domingo, junho 25, 2006

Uma viagem providencial (I)

O cruel Christian

A primeira intenção de Christian fora expulsar o comandante e os camaradas no pequeno escaler, e para isso ordenara que o içassem para fora de bordo. O escaler foi, portanto, lançado à água. Era um pobre barco miserável, onde não caberiam mais de oito ou dez homens e muito pouca bagagem, e que, pior ainda, estava tão comido pelo caruncho, tão apodrecido (sobretudo nas pranchas do fundo), que eram de nove contra dez as probabilidades de se afundar antes de percorrer uma milha.

Eis a «carcação putrefacta» onde Christian tencionava abandonar à deriva o que fora seu comandante e dezoito inocentes, ou os que nela pudesse embarcar: encontrariam apenas aquilo que fatalmente os esperava - a morte no fundo do oceano.

No entanto, as vivas censuras do imediato, do contramestre e do carpinteiro acabaram por impressioná-lo e concedeu aos infelizes a chalupa. Nela se apinharam os dezanove. O seu peso, acrescido do dos poucos objectos que os autorizaram a levar, mergulhou de tal modo a embarcação na água que a mais pequena ondulação bastaria para a afundar. Pelo que era humanamente possível prever, não se encontrava em condições de realizar a longa viagem pelo mar alto que aqueles dezanove homens estavam condenados a fazer - e que, miraculosamente e contra toda a esperança, fizeram.


Sir John Barrow, "Revolta na Bounty", tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, Publicações Europa-América, 1972

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