quarta-feira, dezembro 27, 2017

Volto da guerra magoada

O primeiro ministro António Costa dizia há dias que 2017 tinha sido um ano particularmente saboroso, o ano em que morreu uma centena de pessoas nos incêndios. Os jornalistas e os políticos não conseguem dizer as duas palavras de "Pedrógão Grande", porque esse grande ou pequeno é a mesma coisa para eles.

A presidente de uma IPSS, Raríssimas, tem o país contra ela porque pagava com o dinheiro da instituição despesas de representação e cursos de gestão, mas leia-se Peter Singer e "O Maior Bem que Podemos fazer". E veja-se quantos familiares empregam instituições mais famosas.

António Guterres é secretário geral das Nações Unidas, mas não deixa de ser o ex-primeiro-ministro do totonegócio. Que moral tem?

Marcelo Rebelo de Sousa está  cada vez mais popular, mas esteve na primeira linha contra as mulheres no primeiro e no segundo referendo sobre o aborto. Que moral tem?

Os administradores de empresas públicas têm vencimentos secretos, complementados com prémios de desempenho de milhões (qualquer que seja o desempenho), mas no metro somos sardinhas ou ficamos a vê-los passar e nas paragens de autocarros não há painel de tempos de espera que funcione. Que moral têm?

As propinas pagam uma fração importante das despesas das universidades, que oferecem massivamente aulas dadas por voluntários ou convidados a custo zero, escolhidos sem concurso público. Onde está a moral?

Volto da guerra magoada.

sexta-feira, junho 16, 2017

Lombadas

Espanta-me sempre que uma espécie animal que soube instituir o formato A4 internacionalmente (e instituiu acordos climáticos, mesmo que só por alguns meses) não se pôs de acordo sobre para que lado escrever nas lombadas dos livros. Se fosse ditadora (esclarecida), seria de baixo para cima, para ler bem numa estante, entre muitos livros.

Fim aos torcicolos provocados por lombadas!

Wikipédia em 16 de junho de 2017

Inglês    5 419 000 artigos
Alemão    2 068 000 artigos
Francês   1 876 000 artigos
Russo     1 398 000 artigos
Espanhol  1 338 000 artigos
Italiano  1 361 000 artigos
Polaco    1 226 000 artigos
Japonês   1 063 000 artigos
Português   970 000 artigos
Chinês      945 000 artigos

sábado, junho 03, 2017

Açúcar por defeito

O adoçante deve ter encarecido na medida inversa em que o petróleo embarateceu ou então é a taxa do açúcar que não é suficientemente inequívoca porque, nos dias que correm, quando se pede um café, ele vem invariavelmente com um pacote de açúcar ao lado. Não interessa que Portugal esteja no pelotão da frente da diabetes. O Sr. Diretor Geral da Saúde, que parece ser um humanista competente, deveria ir mais vezes visitar os serviços de cirurgia nos nossos hospitais e parar junto dos inúmeros amputados. Talvez então lhe ocorresse que uma campanha de prevenção, como a úbiqua "Manger, bouger" em França, e em particular uma focada no açúcar, seria muitíssimo pertinente.

quarta-feira, maio 24, 2017

Transsexuais fora do armário?

Se para uma parte da comunidade homossexual é muito importante o sair do armário, e conhecemos cada vez mais pessoas no meio artístico que se assumiram enquanto tal, o mesmo não se passa com os transsexuais. Só um ou outro aparecem em reportagens, e nenhuma figura pública é conhecida. (E, no entanto, há casos curiosos, em que parecem não ter feito ainda as cirurgias todas.)

Mulheres em visita ao Papa sem véu preto nem branco



terça-feira, maio 23, 2017

O que é uma mulher?


Lê-se num jornal que podem ser precisas quarenta cirurgias para mudar de sexo. Entre estas, há "cirurgias de feminização facial — a fazer desgaste ósseo da testa, avanço do couro cabeludo, levantamento das sobrancelhas, aumento das maçãs do rosto, suavização da maçã de Adão, rinoplastia. Ninguém pode mudar a largura dos ombros ou o tamanho das mãos. E há que eliminar pêlos e modelar a voz."

sábado, maio 20, 2017

Benção dos finalistas

Todos os anos, um espetáculo grotesco ocorre em Lisboa (e, presumo, em todas as cidades universitárias portuguesas): a benção dos finalistas. Uma autoridade da igreja católica benze uma multidão de "finalistas" (podem acabar o curso num futuro ano letivo; que diferença faz?) em capas pretas e famílias embevecidas e a benzer-se.

Ou seja, dois elementos que nada têm que ver com a universidade e o conhecimento, a igreja e o universo das tunas e das praxes, ocupam o espaço público, assim se legitimando. (Galileu Galilei há-de dar voltas no túmulo com a apropriação da igreja.)

Por que é que as universidades portuguesas não têm cerimónias de formatura, como as que se veem nos filmes americanos? Com reitores, entrega de diplomas e, já agora, sem falsas tradições? Ministro Manuel Heitor? Reitores? Alguém?

1536: instrução pública obrigatória


A 21 de maio de 1536 Genebra adotou, por voto do seu Conselho geral, a obrigação de os pais de enviarem os filhos à escola.

Trans: estado da arte

1) LGBTQIAPK: Lesbian, Gay, Bisexual, Transgender, Queer, Intersexual, Asexual, Pansexual and Polygamous, and Kinkiness

2) Os transgénero querem poder mudar de sexo sem ter de consultar um psicólogo. O movimento LGBTetc quer que a disforia de género deixe de ser considerada doença mental. Não entendo: se alguém achar que é um elefante (ou qualquer outra coisa que não é), isso não é uma doença?

3) "UCLA's Williams Institute estimates that there are 1.4 million Americans who are transgender, translating to 0.6% of the overall population. In this study, 80% of participants were transgender women (those who had been assigned the male sex at birth but identify as female). The participants reported becoming aware they were transgender at a mean age of five years old." (Time)

4) "Médicos ajudam eutanásia de transexual após mudança de sexo fracassada", 2 outubro de 2013 (BBC)

Retalhos da Vida de Um Médico

Letra: José Carlos Ary dos Santos
Interpretação: Carlos do Carmo


Serras, veredas, atalhos,
Fragas e estradas de vento,
Onde se encontram retalhos
De vidas em sofrimento

Retalhos fundos nos rostos,
Mãos duras e retalhadas
Pelo suor do desgosto,
Que talha as caras fechadas

O caminho que seguiste,
Entre gente pobre e rude,
Muitas vezes tu abriste
Uma rosa de saúde

[refrão]
Cada história é um retalho
Cortado no coração
Dum homem que no trabalho
Reparte a vida e o pão
As vidas que defendeste,
E o pão que repartiste,
São água que tu bebeste
Dos olhos dum povo triste

E depois de tanto mundo,
Retalhado de verdade,
Também tu chegaste ao fundo
Da doença da cidade

Da que não vem na sebenta,
Daquela que não se ensina,
Da pobreza que afugenta
Os barões da medicina

Tu sabes quanto fizeste,
A miséria não segura,
Nem mesmo quando lhe deste
A receita da ternura

[refrão]
Cada história é um retalho
Cortado no coração
Dum homem que no trabalho
Reparte a vida e o pão
As vidas que defendeste,
E o pão que repartiste,
São a esperança que aprendeste
Dos olhos dum povo triste

[refrão]
Cada história é um retalho
Cortado no coração
Dum homem que no trabalho
Reparte a vida e o pão
As vidas que defendeste,
E o pão que repartiste,
São a esperança que aprendeste
Nos olhos dum povo triste

sexta-feira, maio 19, 2017

"Cucurrucucu Paloma", de Caetano Veloso

Caetano Veloso ou quem o representa fez uma excelente promoção no Youtube de dois álbuns espetaculares ("Fina Estampa" e "Prenda Minha"). Contribui humildemente para o peditório, comprando os dois.

"Cucurrucucu Paloma", integrado no álbum "Fina Estampa" é daquelas canções que consigo ouvir dezenas de vezes, de tão bela. (E apesar estar num filme de Álmodovar particularmente desafiante para mim, "Hable Con Ella".)

Não há muitos artistas de língua portuguesa tão geniais como Caetano. É relevante se canta em português? Não.

Amar pelos dois

Fiquei muito contente com a vitória dos irmãos Sobral e de Portugal no Festival da Eurovisão. Já cantarolei a canção umas quantas vezes, até porque é dessas que se cola ao ouvido e à cabeça.

As versões em várias línguas que vemos no Youtube mostram como a melodia do tipo "balada da Disney" é na verdade uma típica balada de festival da Eurovisão, e a interpretação jazzística é que lhe deu mais algum valor. (Mas o jazz é assim tão original hoje, depois de tantas décadas de experimentação? A influência brasileira, que não sei explicar, é que está muito bem.)

O tema do amor (perdido) é como os pôres-do-sol. Sempre iguais, e sempre parte nova da experiência humana, geração após geração. Valeu a letra não ter uma métrica manhosa, tão comum nos cantautores de hoje em dia, que também cantam banalidades a soar a anos 70, mas que pensam que são Mozarts. A situação do narrador da letra da canção, de deixar de ser amado e querer convencer a outra parte a dar-lhe mais uma oportunidade... tem que se lhe diga.

O Salvador Sobral diz que nunca viu um festival da canção, mas é difícil de acreditar, tendo em conta que, entre os dois irmãos, houve três participações em concursos musicais em televisão, além de terem um percurso académico e profissional (?) ligado à música. (Também começou por dizer que não estava nas redes sociais, para acabar por admitir que tinha estado viciado no Facebook, que via várias vezes ao dia no seu iPhone...) Enfim, se não houvesse festivais da Eurovisão ("o maior acontecimento musical do planeta"), talvez não tivessem existido os Abba como existiram, e todas as "boas vibrações" que trouxeram ao mundo, e seria uma pena.

Valeu a simpatia e moderado talento dos irmãos, além da impressionante condição de saúde do Salvador.

Houve outras boas canções (de plástico?) portuguesas nos festivais, pelo menos entre 1964 (António Calvário, "Oração") e 1994 (Sara Tavares, "Chamar a Música"). A canção da Lúcia Moniz passou-me completamente ao lado.

quinta-feira, maio 18, 2017

sábado, maio 13, 2017

Leitura detox

 

Para os dias que correm, em que se lembra que o catolicismo é o grande fator de atraso da sociedade portuguesa.

terça-feira, maio 09, 2017

Uma flor do mal

Flor do funcho

Flor da cenoura selvagem

Flor da cicuta

Como ler mais livros

Elle Kaplan

Já o disse muitas vezes: ler livros é um ingrediente essencial do sucesso. Os multi-milionários e bem-sucedidos como Bill Gates e Elon Musk dedicam uma quantidade excepcional do seu tempo à leitura. Musk atribui mesmo o seu conhecimento de como construir foguetes ao seu repertório de leitura, e estudos demonstraram que ler pode reduzir o stress, aumentar a concentração e melhorar a memória de longo e de curto prazo.

Os benefícios de trabalhar os seus músculos da leitura são claros. Mas ler consome tempo e para um profissional ocupado é quase impossível, quer encontrar tempo para ler, quer manter-se suficientemente concentrado para colher os frutos quando os prazos começam a acumular-se.

Felizmente, especialistas da Harvard Business Review (entre alguns outros) descobriram alguns conselhos para assegurar não só que torna a leitura um hábito diário, como que é capaz de aumentar radicalmente a quantidade que lê e os frutos que colhe.

Leia sete formas práticas de melhorar os seus hábitos de leitura à medida que o tempo passa:


1. Convença-se de que não faz mal desistir


Por vezes começo um livro, apenas para descobrir que não estou realmente a apreciá-lo ou a encontrar muito sentido nele - mas "faço o esforço" de qualquer modo, porque não quero ser um desistente.

Gretchen Rubin, autor do livro best-seller "The Happiness Project" e especialista em hábitos da Harvard Business Review descobriu que esta mentalidade segundo a qual os "vencedores não desistem" provavelmente não resulta para o seu hábito de leitura.

Como Rubin refere, desistir cedo dá-lhe "Mais tempo para ler bons livros! Menos tempo a ler livros por um sentido de dever". Pense nisto desta forma - são publicados cerca de 50.000 livros todos os anos. Por quê gastar tempo com livros de que não gosta?

Se realmente não gosta de um romance, liberte-se da culpa e desista dele.


2. Há minutos escondidos por todo o lado


Stephen King, que atribui à leitura muito do seu incrível sucesso como autor, terá dito a pessoas para ler cerca de cinco horas por dia se quiserem seguir as suas pisadas.

Como empresário muito ocupado, comecei por rir desta ideia. Isto até que a HBR chamou a atenção para o quanto King lê em trânsito, ou fora de casa. Considerem todas as vezes em que ele foi visto a ler nos jogos de Red Sox, por exemplo.

Para o passeante médio, pode parecer loucura puxar de um livro em Fenway Park. Mas se soubessem que esse mesmo hábito ajudou King a vender mais de 350 milhões de livros, poderiam sentir-se inclinados a trazer um livro de bolso da próxima vez.

Como Parisha diz, "Há minutos escondidos em todos os cantos do dia, e eles somam um total de muitos minutos." Não estou a dizer que deve puxar de um romance na cerimónia de casamento da sua irmã, mas há pequenas oportunidades para ler quase em todo o lado.


3. Fique calado

A ciência mostra que partilhar as suas intenções com outros quando está a trabalhar para uma tarefa ou objetivo pode ricochetear, e torná-lo menos capaz de ser bem sucedido.

Um estudo de 2009 descobriu que quando estudantes que queriam tornar-se psicólogos escreviam atividades que os ajudavam a conseguir esse objetivo e o partilhavam com o investigador, tornava-se menos provável que se envolvessem nessas atividades. O grupo de controlo que não partilhou a sua lista de atividade pretendidas com o investigador passou muito mais tempo a desenvolver essas atividades.

Quando as pessoas partilham o seu objetivo, sentem menos motivação para trabalhar afincadamente. Por isso, se está determinado a ler mais livros, exprima o seu objetivo e os seus passos para lá chegar - escreva-os mesmo - mas mantenha-os para si.


4. Limite as distrações


Neil Pasricha fez isto acontecer na sua casa pondo a televisão na cave e a estante em lugar de destaque. De acordo com a HBR, Pasricha inspirou-se na famosa experiência do psicólogo Roy Baumeister "do bolo de pepitas de chocolate e do rabanete".

Foi pedido a cobaias humanas esfomeadas para completarem um puzzle complicado e a algumas não foi dada comida, enquanto a outras foram dados bolos (e foi-lhes dito para não os comerem). Sem surpresa, o grupo dos bolos desistiu mais cedo - era o grupo que tinha gasto toda a sua força de vontade a manter-se afastado dos bolos.


5. Leia livros físicos


O mesmo conselho sobre a limitação das distrações pode ser aplicado em grande parte ao favorecimento de livros físicos em detrimento de leitores digitais. Ter um pedaço tangível de material de leitura na sua mão - em vez de um dispositivo ligado à internet onde pode também verificar o seu email ou ver receitas no Pinterest - pode limitar a distração e poupar na necessária força de vontade.

Mas limitar as distrações é apenas uma das razões para favorecer os livros físicos relativamente a romances eletrónicos. Numa era em que todo o nosso entretenimento e canais profissionais se estão a mover para o ecrã, segurar um livro na mão é um bom tónico mental.


6. Mude de atitude

O estratega dos média e autor Ryan Holiday enfatiza que mudar a forma como pensa sobre a leitura é a chave para ler mais. "Precisa de parar de pensar nela como 'uma atividade que faz'... tem de tornar-se tão natural para si como comer e respirar. Não é uma coisa que faça porque lhe apetece, mas porque é um reflexo, um padrão", refere.

Para os bem-sucedidos, um sonho não é alcançado deliberando sobre como alcançá-lo, mas é antes um desejo específico, bem concebido, que acontece sempre. Pode fazer isto hoje tornando os seus hábitos de leitura em objetivos específicos no tempo, e colocando-os no topo da sua lista de prioridades todos os dias.


7. Procure listas organizadas

A fadiga associada à decisão é uma coisa bem real, e pode consumir a sua força de vontade ao tentar adotar novos hábitos como o hábito da leitura.

O esforço hercúleo de passar por milhares de novos livros a cada ano pode consumir o seu poder mental antes que efetivamente leia uma página - e é por essa razão que a HBR recomenda que encontre listas de livros organizadas.

Felizmente, mega-magnatas como Bill Gates e Mark Zuckerberg não são tímidos a partilhar as suas listas de leitura. Com alguns minutos de pesquisa no Google, pode seguir os hábitos de leitura dos grandes.

Talvez não consigamos todos ler 500 páginas por dia como Warren Buffett, ou terminar 50 livros por ano como Bill Gates. Mas pode comprometer-se a usar estes conselhos para ler mais livros este ano, aumentar a sua disponibilidade para absorver informação, e beneficiar das vantagens científicas que a leitura pode trazer.

(Fonte: Quartz)

Última crónica de Baptista-Bastos

Um grande escritor


Para Manuel da Fonseca, a literatura era um sonho de viver.

Por Baptista-Bastos | 08.03.17

Recordo muitas vezes o meu amigo, o seu sorriso triste, a palavra rápida, a percepção imediata das coisas, a coragem inaudita; e, também, a sua abalada ternura pelos companheiros, as melancólica confissões. Manuel da Fonseca, um dos maiores escritores de sempre da literatura portuguesa, o mais felino dos sarcastas e o mais generoso dos amigos.

Havia, nele, a placidez dos grandes sonhos e a nobreza de olhar os camaradas com o respeito que eles, muitas vezes, não mereciam. Para ele, a literatura era um sonho de viver, e feria-o quando, aparentemente, o ignoravam. Passou, há dias, o aniversário da sua morte, recolhido ao Alentejo que escrevera como ninguém, num fulgor magoado e com o olhar enevoado de desgostos.

‘O Fogo e as Cinzas’, admirável livro de contos, cuja organização se deve a Carlos de Oliveira, à mulher deste, Maria Ângela de Oliveira, e a José Gomes Ferreira, é um trabalho de amor e uma doação ao espírito daqueles tempos. Outros grandes títulos do grande autor; ‘Seara de Vento’, ‘Cerromaior’, filmado por Luís Filipe Rocha com a paixão devida, e outros mais.

Certo dia, sabedor de que o meu amigo andava de dinheiro em baixo, falei com Francisco Pinto Balsemão para a entrada de Manuel da Fonseca como colaborador do jornal onde eu era redactor. E assim nasceram crónicas admiráveis, que eu editava no suplemento de domingo, sob o título ‘Pessoas na Paisagem’, uma experiência que me deu grande felicidade. Pontualmente, o meu velho amigo publicou, durante anos, sem uma falha, um texto ímpar que falava do seu Alentejo com a grandeza imaculada de quem escreve sobre o que ama.

Estive, agora, a reler o grande escritor, com a emoção de quem está, de novo, a ouvi-lo e à sua voz pausada e lenta, revendo os seus olhos pequenos e vivos, recordando a sua lúcida atenção às coisas, aos homens e ao seu tempo. Mas, sobretudo, recordando a amizade e o afecto, de que sinto a falta.

(hiperligação)

quinta-feira, maio 04, 2017

Lisboa não é francesa

Venho aqui lamentar-me por três prédios com recuperações falhadas em Lisboa.

1. Tenho especial estima pela Rua Braamcamp, onde brinquei nuns baloiços de um terraço quando era criança. Qual não foi o meu espanto quando vi aquele grande prédio azul claro com decorações rococó em branco a ser recuperado com um acrescento envidraçado de mais alguma altura do que o prédio tinha originalmente. Decididamente, era feio e batoteiro, aquele acrescento. Depois veio a saber-se que José Sócrates e a mãe (e um amigo?) tinham comprado andares nesse prédio recuperado.

2. A Avenida da Liberdade é um desconsolo pela desarmonia entre os prédios. Se podíamos sonhar estar nos Champs Elisées olhando para as carreiras de árvores (maravilhosas!), os prédios tiravam-nos logo as dúvidas. Há alguns anos apareceu na avenida um prédio baixo renovado, pintado de verde garrido. O rés-do-chão estava ocupado com uma ótica. Era, de longe, o prédio mais feio da avenida.

3. Na Avenida da República, durante vários anos, houve uma esquina em obras, sempre com um polícia por perto. Ao que parece, fizeram um grande parque de estacionamento por baixo do edifício, que agora aceita avenças de parqueamento em várias modalidades. O edifício é agora um hotel de quatro estrelas. Foi repetida a graça do edifício azul da Rua Braamcamp; vários andares envidraçados foram acrescentados ao edifício original. Como se não bastasse, há uma espécie de autocolante com a cara gigante de uma pretensa estrela dos anos dourados de Hollywood, que em nada embeleza o edifício.

Não percebo. Não há quem tome conta do aspeto das maiores artérias da nossa capital?

quarta-feira, maio 03, 2017

Dificuldades em Lisboa

Onde é que Lisboa se pode tomar um café com um croissant folhado a sério (pur beurre) e com internet sem interrupções (e com ssh)?

A outra face da moeda do "envelhecimento ativo"

A idade da reforma, para além de ser um instrumento indireto do Estado para cortar os valores das reformas, tem um racional baseado na renovação das gerações no mercado de trabalho e na prevenção dos efeitos da senilidade. (E também no auxílio à velhice e no reconhecimento do direito ao descanso no fim da vida.)

Os que insistem em trabalhar quando têm mais de setenta anos prejudicam objetivamente os potenciais trabalhadores que engrossam o desemprego jovem e o precariado.

Além disso, quando o serviço nacional de saúde nos impõe médicos voluntários com mais de setenta anos (o que demonstra, para quem dúvidas tenha, que não há excesso de médicos), ninguém está seguro.

Escola++

Algumas aptidões que a escola não me ensinou e podia ter ensinado:
- escrever fluentemente;
- falar em público;
- desenhar;
- tocar um instrumento musical;
- uma terceira língua estrangeira;
- desembaraçar cabos ou fios longos.

terça-feira, maio 02, 2017

Maia

Pelo incitamento em Santarém (queriam vir oitocentos e só havia lugar para muitos menos), por ter enfrentado uma arma do inimigo junto ao Terreiro do Paço, a morder o lábio, por ser pivot nas negociações que acabaram sem violência, por não querer protagonismo, por ter morrido novo, por a viúva ter sido desconsiderada (por Cavaco), e por Otelo ter perdido o pé. Sim, é Salgueiro Maia, Fernando José Salgueiro Maia, o herói maior. (E o povo português, que tanto suportou, e finalmente se recusou a ir morrer por um colonialismo sem futuro.)

Pássaro e flores

Hua Yan (1682-1756)

segunda-feira, maio 01, 2017

Sourate 2: AL-BAQARAH

(LA VACHE)

Au nom d'Allah, le Tout Miséricordieux, le Très Miséricordieux. 1. Alif, Lâm, Mîm (cette sourate, comme d'autres, commence par des lettres arabes connues, afin de démontrer que bien que le Coran soit composé de simples lettres, nul ne peut produire de tels versets. C'est l'un des miracles du Coran). 2. Voici le Livre (le Coran) sur lequel il n'y a aucun doute, c'est un guide pour les pieux (qui craignent leur Seigneur Allah). 3. Ceux qui croient à l'invisible, accomplissent la prière (Salât) et dépensent de ce que Nous leur avons attribué [dans l'obéissance à Allah] 4. Ceux qui croient en ce qui t'a (a toi, Muhammad) eté révélé (le Coran) et en ce qui a été révélé avant toi (la Torah et l'Évangile), et qui croient fermement à la vie future. 5. Ceux-là sont sur le bon chemin de leur Seigneur, et ce sont eux qui réussissent (dans cette vie et dans la vie future). 6. Il est égal pour les mécréants que tu (Muhammad) les avertisses ou que tu ne les avertisses pas; ils ne croient pas. 7. Allah a scelllé leurs coeurs et leurs oreilles; un voile leur couvre la vue et ils auront un grand châtiment. [...]

(Le Noble Coran)

O esboroamento da memória

Volta-se a este meio após uns anos de afastamento, e tudo está mudado. Descobri há pouco que acabou também o weblog.com.pt e todos os blogs lá alojados.

Lição: não confiar em empresas pequenas de alojamento. E acreditar que o Google vai durar um pouco mais. (O fim do Yahoo! já foi anunciado há dias...)

Gerações

Não bastando os recém-doutorados que dão aulas de graça em universidades, agora também há professores jubilados a fazê-lo. Ao mesmo tempo, os mais brilhantes são forçados a emigrar ou a manter-se emigrados. Os lugares em causa não são os mesmo? Só por vezes não são.

sábado, abril 29, 2017

Alguma areia para as engrenagens

"[A] liquidez dos activos financeiros torna-os potencialmente negativos para o resto da economia. Construir uma fábrica demora pelo menos alguns meses, senão mesmo anos, enquanto para acumular os conhecimentos práticos tecnológicos e organizacionais necessários para formar uma empresa de nível mundial são necessárias décadas. Pelo contrário, os activos financeiros podem ser transferidos e reorganizados em minutos, senão mesmo segundos. Esta enorme diferença cria problemas muito importantes, porque o capital financeiro é «impaciente» e procura obter ganhos de curto prazo [...]. No curto prazo, esta tendência cria instabilidade económica, pois o capital líquido espalha-se por todo o mundo quase sem aviso prévio e de formas «irracionais», como temos visto recentemente. Mais importante é o facto de, no longo prazo, gerar um fraco crescimento da produtividade, porque o investimento de longo prazo é cortado para satisfazer o capital impaciente. Em resultado disto, apesar do grande progresso no «aprofundamento financeiro» (ou seja, o aumento no rácio entre os activos financeiros e o PIB), o crescimento tem, na verdade, desacelerado nos últimos anos [...].

Assim, precisamente porque é eficiente a responder a novas oportunidades de lucro, o mundo financeiro pode tornar-se prejudicial para o resto da economia. E foi por isso que James Tobin, laureado com o Prémio [Nobel] da Economia em 1981, falou na necessidade de «atirar alguma areia para as engrenagens dos nossos excessivamente eficientes mercados monetários internacionais». Assim, ele propôs um imposto sobre as transacções financeiras, com o objectivo deliberado de reduzir a velocidade dos fluxos financeiros. Até há pouco tempo tema tabu nos círculos educados, o chamado imposto Tobin foi recentemente defendido por Gordon Brown, primeiro-ministro britânico. Todavia, o imposto Tobin não é a única forma de reduzir a diferença de velocidade entre o mundo financeiro e a economia real. Entre outras alternativas, há a possibilidade de dificultar as aquisições hostis (reduzindo, por conseguinte, os ganhos dos investimentos especulativos em acções), proibir a venda curta (a prática de vender acções que não se possui no momento da venda), aumentar os requisitos de margem (ou seja, a percentagem que tem de ser paga à cabeça quando se compram acções) ou a criação de restrições aos movimentos transfronteiriços de capital, especialmente para países em desenvolvimento."

 ("23 coisas que nunca lhe contam sobre a Economia", Ha-Joon Chang)

sexta-feira, abril 28, 2017

Coisa 18 [Regulação]

"Karl Marx descreveu a restrição da liberdade empresarial por parte do Estado, em nome do interesse colectivo da classe capitalista, como a actuação do "comité executivo da burguesia". Todavia, não é necessário ser-se marxista para perceber que as leis que restringem a actuação individual das empresas podem promover o interesse colectivo da totalidade do sector empresarial, já para não falar da nação como um todo. Por outras palavras, muitas leis são favoráveis - não prejudiciais - aos negócios. Boa parte delas ajuda a preservar o conjunto comum de recursos que todas as empresas partilham, enquanto outras contribuem positivamente para os negócios levando as empresas a fazer coisas que aumentam a produtividade colectiva no longo prazo. Apenas quando reconhecermos isto seremos capazes de entender que o que interessa não é a quantidade absoluta de leis, mas os objectivos e os conteúdos das mesmas."

("23 coisas que nunca lhe contam sobre a Economia", Ha-Joon Chang)

Planear para cem anos

"Se planeias para um ano, planta arroz. Se planeias para dez anos, planta árvores. Se planeias para cem anos, educa a humanidade."

(Kuan-Tzu)

terça-feira, abril 25, 2017

25 de Abril sempre!


Em dias em que administradores da CGD não percebem o que é serviço público (mas percebem de salários principescos e uma muito considerável "melhoria do CV"), em que funcionários dos serviços de saúde não estão devidamente vacinados, em que os falsos recibos verdes são uma realidade para ficar (que nos torna motivo de chacota de colegas e amigos estrangeiros). Dia de homenagem a Sá Carneiro, fundador de um partido que é tudo menos social-democrata (mente logo a começar no nome). O povo está a dormir em 2017.

sábado, abril 22, 2017

Sourate 1: AL-FATIHA

(PROLOGUE ou OUVERTURE)

1. Au nom d'Allah, le Tout Miséricordieux, le Très Miséricordieux. 2. Louange à Allah, Seigneur des mondes. 3. Le Tout Miséricordieux, le Très Miséricordieux, 4. Maître du Jour de la Rétribution. 5. C'est Toi [Seul] que nos adorons, et c'est Toi [Seul] dont nous implorons l'aide. 6. Guide-nous dans le droit chemin (l'Islam), 7. Le chemin de ceux que Tu as comblés de Tes faveurs, non pas de ceux qui ont encouru Ta colère, ni des égarés (la mécreance).


(Le Noble Coran)

Listas

O conjunto de todas as listas de livros recomendados do Plano Nacional de Leitura de 2016 tem 846 páginas. No entanto, não se encontra lá nem a Bíblia, nem o Corão, nem "O Capital". Já Isabel Alçada aparece em 48 entradas, enquanto José Saramago tem direito a 13 entradas. Pobres alunos pobres, que assim vão continuar.

De facto, este plano tem um conjunto de problemas: aqueles autocolantes redondos estragam os livros (sic!); livros que consideramos clássicos não foram incluídos nestas listas; autores menores, contemporâneos nacionais foram incluídos de uma forma aparentemente arbitrária (ou pior?); e a inclusão de Isabel Alçada, ex-coordenadora do plano (de cujos livros, aliás, fui grande leitora quando era pequena).

É de saudar a intenção de aumentar a literacia científica e o contacto com as artes pelos jovens e, indiretamente, da população portuguesa. Vamos ver o que vai ser feito.

Uma vergonha para o Público

Vem hoje escrito no Público: "A bioquímica fará o seu trabalho, é certo, mas a crença tornará esse efeito eficaz! A eficácia depende da mão humana, nunca do método científico." A frase é de Rui Devesa Ramos, que se apresenta como doutor em Psicologia Clínica e Psicobiologia.

Um jornal que publica isto não merece 1,70 euros meus.

sexta-feira, abril 21, 2017

As séries de Piketty




 As séries de Piketty são sempre interessantes. No entanto, o seu livro "O Capital no Século XXI", apesar de ser importante, factual e simples de ler, dificilmente pertencerá ao "Plano Nacional de Leitura". É pena.

quinta-feira, abril 20, 2017

O que somos?

O que mais nos define: aquilo de que gostamos ou o que sabemos fazer? O Facebook define-nos pelos gostos e preferências, enquanto o Linkedin quer saber as nossas "competências" com interesse para supostos potenciais empregadores. Na primeira linha: Benfica ou Sporting? IOS ou Android? Série "pacote" A ou B? Temporada N ou M? Na segunda: tocar guitarra e cantar latim? Bolos ou bonecas de pano? Trocar lâmpadas? Vender? ("Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco/E gabava-se também de saber conduzir/Num campo a direito o sulco do arado").

Ora, Homero, se é que existiu, sabia escrever e gostava de contar histórias. Este exemplo sugere que, para o máximo sucesso e uma marca mais duradoura, deveríamos gostar da atividade que fazemos, que idealmente é uma que sabemos fazer bem. Mas a realidade é outra. "É a economia, estúpidos", diriam alguns. A maioria da humanidade trabalha muitas horas por dia por um salário baixo, sempre sentados ("the new smoking") ou sempre em pé (a ganhar varizes), num trabalho de que não gosta. Nas sociedades anteriormente desenvolvidas, longos períodos de desemprego, sem proteção social, são cada vez mais a norma.

Na sociedade ocidental, nos tempos recentes, uma classe média que aumentou antes de se dissipar, foram inventadas as férias e os passatempos, e as reformas pagas. (As crianças e os adolescentes só têm de ser estudantes.) Não serão escapes? Hoje, já não há dinheiro para luxos, é o tempo do marmitar como moda.

Sobre nós, as nuvens negras que são os nossos medos acompanham-nos ao longo da viagem. Se antes antecipávamos cogumelos nucleares, hoje imaginamos costas com o nível da água do mar cada vez mais elevado.

A amizade hoje é uma caricatura no Facebook.

O que somos? Para onde vamos?

Para que serve um blog? (De novo.)

O twitter é mais rápido embora mais limitado. Depois, tudo vai desaparecer, como já aconteceu com as páginas pessoais do Geocities, do Terràvista, do Sapo, ou com os comentários do Haloscan). Por isso, para quê gastar o latim, a não ser que se tenha uma agenda política ou um negócio de artesanato? Todo o palavreado é sugado pelo buraco negro que é o tempo, com uma forma cada vez mais próxima da do esparguete.

Escrever para pensar melhor?

Gatinhos









Cuteness overload!!! (Obrigada ao Google por existir e me fazer regressar à infância, afinal um dos últimos bálsamos.)

quarta-feira, janeiro 04, 2017

Fracos jornalistas

Os jornalistas descobriram agora que se fica seis dias na urgência dos hospitais à espera de uma cama, e que há imensas pessoas a dar aulas de graça nas universidades portuguesas. Têm andado a dormir nos últimos anos, está visto.