações) que aparecem notícias tão pouco informativas, mas que alguma coisa está mal, está.

Nota: A partir dessa notícia do Portugal Diário, há ligações para outras, relevantíssimas, da secção Internacional:
Montanha desenvolve seios
Burro detido por causar acidente de trânsito
Atirou-se de um avião para comemorar 90 anos
Meteu bebé na máquina de secar
Fartinho de ter filhos


Nota 2: A detecção da depressão em doze perguntas, sem mais, e tomando-a como um traço permanente dos indivíduos "deprimidos", também diz da seriedade do "estudo":
They measured depression using 12 questions in the survey which asked respondents the number of days in the last week that they “felt like they could not shake off the blues,” “slept restlessly,” or “felt lonely.”

Mulher a ler


Charles Perugini, Girl reading (In the orangerie)

Proporcionalidade

A: A que factores deve a extensão de um texto ser proporcional?

B: Bom, talvez à informação que contém, à novidade dessa informação, à profundidade da análise, à facilidade de leitura e transporte do meio em que o texto é escrito...

A: E, na prática, a que é proporcional?

B: Talvez à convicção e à verve do autor, ao tempo que tem disponível para escrever, às suas expectativas quando à dimensão e interesse do seu público, à importância que o autor se atribui...

domingo, agosto 20, 2006

Outra divisão possível das pessoas

Poderia ser entre os que preferem a música dos Pink Floyd e os que preferem as letras.

Comfortably Numb

Hello?
Is there anybody in there?
Just nod if you can hear me.
Is there anyone home?

Come on, now.
I hear you're feeling down.
Well I can ease your pain,
Get you on your feet again.

Relax.
I need some information first.
Just the basic facts:
Can you show me where it hurts?

There is no pain, you are receding.
A distant ship's smoke on the horizon.
You are only coming through in waves.
Your lips move but I can't hear what you're sayin'.
When I was a child I had a fever.
My hands felt just like two balloons.
Now I got that feeling once again.
I can't explain, you would not understand.
This is not how I am.
I have become comfortably numb.

Ok.
Just a little pinprick. [ping]
There'll be no more - aaaaaahhhhh!
But you may feel a little sick.

Can you stand up?
I do believe it's working. Good.
That'll keep you going for the show.
Come on it's time to go.

There is no pain, you are receding.
A distant ship's smoke on the horizon.
You are only coming through in waves.
Your lips move but I can't hear what you're sayin'.
When I was a child I caught a fleeting glimpse,
Out of the corner of my eye.
I turned to look but it was gone.
I cannot put my finger on it now.
The child is grown, the dream is gone.
I have become comfortably numb.


(Pink Floyd)

sábado, agosto 19, 2006

Invisíveis

Parece que agora é moda, a propósito e a despropósito, mimar aqueles de quem se discorda com o rótulo de extremistas. Para não variar, a pastora também foi agraciada. Pior do que Salazar, pior do que Staline, imagine-se! (Basta passar de viés os olhos por este blog para perceber quanto isso a atinge; e, se atinge, é pela preocupação de que quem tem tamanhas dificuldades de percepção se possa estatelar mais cedo do que julga possível.) Mas isso até interessa pouco. No extremismo da argumentação, ignora-se uma realidade para qualquer escola da psicologia, que é a existência de doenças mentais. Para muitos, é um tema tabu, são pessoas invisíveis. Se alguém disser que conhece essa realidade, corre o risco de se expor ao ridículo. Pois conheci pessoas próximas nessas condições (e não estou a falar de depressões). Posso testemunhar a limitação de liberdade que isso implica, a angústia pela impotência por parte de quem assiste e o instinto de protecção acrescido por parte de quem ama. Não são casos de piromania(*), só por acaso. Não foram parar à prisão (ou foram vítima de milícias populares), só por acaso (ou não?). Mas vivem num outro tipo de prisão, muito sua. Temo que esta invisibilidade fundada no preconceito impeça estas pessoas frágeis de terem todo apoio social de que necessitam. Para além, claro, das surpresas que quem se faz cego às vezes tem quando lhes caem bombas nas mãos. É coisa que não desejo a ninguém.

(*) Quanto à influência da televisão na actuação de pirómanos, pode argumentar-se que é difícil avaliar que percentagem do total de incêncios se deve a pirómanos. Mas mesmo se for apenas um por cento, isso significa, em dias de quinhentos incêndios, cinco incêndios. Se não valer o bom senso para limitar as labaredas nos ecrãs, há ainda o dever do serviço público a considerar. Estes dois factores, aliás, são responsáveis pela balização da liberdade de expressão e de informação neste meio em muitas outros casos, sem grande celeuma.

sexta-feira, agosto 18, 2006


(Claude Monet, La promenade)

Silly & suburban?

1. Não ver, ver e não comprar

É muito bom passar sem ver televisão e, em especial, não acompanhar séries. Tenho essa sorte. Por isso, só há dias, através de uma capa de revista, conheci finalmente uma "dona de casa desesperada" - que, presumivelmente, faz muito furor e dá saúde às audiências. Perplexidade. Vi uma boneca do Photoshop.


2. Dúvida

O que conferia mais dignidade e paz de espírito quando, há algumas décadas, uma sardinha era partilhada por três? A conformação com o estado das coisas, à maneira budista?


3. "Eles"

Um articulista descobriu que o atendimento nos centros de saúde é kafkiano. Eureka! O que será quando precisar de ir a um centro da Segurança Social... "Eles", os responsáveis, não são necessariamente políticos, são os que não conhecem o país em que a maioria dos seus concidadãos tem de viver. E os que, conhecendo, não reagem.

Quebra-cabeças

1. Pense num número entre 1 e 15.

2. Verifique, nas quatro linhas seguintes, em quais esse número está presente.

1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15
2, 3, 6, 7, 10, 11, 14, 15
4, 5, 6, 7, 12, 13, 14, 15
8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15

3. Some os primeiros números das linhas seleccionadas para obter o número escolhido.

4. Como é isto possível?

quarta-feira, agosto 16, 2006



Um cenário para terminar.

Viajando com o Google Earth

Alguns montes do interior parecem veios de folhas de alface, com castanhos mesclados de verde. Encontram-se as texturas da superfície do Tejo, cada nuvem, cada árvore, os círculos verdes criados pelos regadores mecânicos. Afastando-nos e atentando em África, olhando para o Saara, verifica-se a enorme heterogeneidade do maior deserto do mundo. Na Líbia, a Leste, olhando mais perto, encontram-se também estranhos círculos verdes, no meio de um terreno árido. Os padrões das dunas egípcias são diferentes dos das tunisinas, que, por sua vez, são diferentes das argelinas e das do Niger. Já o deserto australiano, em retalhos multicolores, é difícil encontrar ao longe. As praias, por todo o lado, magníficas, não têm poluição, nem grafitis, nem ruídos indesejados.

terça-feira, agosto 15, 2006


(Giorgio de Chirico, Torino printanière)

Bónus:
- alfabeto fenício (o primeiro?);
- Byblos (onde se encontraram antigos textos escritos em alfabeto fenício).

Cedro do Líbano


(daqui)

A floresta de cedros

«Ninsun foi ao seu quarto, vestiu um vestido que lhe ficava bem, pôs jóias que lhe embelezavam o peito, colocou uma tiara na cabeça e as suas saias varriam o chão. Então subiu ao altar do Sol, que era no telhado do palácio; queimou incenso e levantou os braços para Shamash enquanto o fumo subia:

«"Ó Shamash, porque deste tu este inquieto coração a Gilgamesh, meu filho? Porque lho deste? Tu o inspiraste, e agora eis que parte para uma longa viagem para a terra de Humbaba, a viajar por uma estrada desconhecida e a travar uma singular batalha. Portanto, desde o dia em que partir até regressar, até que chegue à floresta de cedro, até que mate Humbaba e destrua o mal, que tu, Shamash, abominas, não te esqueças dele; mas que a alvorada, Aya, a tua noiva querida, to recorde sempre; e, quando o dia cair, entrega-o ao vigilante da noite que o guarde do mal." (...)

«Juntos [Gilgamesh e Endiku] desceram à floresta e chegaram à montanha verde. Ali pararam e ficaram tomados de mudez; pararam e contemplaram a floresta. Viram a altura do cedro, viram o caminho para a floresta e o carreiro onde Humbaba costumava passear. O caminho era largo e fácil de percorrer. Contemplaram a montanha de cedros, a morada dos deuses e o trono de Ishtar. A grandeza do cedro erguia-se diante da montanha, a sua sombra era bela e reconfortante; montanha e clareira eram verdes de mato.

«Então Gilgamesh abriu um poço antes do pôr do Sol. Subiu ao alto da montanha e espargiu farinha fina no chão, dizendo:

"Ó montanha, morada dos deuses, traz-me um sonho favorável."»

(in "Gilgamesh", versão de Pedro Tamen do texto inglês de N. K. Sandars, Vega)

quarta-feira, agosto 09, 2006

Pesquisas no Google: serviço público

1. Depois de ouvir mil vezes aquele rapaz russo muito confiante e zilionário do Google dizer a uma entrevistadora que "sim, exactamente", que o que o Google trouxe de novo foi a ordenação dos resultados de pesquisa por relevância, é espantoso que quem procura por "consequencias se bebermos a agua do mar" encontre como segundo resultado... este blog. Isto não é um logro?! Claro que, pior, só mesmo seguir a hiperligação...

2. Apesar da democratização do uso do Google, vêem-se ainda muitas pessoas ignorarem as aspas ao pesquisar expressões, para delimitá-las. Faz toda a diferença! Tal como pensar bem em expressões que poderão aparecer nas páginas que se está à procura de encontrar. No exemplo, pesquisando por "beber água do mar", encontram-se vários documentos esclarecedores - alguns bem curiosos.

domingo, agosto 06, 2006

Agosto kitsch

Procissão

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.


(António Lopes Ribeiro)

sábado, agosto 05, 2006

Eles estão entre nós

Há tempos, ao entrar num edifício público e sem que nada o anunciasse, ouvi um coro de vozes a cantar animadamente. Na sala de espectáculos decorria o que parecia ser um concerto de "jovens" evangélicos (como depois me foi confirmado). Num ecrã, passavam as letras das canções que uma meia dúzia cantava no palco. Na assistência todos estavam de pé, a cantar, muitos com os braços levantados a quarenta e cinco graus e com as palmas das mãos viradas para cima. No extremo das filas de cadeiras havia indicações das localidades de origem de cada grupo: terras esquecidas de Portugal.

Fui fazer o que me tinha trazido ali e, quando os "jovens" sairam, tentei perceber se tinham alguma coisa que os distinguisse. Não encontrei nada. Nada que fosse indicativo de exclusão ou alienação. É certo que não se confundiriam com públicos de outro tipos de concertos, que enumerei mentalmente. A diferença destes "jovens" é que eram demasiado simples, provavelmente não iriam a nenhum outro concerto sem ser estes, evangélicos, a que suponho que cheguem em excursão de camioneta. É este o seu circo.

sexta-feira, agosto 04, 2006


(Piet Mondrian, Paysages de dunes)

À sombra de uma oliveira

A: Já reparaste no silenciamento entre nós da guerra colonial?

B: Já. Só um historiador parece interessar-se pelo assunto... Talvez seja porque os traumas ainda estejam muito presentes entre os que participaram na guerra e entre os seus familiares, e que por isso prefiram não falar. Além disso, os deficientes da guerra são sempre um incómodo e prejudicam as audiências dos media...

A: Conheces casos de pessoas que preferem não falar da guerra?

B: Claro. Tu não?

A: ...

A: Lembras-te daquela canção do Sting chamada "Russians"?

B: A que dizia "I hope the Russians love their children too"?

A: Essa. Não te interrogas sobre se os israelitas, os palestinianos e os libaneses do Hezbollah amam os seus filhos?

B: Os israelitas não querem desperdiçar a oportunidade histórica para enfraquecer o Hezbollah...

A: Provocando a humilhação de um inimigo orgulhoso e que, a prazo, tem a vantagem demográfica?

B: De um estado que não é laico podemos esperar o mesmo uso que fazemos da razão?

A: Temos de falar mais sobre isso.
A: Há quem só consiga encontrar a beleza em grandes écrãs ou em fotografias retocadas a Photoshop. E, no entanto, bastaria que utilizassem o metro e prestassem atenção para encontrar mais e melhores exemplos de beleza, desde a mais canónica à mais exótica.

B: Terão alguma razão para querer manter as distâncias?

Mediterrâneo

A cidade é branca, diz-se. O silêncio da deserção, os ângulos incisivos, as arestas muito direitas, mas paredes sempre brancas. O céu, muito azul, optimista. A lua, a parecer translúcida, a pairar elegante sobre copas de oliveiras e de pinheiros mansos. De vez em quando, uma peregrinação à maresia e ao marulhar das ondas restitui um equilíbrio quase esquecido. Os produtos do mar, temperados pelo fogo semi-selvagem, são comunhão para o paladar. Depois, o riso. Bom.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Mulher a ler


(Claude Monet, Suzanne lisant)

Já não sei o que é pior: se excesso de roupa que não se pode obviar, se ar condicionado que não se pode controlar.

Perplexidades: discriminação etária

Passou há dias, na televisão, uma reportagem sobre a discriminação etária no mercado de trabalho do Reino Unido. De acordo com o programa, a indicação por parte de um empregador de uma preferência quanto à idade dos candidatos a um emprego é aí entendida como ilegal! Compare-se com o nosso país: basta folhear os classificados de um qualquer jornal ou um sítio na rede de oferta de emprego para verificar que, entre nós, é comum serem declarados limites, não de 50 ou 45 anos, como era referido por alguns sociólogos ingleses, mas de 30 anos. De acordo com a peça televisiva, no Reino Unido, só no comércio a retalho é que os candidatos mais velhos levavam vantagem em termos de preferências por parte dos empregadores. Em Portugal, não vejo isso nem nesse sector.

Só me lembro de uma excepção: nos concursos de professores, a idade é um factor de desempate, a favor dos candidatos mais velhos. Isto, para iguais classificações académicas e experiência docente e, este ano, de igualdade para mais um criterio, de lógica sindicalista, que privilegia quem deu aulas durante x dias nos últimos y anos, tendo x e y sido definidos sabe-se lá como. Aqui, é o mundo de pernas para o ar, a prejudicar quem está está a entrar no mercado de trabalho. Se não, vejamos: quem consegue um currículo igual em menos tempo não tem mais mérito?