segunda-feira, julho 03, 2006

Uma viagem providencial (VIII)

O céu e o mar em fúria

A 13 e a 14 de Maio, a fúria do mar e do céu não se apaziguou. Avistaram terra, ao longe, e passaram por diversas ilhas, o que, como é natural, lhes aumentou a sensação de miséria e abandono. Pareciam homens prestes a morrer de fome diante de uma paisagem de abundância. Mas qualquer tentativa para conseguirem um suplemento de víveres envolvia perigos tão grandes que lhes pareceu mais sensato renunciar: preferiam prolongar a existência, mesmo em circunstâncias tão pavorosas, enquanto tivessem esperança de conservar forças suficientes para vencer as provações que os esperavam.

Todo o dia 15 e a noite seguinte choveu a cântaros. A noite estava tão cerrada que as estrelas não apareceram e Bligh teve de governar sem visibilidade e de haver-se com as vagas que continuavam a abater-se sobre eles. De manhã, quer dizer, a 16 de Maio, distribuiu a cada homem cinquenta gramas de carne, em suplemento da minúscula ração de dezoito gramas de pão. A noite seguinte seria uma verdadeira visão do inferno, com trovoada, relâmpagos, chuva, e nem uma estrela. Bligh governava a cana do leme como se tivesse cegado.


Sir John Barrow, "Revolta na Bounty", tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, Publicações Europa-América, 1972

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