sábado, julho 29, 2006
Aleph
Num dos dias da vaga de calor que há algumas semanas ocorreu em Portugal (a "maior" desde há várias décadas, segundo os meteorologistas), sentei-me, no autocarro com ar condicionado, no último lugar vago. Ao meu lado, uma senhora de aspecto cuidado, com um rosto rendilhado com rugas. Daquelas que fazem lembrar um solo após longa seca ou uma ribanceira desprotegida depois de uma chuva forte. Talvez uma nonagenária, pensei. Sobre a cabeça, uma coroa branca de cãs. Virou-se para mim e começou a falar com a pronúncia açucarada do português do Brasil. Que nunca tinha sentido um calor assim. Nem mesmo durante os vinte e cinco anos em África. Olhei para ela. Estava ali condensada a memória de três continentes e de muitas décadas do século XX. Digam-me: não vos apeteceria também convidá-la para um lanche numa casa de chá (ou de gelados, dadas as circunstâncias!) e dizer-lhe "agora, conte-me tudo"?
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