domingo, outubro 31, 2004
Continuam os efeitos da revolta na Bounty
A história da "Revolta na 'Bounty'" é um poço de lições sobre a natureza humana e sobre a civilização. O artigo de hoje da revista Pública sobre Pitcairn ("A Ilha dos Crimes Sexuais") é mais uma sequela dessas lições.
sábado, outubro 30, 2004
Mais infinito
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sexta-feira, outubro 29, 2004
quinta-feira, outubro 28, 2004
A moleirinha
Ai a filha da moleirinha.
Tão mal empregada ela
Andar ao pó da farinha!
Trigueirinha me chamaste
Ai eu de sangue não o sou.
Isto é de andar à farinha
Foi o sol que me crestou!
Trigueirinha me chamaste,
Ai por isso não me zanguei.
Trigueira é a pimenta
E vai à mesa do rei!
(popular)
Artur Portela
quarta-feira, outubro 27, 2004
Uma nova livraria
Espera
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
terça-feira, outubro 26, 2004
Pedido de ajuda
Inferno (IV)
"Finalmente, considerai a espantosa tortura que representa para estas almas danadas, as que corromperam e as que foram corrompidas, a companhia dos demónios. Estes demónios atormentam os danados de duas maneiras: com a sua presença e com as suas censuras. Santa Catarina de Siena viu uma vez um demónio e escreveu que preferia caminhar até ao fim da sua vida por um caminho de carvões em brasa do que voltar a ver um único instante tão horroroso monstro. Estes diabos, que foram outrora formosos anjos, tornaram-se tão repelentes e feios quanto antes tinham sido belos. Escarnecem e riem das almas perdidas que arrastaram para a ruína. São eles, estes diabos abjectos, que representam no Inferno a voz da consciência. Porque pecaste? Porque deste ouvidos aos propósitos tentadores dos amigos? Porque abandonaste as tuas práticas piedosas e as tuas boas acções? Porque não evitaste as ocasiões de pecado? Porque não deixaste aquele mau companheiro? Porque não renunciaste a tal hábito impudico, a tal hábito impuro? Porque não ouviste os conselhos do teu confessor? Porque, mesmo depois de teres pecado a primeira, a segunda, a terceira, a quarta ou a centésima vez, não te arrependeste da tua má conduta e não regressaste a Deus, que esperava apenas o teu arrependimento para te absolver? Agora o tempo do arrependimento já passou. O tempo é, o tempo foi, mas o tempo não existirá mais! Houve um tempo para pecar às escondidas, para te comprazeres na preguiça e no orgulho, para ambicionar o ilícito, para ceder às investigações da tua baixa natureza, para viver como as bestas dos campos, ou ainda pior do que as bestas, porque elas, ao menos, não passam de brutos que não possuem uma razão que os guie. O tempo foi, mas o tempo não existirá mais. Deus falou-te por intermédio de tantas vozes diversas, mas não quiseste ouvir. Não quiseste esmagar esse orgulho e esse rancor no teu coração, mas não quiseste restituir esse bem mal adquirido, não quiseste obedecer aos preceitos da tua Santa Igreja nem observar os teus deveres religiosos, não quiseste abandonar aqueles maus companheiros, não quiseste evitar aquelas perigosas tentações. Tal é a linguagem desses demoníacos carrascos, linguagem plena de sarcasmo e de reprovação. Sim, de reprovação! Porque mesmo eles, os próprios demónios, quando pecaram, cometeram o único pecado compatível com a sua angélica natureza: a rebelião do espírito; e mesmo eles, mesmo os diabos abjectos, têm de se afastar, revoltados e enojados com os espectáculos daqueles pecados inomináveis com os quais o homem caído ultraja e macula o templo do Espírito Santo, ultrajando-se e aviltando-se a si próprio."
(in "Retrato do Artista quando Jovem", James Joyce, Difel)
segunda-feira, outubro 25, 2004
Inferno (III)
"Todavia, tudo o que acabo de vos dizer referente à força, à qualidade e à extensão deste fogo não é nada quando comparado com a sua intensidade, intensidade que é justamente considerada como sendo o instrumento escolhido pela vontade divina para punição da alma e do corpo ao mesmo tempo. Trata-se de um fogo que procede directamente da ira de Deus, e que se manifesta não pela própria actividade, mas como um instrumento da vingança divina. Assim como as águas baptismais purificam a alma com o corpo, também o fogo da punição tortura o espírito com a carne. Todos os sentidos da carne são torturados e o mesmo sucede com todas as faculdades da alma: os olhos com as trevas absolutas e impenetráveis; o nariz com fétidos nauseantes; os ouvidos com berros, uivos e imprecações; o paladar com a matéria imunda, a lepra e a podridão, a imundície inominável e sufocante; o tacto com aguilhões e pregos em brasa e cruéis línguas de fogo. Assim, por meio dos vários tormentos dos sentidos, a alma imortal é eternamente torturada na sua essência mesma, no meio de léguas e léguas de ardentes fogos acesos nos abismos pela majestade ofendida de Deus Omnipotente, e soprados numa perene e sempre crescente fúria pelo sopro raivoso do Todo-Poderoso."
(in "Retrato do Artista quando Jovem", James Joyce, Difel)
Reencontro de Dante e Beatriz
(Iluminura da Escola Veneziana do séc. XIV. Libreria Marciana, Veneza. Fotografia de Erich Lessing.)
domingo, outubro 24, 2004
Inferno (II)
"Mas esse fedor, por mais horrível que seja, não é o maior tormento físico que sofrem os danados. O tormento do fogo é o maior que um tirano jamais infligiu aos seus semelhantes. Colocai por um momento o vosso dedo na chama de uma vela e sentireis a dor causada pelo fogo. Mas o nosso fogo terreno foi criado por Deus para benefício do homem, para manter nele a centelha da vida, para o ajudar nos trabalhos úteis, enquanto o fogo do Inferno é de uma outra qualidade: foi criado por Deus para torturar e castigar o pecador impenitente. Além disso, o nosso fogo terrestre consome mais ou menos rapidamente, conforme o objecto atacado é mais ou menos combustível, a ponto de a ingenuidade humana ter mesmo inventado preparações químicas para impedir ou embaraçar a sua acção. Mas o sulfuroso breu que arde no Inferno é uma substância especialmente criada para arder eternamente com uma indizível fúria. Finalmente, o nosso fogo terrestre destrói à medida que arde, de modo que quanto mais intenso for mais curta será a sua duração; mas o fogo do Inferno possui a propriedade de conservar aquilo que queima e, embora se enfureça com uma incrível ferocidade, essa fúria não tem fim."
(in "Retrato do Artista quando Jovem", James Joyce, Difel)
sábado, outubro 23, 2004
Inferno (I)
"Jazem nas trevas exteriores. Porque, lembrai-vos disto: as chamas do Inferno não emitem qualquer luz. Assim como, pela ordem de Deus, o fogo da fornalha de Babilónia perdeu o seu calor, mas não a sua luz, assim, pela ordem de Deus, o fogo do Inferno, conquanto retenha a intensidade do seu calor, arde eternamente nas trevas. É uma incessante tempestade de trevas, de negras chamas e de negra fumarada de enxofre a arder, no meio das quais os corpos estão amontoados uns sobre os outros, sem uma nesga de ar. De todas as pragas com que a terra dos faraós foi flagelada, uma só, a praga das trevas, foi classificada de horrível. Que qualificativo daremos então às trevas do Inferno, que hão-de durar não três dias apenas, mas toda a eternidade?"
(in "Retrato do Artista quando Jovem", James Joyce, Difel)
sexta-feira, outubro 22, 2004
Rajada
"O porteiro e outras testemunhas do facto também foram apanhados desprevenidos. Ouviram os disparos e não souberam identificá-los, pensaram numa explosão de motor ou na passagem de um avião, mas quando a viram cair correram para socorrê-la. Dez minutos mais tarde, Irene era levada numa ambulância com as sirenes ligadas e as luzes acesas. Tinha inúmeras perfurações de bala no ventre, por onde lhe fugia a vida aos borbotões."
(in "De Amor e de Sombra", Isabel Allende, Difel)
quinta-feira, outubro 21, 2004
Fascinação
(in "De Amor e de Sombra", Isabel Allende, Difel)
Xisto
Os políticos profissionais
Sei, por experiência própria, quão difícil é conjugar esforços entre um grupo de pessoas, mesmo que com um ideário comum. Há sempre diferenças pessoais que, se não for feito nada, se transformam a prazo em desavenças e incompatibilidades, que inquinam os projectos colectivos. Para que as coisas funcionem, é precisa muita tolerância mútua e também lideranças conciliadoras e aglutinadoras, o que nem sempre é fácil de encontrar.
Ao contrário de muitos, não acredito que os políticos sejam uma corja de interesseiros, ou pelo menos, que sejam mais interesseiros do que são todos os que não são políticos. Por que haveriam de sê-lo?
Se é duvidoso que a única motivação que leva jovens a inscreverem-se em juventudes partidárias seja uma motivação altruísta, mesmo assim acredito que muitos dos que dedicam boa parte das suas vidas à actividade política o façam, pelo menos em princípio, por uma vontade de mudar o mundo para melhor.
Claro que mesmo os mais bem intencionados não são perfeitos nem imunes ao mundo que os rodeia. Por isso, os políticos sofrem dos males de que a sociedade também sofre. A diferença é que os defeitos dos políticos são ampliados, por serem figuras públicas. E isso acontece tanto mais quanto mais mediatizada é a sociedade, porque aos "media" interessam as audiências que os escândalos e os "fait-divers" lhes trazem, e interessa a descredibilização da classe política, com a consequente valorização do quarto poder, ainda maior por surgir como aparente novo moralizador da vida pública.
Vivemos numa democracia dominada pelos partidos políticos. Um domínio excessivo, infelizmente. Vimos que os referendos não são a solução para uma democracia mais participada. Bem pelo contrário: parece que quanto mais referendo se fizerem, mais baixa será a participação, quer nos referendos, quer nas eleições partidárias.
Penso que o problema do desinteresse da população pela política e, especialmente, pelas eleições, não será muito alterado pela introdução de círculos uninominais. Aliás, o momento da definição desses círculos dificilmente deixaria de ser o resultado de um jogo de interesses entre os partidos, e a fulanização e a inevitável demagogia que se seguiriam, tudo isso acabaria, mais cedo ou mais tarde, por desencantar ainda mais os eleitores.
Há um campo em que ainda há alguma coisa a fazer, mas que também não é nenhuma panaceia. Trata-se da facilitação da constituição e do funcionamento das associações. A burocracia podia ser diminuída, e o problema geral da falta de instalações e de espaço devia ser combatido.
Neste cenário de democracia decadente, em que é a economia que efectivamente domina o que muda no mundo, que faremos nós sem os nossos políticos, para dar aos cidadãos a pouca voz que ainda têm? Só temos que ter esperança que nas veias dos políticos não corra já "sangue de barata"...
quarta-feira, outubro 20, 2004
Um pequenino Aleph
Ouvi, finalmente, uma razão para que o planeta Vénus tenha o nome que tem. Não sei se gostei...
Obrigada, Professor Paulo Almeida!
O triunfo da burocracia
Quem sabe, então, se não se pode fazer uma revolução... pela via dos formulários!
terça-feira, outubro 19, 2004
A canção do bandido
I never felt my heart until I looked into your eyes
I never dared to dream until I looked into your eyes
I never thought the joys of love could touch a gypsy like me
Once alone and so free, now my heart longs for you
I never felt the sun until I looked into your eyes
I thought the race was won and then I looked into your eyes
I never needed anyone to sing the songs that I sing
Now the words only ring if I sing them to you
My love is there in your eyes
My soul is bare in your eyes
If I could gaze in your eyes ever more
-it's the dream I live for-
You can open the door…
I led a life of crime and then I looked into your eyes
My heart became a prisoner when I looked into your eyes
I fell beneath your gaze and felt as though my lies had been seen
All my sins became clean
What a fool I have been
My love is there in your eyes
My soul is bare in your eyes
If I could gaze in your eyes ever more
-it's the dream I live for-
You can open the door to love
Música: Andrei Konchalovsky
Letra e interpretação original: Keith Carradine
Fonte: All the lyrics
segunda-feira, outubro 18, 2004
Sei e não sei
domingo, outubro 17, 2004
Alternância democrática
Um dos objectivos da limitação de mandatos através da lei é justamente evitar que os abusos de poder e as redes de influências se tornem rotineiros e que o exercício do poder não se torne, na prática, um impedimento para a alternância democrática.
Hoje, Alberto João Jardim parte para o oitavo mandato, não fechando a porta a uma próxima candidatura... Este estado de coisas interessa ao PSD?
Se os partidos já impuseram quotas para mulheres nas suas listas, quando haverá coragem para se imporem limitações de candidaturas consecutivas para cargos de âmbito regional?
sábado, outubro 16, 2004
Orion
Comecei por conhecer esta constelação no livro "Um Pouco Mais de Azul", de Hubert Reeves. Reconheci-a depois no céu, num dia especial. Mais recentemente, o Hubble revelou com nitidez que, no punhal do caçador, nascem estrelas a partir de poeira...
Quando olho para o céu e vejo as Três Marias do cinturão de Orion, lembro-me especialmente de uma história antiga que ouvi: a história de um casal separado por milhares de quilómetros (ela em Portugal, ele em Moçambique, se bem me lembro) que combinaram olhar para Orion todos os dias a uma mesma hora, e pensarem, nesse instante, um no outro.
As estrelas, verdadeiras anciãs, são testemunhas dos nossos pequenos (grandes) nadas...
sexta-feira, outubro 15, 2004
A Charm Invests A Face
Imperfectly beheld.
The lady dare not lift her veil
For fear it be dispelled.
But peers beyond her mesh,
And wishes, and denies,
'Lest interview annul a want
That image satisfies.
(Emily Dickinson)
quinta-feira, outubro 14, 2004
Pedido de ajuda
Depois, a família do Manuel teve dificuldades financeiras e resolveu vender o cão a uma menina da cidade. Na cidade, o herói canino era muito bem tratado, mas não podia correr, porque quando o levavam a passear prendiam-no sempre por uma trela.
Em suma, é uma extraordinária e comovente alegoria sobre a liberdade. Conheci-a porque uma professora de Português de uma escola preparatória usava os últimos dez minutos de cada aula para deixar os alunos de olhos marejados de lágrimas e com o veneno da Literatura no sangue.
Quem conhece este livro?
terça-feira, outubro 12, 2004
Christopher Reeve (1952-2004)
Morreu um ícone. Vou lembrar-me dele em "Deathtrap", de Sidney Lumet. Há dez anos, um cavalo estúpido impediu que moças de vista fraca pudessem voltar a ser salvas pelos seus braços. Continuou, com a super-dignidade de quem não se rende à tragédia. Terminou agora o seu e o nosso sofrimento.
A sabedoria popular
mas
"quem espera... desespera"
e, no entanto,
"enquanto há vida, há esperança".
É assim a sabedoria do povo: contraditória. Como qualquer ser humano.
domingo, outubro 10, 2004
Ácidos e óxidos
E no entanto ia jurar que estive aqui
Não me dói nada, não. A tia como está?
Claro que vale a pena, por que não?
Sim, sou eu, devo sem dúvida ser eu
Podem contar comigo, eu tenho uma doutrina
Não é bonito o mar, as ondas, tudo isto?
Até já soube formas de o dizer de outra maneira
Há coisas importantes, umas mais que as outras
Basta limpar os pés alheios à entrada
e só mandarmos nós neste templo de nada
E o orgulho é a nossa verdadeira casa
Nesta altura do ano quando o vento sopra
sobre os nossos dias, sabes quem gostava de ser?
Não, cargos ou honras, não. Um simples gato ao sol,
talvez uma maneira ou um sentido para as coisas
Ó dias encobertos de verão no meu país perdido
mais certos do que o sol consumido nos charcos no inverno,
estas ou outras formas de morrermos dia a dia
como quem cumpre escrupulosamente o seu dia de trabalho
Não eras tu, nem isto, nem aqui. Mas está bem,
estou pelos ajustes porque sei que não há mais
Pode ser que me engane, pode ser que seja eu
e no entanto estou de pé, rebolo-me no sol,
sou filho desta terra e vou fazendo anos
pois não se pode estar sem fazer nada
Curriculum atestado testemunho opinião...
que importa, se o verão mesmo é uma certa estação?
Escolhe inscreve-te pertence, não concordas
que há cores mais bonitas do que outras?
Sou homem de palavra e hei-de cumprir tudo
hão-de encontrar coerência em cada gesto meu
Ser isto e não aquilo, amar perdidamente
alguém alguma coisa as cláusulas do pacto
Isto ou aquilo, ou ele ou eu, sem mais hesitações
Estar aqui no verão não é tomar uma atitude?
A mínima palavra não será como prestar
em certo tipo de papel qualquer declaração?
Há fórmulas, bem sei, e é preciso respeitá-las
como o gato que cumpre o seu devido sol
São horas, vamos lá, sorri, já as primeiras chuvas
levam ou lavam corpos caras
Sabemos que podemos bem contar contigo em tudo
Amanhã, neste lugar, sob este sol
e de aqui a um ano? Combinado
Não achas que a esplanada é uma pequena pátria
a que somos fiéis? Sentamo-nos aqui como quem nasce
Será verdade que não tens ninguém?
Onde é o teu refúgio, o sítio de silêncio
e sofrimento indivisível? É necessário
Vais assim. Falam de ti e ficas nas palavras
fixo, imóvel, dito para sempre, reduzido
a um número. Curriculum cadastro vizinhança
Acreditas no verão? Terás licença? Diz-me:
seria isto, nada mais que isto?
Tens um nome, bem sei. Se é ele que te reduz,
aí é o inferno e não achas saída
Precário, provisório é o teu nome
Lobos de sono atrás de ti nesses dez anos
que nunca conseguiste e muito menos hoje
Espingardas e uivos e regressos, um regaço
redondo - o único verdadeiro espaço, o
sabor de não estar só, natal antigo,
o sol de inverno sobre as águas, tudo novo,
a inspecção minuciosa de paúis, de cômoros, marachas
Viste noites e dias, estações, partidas
E tão terrível tudo, porque tudo
trazia no princípio o fim de tudo
A morte é a promessa: estar todo num lugar,
permanecer na transparência rápida do ser
E perguntar será para ti responder
Simples questão de tempo és e a certas circunstâncias de lugar
circunscreves o corpo. Sentas-te, levantas-te
e o sol bate por vezes nessa fronte aonde o pensamento
- que ao dominar-te deixa que domines - mora
Estás e nunca estás e o vento vem e vergas
e há também a chuva e por vezes molhas-te,
aceitas servidões quotidianas, vais de aqui para ali,
animas-te, esmoreces, há os outros, morres
Mas quando foi? Aonde te doía? Dividias-te
entre o fim do verão e a renda da casa
Que fica dos teus passos dados e perdidos?
Horário de trabalho, uma família, o telefone, a carta,
o riso que resulta de seres vítima de olhares
Que resto dás? Ou porventura deixas algum rasto?
E assim e assado sofro tanto tempo gasto
(Ruy Belo)
sábado, outubro 09, 2004
Le népenthès et la bonne ciguë
III
LE LÉTHÉ
Viens sur mon coeur, âme cruelle et sourde,
Tigre adoré, monstre aux airs indolents;
Je veux longtemps plonger mes doigts tremblants
Dans l'épaisseur de ta crinière lourde;
Dans tes jupons remplis de ton parfum
Ensevelir ma tête endolorie,
Et respirer, comme une fleur flétrie,
Le doux relent de mon amour défunt.
Je veux dormir! dormir plutôt que vivre!
Dans un sommeil aussi doux que la mort,
J'étalerai mes baisers sans remord
Sur ton beau corps poli comme le cuivre.
Pour engloutir mes sanglots apaisés
Rien ne me vaut l'abîme de ta couche;
L'oubli puissant habite sur ta bouche,
Et le Léthé coule dans tes baisers.
A mon destin, désormais mon délice,
J'obéirai comme un prédestiné;
Martyr docile, innocent condamné,
Dont la ferveur attise le supplice,
Je sucerai, pour noyer ma rancoeur,
Le népenthès et la bonne ciguë
Aux bouts charmants de cette gorge aiguë,
Qui n'a jamais emprisonné de coeur.
(Charles Baudelaire)
Literatura e Alephs
No tempo em que era muito ingénua, ou, pelo menos, muito mais ingénua do que agora, acreditava na superioridade da ficção sobre a realidade.
Por exemplo, como apreciar o melhor de um lugar desconhecido quando se tem apenas o olhar do turista? - pensava eu.
A "Fábula de Veneza", de Hugo Pratt, seria um exemplo perfeito para o meu ponto. Hugo Pratt investigou, viajou pelo mundo, mas Veneza era a sua cidade natal, e mostrou-a aos seus leitores com todos os seus segredos, os seus recantos, as suas personagens misteriosas.
Nesse livro, até a Lua em crescente é especial.
sexta-feira, outubro 08, 2004
O poder é perverso
(in "De Amor e de Sombra", Isabel Allende, Difel)
Queijos frescos
Imagem: Daggett's
Quando esta pastora está na cidade, faz queijos frescos com leite de vaca do dia comprado no supermercado. Usa coalho líquido comprado numa loja polivalente de província (na cidade também deve haver à venda, mas onde?). Ou, melhor ainda, "barbas" de cardos secas trazidas na bagagem. Aquece-se o leite, espera-se, e depois vai-se, com muita paciência, escorrendo a água que está a mais. Para substituir os quinchos, podem cortar-se garrafas de plástico de álcool etílico de farmácia.
Quando come queijo fresco, esta pastora quase é panteísta. (Pastora que se prezasse devia ser sempre panteísta, mas...) Fecha os olhos, e é feliz...
quinta-feira, outubro 07, 2004
quarta-feira, outubro 06, 2004
Monarquia: por que não
DONA MARIA, por graça de Deus, e pela Constituição da Monarquia, Rainha de Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além Mar em África, Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. Faço saber a todos os Meus Súbditos, que as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes Decretaram e Eu Aceitei e Jurei a seguinte
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA
DA
MONARQUIA PORTUGUESA
(...)
Artigo 3.º
A Religião do Estado é a Católica Apostólica Romana.
Artigo 4º
O Governo da Nação Portuguesa é Monárquico-hereditário e representativo.
Artigo 5º
A dinastia reinante é a da Sereníssima Casa de Bragança, continuada na Pessoa da Senhora Dona Maria II, actual Rainha dos Portugueses.
(...)
Artigo 34.º
Os poderes políticos são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Parágrafo 1º - O Poder Legislativo compete às Cortes com a Sanção do Rei.
Parágrafo 2º - O Executivo ao Rei, que o exerce pelos Ministros e Secretários de Estado.
(...)
Artigo 71.º
A nomeação dos Senadores e Deputados é feita por eleição directa.
Artigo 72.º
Têm direito de votar nestas eleições todos os cidadãos portugueses que estiverem no gozo dos seus direitos civis e políticos, que tiverem vinte e cinco anos de idade, e uma renda líquida anual de oitenta mil réis proveniente de bens de raiz, comércio, capitais, indústria ou emprego.
Parágrafo único - Por indústria se entende tanto a das artes liberais como a das fabris.
Artigo 73.º
São excluídos de votar:
I - Os menores de vinte e cinco anos: o que não compreende os Oficiais do Exército e Armada de vinte e um anos; os casados da mesma idade, e os Bacharéis formados, e Clérigos de Ordens Sacras;
II - Os Criados de servir: nos quais não se compreendem os guarda-livros e caixeiros que por seus ordenados tiverem a renda anual de oitenta mil réis, os criados da Casa Real que não forem de galão brando, e os Administradores de Fazenda rurais e Fábricas;
III - Os libertos;
IV - Os pronunciados pelo Júri;
V - Os falidos, enquanto não forem julgados de boa fé.
Artigo 74.º
São hábeis para ser eleitos Deputados todos os que podem votar, e tiverem de renda anual quatrocentos mil réis, provenientes das mesmas fontes declaradas no Artigo 72.º.
(...)
Artigo 77.º
Só podem ser Eleitos Senadores os que tiverem trinta e cinco anos de idade, e estiverem compreendidos em alguma das seguintes categorias:
I - Os proprietários que tiverem de renda anual dois contos de réis;
II - Os comerciantes e fabricantes, cujos lucros anuais forem avaliados em quatro contos de réis;
III - Os Arcebispos e Bispos com Diocese no Reino e Províncias Ultramarinas;
IV - Os Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça;
V - Os Lentes de Prima da Universidade de Coimbra, o Lente mais antigo da Escola Politécnica de Lisboa, e o da Academia Politécnica do Porto;
VI - Os Marechais do Exército, Tenentes-Generais e Marechais de Campo;
VII - Os Almirantes, Vice-Almirantes e Chefes de Esquadra;
VIII - Os Embaixadores e os Enviados Extraordinários Ministros Plenipotenciários, com cinco anos de exercício na carreira diplomática.
Artigo 78.º
Os elegíveis para Senadores podem ser Eleitos por qualquer Círculo Eleitoral, posto que nele não residam nem tenham naturalidade.
(...)
Artigo 85.º
A pessoa do Rei é inviolável e sagrada; e não está sujeita a responsabilidade alguma.
(...)
Artigo 99.º
Se a sucessão da Coroa recair em fêmea, não poderá esta casar senão com Português, precedendo aprovação das Cortes. (...)
(...)
Artigo 109.º
Nem a Regência nem o Regente são responsáveis.
(...)
Paço das Cortes, em quatro de Abril de mil oitocentos trinta e oito. - MARIA SEGUNDA, RAINHA com guarda.
(...)
(in "As Constituições Portuguesas", Jorge Miranda, Livraria Petrony, Lisboa, 1976)
terça-feira, outubro 05, 2004
Pedido de ajuda
Alguém pode dar uma luz sobre o que se passa?
«Solução informática está errada»
[Notícia completa no Diário de Notícias de hoje]
Como poderão os professores não colocados ou prejudicados na sua colocação provar em tribunal que foram prejudicados?
Como é possível ignorar a falta de informação técnica do legislador - que estava obrigado a obtê-la?
De que serve uma lei que não pode ser aplicada?
segunda-feira, outubro 04, 2004
Música celestial
Quem disse que os "populares" não aderem à "cultura"?
domingo, outubro 03, 2004
O poder crescente dos psicólogos
O tema da adopção de crianças por casais homossexuais está de novo a ser debatido em Espanha, depois de ter sido aprovado um projecto de lei que permite não só o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo mas também o direito de adopção. Dois estudos de 2002, um da Academia Americana de Pediatria e outro do Colégio Oficial de Psicólogos de Madrid pronunciaram-se a favor. Mas, mesmo assim, há pediatras que se opõem à aprovação desta medida.
«O importante de um lugar não é a sua forma exterior, se está construído em pedra ou em madeira. O mais importante, realmente, é que sirva para as funções de protecção que deve exercer», conclui o estudo do Colégio de Psicólogos. Neste, os peritos analisaram as dinâmicas familiares de 28 famílias «homoparentais» e encontraram «níveis elevados de afecto e comunicação e níveis geralmente baixos de conflito».
As vozes contra não põem em causa o amor e carinho com que os homossexuais podem educar uma criança. Mas defendem: «Para a identificação e maturação da sua personalidade precisam de um modelo feminino e masculino, diferenciado anatómica e psiquicamente.»
[Diário de Notícias de hoje]
Agora as vozes contra são anónimas, mas citadas... Que credibilidade podem ter em comparação com a dos outros "peritos"? Ah, estes jornalistas...
sábado, outubro 02, 2004
¿Quién muere?
quien se transforma en esclavo del hábito,
repitiendo todos los días los mismos trayectos,
quien no cambia de marca.
No arriesga vestir un color nuevo y no le habla a quien no conoce.
Muere lentamente
quien hace de la televisión su gurú.
Muere lentamente
quien evita una pasión,
quien prefiere el negro sobre blanco
y los puntos sobre las "íes" a un remolino de emociones,
justamente las que rescatan el brillo de los ojos,
sonrisas de los bostezos,
corazones a los tropiezos y sentimientos.
Muere lentamente
quien no voltea la mesa cuando está infeliz en el trabajo,
quien no arriesga lo cierto por lo incierto para ir detrás de un sueño,
quien no se permite por lo menos una vez en la vida,
huir de los consejos sensatos.
Muere lentamente
quien no viaja,
quien no lee,
quien no oye música,
quien no encuentra gracia en si mismo.
Muere lentamente
quien destruye su amor propio,
quien no se deja ayudar.
Muere lentamente,
quien pasa los días quejándose de su mala suerte
o de la lluvia incesante.
Muere lentamente,
quien abandona un proyecto antes de iniciarlo,
no preguntando de un asunto que desconoce o
no respondiendo cuando le indagan sobre algo que sabe.
Evitemos la muerte en suaves cuotas,
recordando siempre que estar vivo exige un esfuerzo mucho mayor
que el simple hecho de respirar.
Solamente la ardiente paciencia hará que conquistemos
una espléndida felicidad.
(Pablo Neruda)
sexta-feira, outubro 01, 2004
Ovo de Colombo?
Se era um problema complexo, como é que esse senhor resolveu tudo de forma simples, sabendo que ia ter que passar por cima da lei e gerar imensas injustiças, com consequentes reclamações inúteis?
Brinca-se com a vida de milhares de pessoas de uma forma incrivelmente ligeira, não é?