terça-feira, julho 04, 2006

Uma viagem providencial (IX)

Multiplicam-se os tormentos

Na manhã de 17, logo às primeiras claridades da alvorada, "deparei - relata o capitão - com todos a gemer e a queixar-se. Alguns suplicaram-me que distribuísse uma ração suplementar, mas recusei. A nossa situação era pavorosa: sempre encharcados, gelados pelo frio da noite, não dispúnhamos, naquela embarcação sem ponte, do mínimo abrigo que nos protegesse das intempéries. A pequena quantidade de rum que possuíamos prestava-nos imensos serviços: quando as noites eram demasiado intoleráveis, distribuía uma colher de chá, e às vezes duas, a cada homem, e todos se animavam quando o fazia.

"A noite de 17 para 18 foi ainda mais sombria e angustiosa: os vagalhões sucediam-se sobre a chalupa, e nós só podíamos governar com o vento e as vagas. Planeava chegar, se possível, à costa da Nova Holanda e percorrê-la para sul do estreito de Endeavour, pois compreendia que precisava de um bom vento do sul. Esperava que, contornando a Grande Barreira de Recifes, descobríssemos uma abertura que nos permitisse passar para águas calmas e, eventualmente, até, repousarmos e reabastecermo-nos de víveres."

A 18, a chuva cessou. Bligh recomendou de novo aos seus homens que se despissem e mergulhassem a roupa na água do mar e, como da primeira vez, isso foi-lhes benéfico. Todos sentiam violentas dores nos ossos.

Quando chegou a noite, recomeçou a chover: uma chuva tropical de que os ocidentais não faziam ideia, acompanhada de relâmpagos e trovões. Na chalupa tornou-se necessário recomeçar a esgotar a água sem descanso.

Semelhante temporal prolongou-se pelos dias 19 e 20, como se se tratasse de um verdadeiro dilúvio. Toda a gente manejava o vertedouro, mas o tenente Bligh achou necessário distribuir apenas trinta gramas de carne, ao almoço.


Sir John Barrow, "Revolta na Bounty", tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, Publicações Europa-América, 1972

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