domingo, julho 02, 2006

Uma viagem providencial (VII)

Novas tempestades

O dia seguinte não trouxe nenhuma melhoria, a não ser a luz de uma nova manhã. As vagas abatiam-se sobre a chalupa com tal violência que Bligh ordenou aos homens que se atassem, dois a dois, e esgotassem a água sem cessar. A ração de víveres, que distribuia agora regularmente três vezes ao dia (de manhã, ao meio-dia e ao pôr do Sol), compunha-se de dezoito gramas de pão e quinze centilitros de água; mas naquele dia acrescentou, ao almoço, quinze gramas de carne de porco, por cabeça. Em tempo normal, essa porção daria para uma dentada, mas na chalupa os homens repartiram-na em três ou quatro.

A 11 de Maio, pela manhã, o estado do mar ainda não melhorara.

«Ao nascer do dia distribuí a cada um uma colher, das de chá, de rum. Tínhamos os membros tão torturados por cãibras que quase não conseguíamos mexer-nos. A nossa situação tornara-se extremamente perigosa, com as vagas a inundarem constantemente a ré e a obrigarem-nos a esgotar a água sem descanço e com todas as nossas forças. Ao meio-dia, o Sol apareceu, dando-nos tanto prazer como se o víssemos em Inglaterra num dia de Inverno.

«Na noite de 12 voltou a chover com violência inaudita, fazendo-nos passar horas atrozes. Finalmente, o dia nasceu, iluminando com a sua luz um grupo de seres miseráveis, torturados por todas as necessidades vitais e desprovidos de tudo quanto seria preciso para as satisfazer. Alguns queixavam-se de grandes dores nos intestinos e todos tínhamos, por assim dizer, perdido o uso dos membros. O pouco que conseguíramos dormir não nos repousara, pois as vagas e a chuva não cessaram de nos ensopar.

«Como o mau tempo persistisse e a ausência de sol nos negasse a esperança de secarmos a nossa roupa, aconselhei os meus companheiros a despirem-se e a mergulharem os fatos na água do mar. Seguiram o meu conselho e beneficiaram de um reaquecimento que a roupa molhada pela chuva não lhes permitiria.»

As vagas continuavam a inundar a chalupa e a tornar necessário esgotar constantemente a água. Embora os homens fossem sacudidos por terríveis arrepios e a chuva e a humidade os fizesse bater os dentes, Bligh viu-se forçado a anunciar-lhes que não poderia dar-lhes mas a colherzinha de rum que até aí os reconfortara.


Sir John Barrow, "Revolta na Bounty", tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, Publicações Europa-América, 1972

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