quinta-feira, julho 06, 2006

Mulher a ler


(Frank Millet, A Cosey Corner)

Este quadro, ao contrário do da anterior mulher que não lê, de Gauguin, tem ponto de fuga, mas, na minha opinião, tem também um pequeno "erro de casting". Paciência. Reparem nas três maçãs.

O quadro, muito realista, de 1884, foi oferecido ao Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque. Gosto da riqueza dos detalhes. A cozinha parece pobre, porque pequena e sem chaminé, e a roupa clara da rapariga sugere que tem vestido um fato domingueiro. O sapato vai no mesmo sentido. (Onde andará o outro pé?) O que trás na cabeça não parece um chapéu, mas um lenço de cor dissonante para proteger o cabelo durante trabalhos de limpeza... Gostos. O livro é de tamanho reduzido mas com um número não muito pequeno de páginas, de leitura desconfortável. Poderia ser um missal. Ou não. O que poderia uma rapariga norte-americana ler em 1884? Muitas coisas interessantes, parece-me.

A mão da rapariga que não está a segurar o livro puxa a cortina para trás para deixar entrar mais luz, a partir de um exterior com árvores. O banco, construído na parede, deve ser frio. Fica, aliás a dúvida sobre se será realmente um banco, por ser muito estreito e alto, a exigir uma caixa para apoiar os pés.

Em cima, no apoio sobre a divisória, há uma espingarda, um machado, vários candelabros e outros utensílios. Não há objectos para embelezar a casa, tudo tem um fim prático.

Em toda a divisão impera a ordem e o asseio: na janela, sobre a divisória, no chão em pedra e no fogão. Só a parede junto ao fogão vai enegrecendo com o fumo. As ervas que secam junto ao fumeiro, sem cor específica, sugerem vagamente um agrado ao olfacto ou ao paladar. Ao lado do fogo, sobre uma coluna, está esquecida uma chávena de chá, indicação de uma leitura atenta.

O fogo, em cores muito realistas, continua a aquecer o bule suspenso pela asa. A emoldurar as três maçãs que cozem sobre a plataforma do fogão, duas curiosas figuras de ferro. Estarão presas ao fogão? Estranho. A chita e o peitinho em renda do vestido, as cores diversas nas pedras do chão, o verde no exterior da janela, as figuras inúteis de ferro, e, claro, as três maçãs, são, afinal, os adornos simples da cena.

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