segunda-feira, dezembro 31, 2007
sábado, dezembro 01, 2007
terça-feira, outubro 23, 2007
Registo
Ainda sobre as afirmações muito preconceituosas e pouco científicas de James Watson:
José Amarante, Lutz Brückelmann e Rui Tavares.
José Amarante, Lutz Brückelmann e Rui Tavares.
segunda-feira, outubro 22, 2007
quinta-feira, outubro 18, 2007
terça-feira, setembro 25, 2007
terça-feira, setembro 18, 2007
Song of the Open Road
17
Allons! the road is before us!
It is safe—I have tried it—my own feet have tried it well.
Allons! be not detain’d!
Let the paper remain on the desk unwritten, and the book on the shelf unopen’d!
Let the tools remain in the workshop! let the money remain unearn’d!
Let the school stand! mind not the cry of the teacher!
Let the preacher preach in his pulpit! let the lawyer plead in the court, and the judge expound the law.
Mon enfant! I give you my hand!
I give you my love, more precious than money,
I give you myself, before preaching or law;
Will you give me yourself? will you come travel with me?
Shall we stick by each other as long as we live?
(Walt Whitman)
Allons! the road is before us!
It is safe—I have tried it—my own feet have tried it well.
Allons! be not detain’d!
Let the paper remain on the desk unwritten, and the book on the shelf unopen’d!
Let the tools remain in the workshop! let the money remain unearn’d!
Let the school stand! mind not the cry of the teacher!
Let the preacher preach in his pulpit! let the lawyer plead in the court, and the judge expound the law.
Mon enfant! I give you my hand!
I give you my love, more precious than money,
I give you myself, before preaching or law;
Will you give me yourself? will you come travel with me?
Shall we stick by each other as long as we live?
(Walt Whitman)
domingo, setembro 09, 2007
sábado, setembro 01, 2007
Song of the Open Road
16
Allons! through struggles and wars!
The goal that was named cannot be countermanded.
Have the past struggles succeeded?
What has succeeded? yourself? your nation? nature?
Now understand me well—It is provided in the essence of things, that from any fruition of success, no matter what, shall come forth something to make a greater struggle necessary.
My call is the call of battle—I nourish active rebellion;
He going with me must go well arm’d;
He going with me goes often with spare diet, poverty, angry enemies, desertions.
(Walt Whitman)
Allons! through struggles and wars!
The goal that was named cannot be countermanded.
Have the past struggles succeeded?
What has succeeded? yourself? your nation? nature?
Now understand me well—It is provided in the essence of things, that from any fruition of success, no matter what, shall come forth something to make a greater struggle necessary.
My call is the call of battle—I nourish active rebellion;
He going with me must go well arm’d;
He going with me goes often with spare diet, poverty, angry enemies, desertions.
(Walt Whitman)
quarta-feira, agosto 29, 2007
Song of the Open Road
15
Allons! whoever you are! come forth!
You must not stay sleeping and dallying there in the house, though you built it, or though it has been built for you.
Allons! out of the dark confinement!
It is useless to protest—I know all, and expose it.
Behold, through you as bad as the rest,
Through the laughter, dancing, dining, supping, of people,
Inside of dresses and ornaments, inside of those wash’d and trimm’d faces,
Behold a secret silent loathing and despair.
No husband, no wife, no friend, trusted to hear the confession;
Another self, a duplicate of every one, skulking and hiding it goes,
Formless and wordless through the streets of the cities, polite and bland in the parlors,
In the cars of rail-roads, in steamboats, in the public assembly,
Home to the houses of men and women, at the table, in the bed-room, everywhere,
Smartly attired, countenance smiling, form upright, death under the breast-bones, hell under the skull-bones,
Under the broadcloth and gloves, under the ribbons and artificial flowers,
Keeping fair with the customs, speaking not a syllable of itself,
Speaking of anything else, but never of itself.
(Walt Whitman)
Allons! whoever you are! come forth!
You must not stay sleeping and dallying there in the house, though you built it, or though it has been built for you.
Allons! out of the dark confinement!
It is useless to protest—I know all, and expose it.
Behold, through you as bad as the rest,
Through the laughter, dancing, dining, supping, of people,
Inside of dresses and ornaments, inside of those wash’d and trimm’d faces,
Behold a secret silent loathing and despair.
No husband, no wife, no friend, trusted to hear the confession;
Another self, a duplicate of every one, skulking and hiding it goes,
Formless and wordless through the streets of the cities, polite and bland in the parlors,
In the cars of rail-roads, in steamboats, in the public assembly,
Home to the houses of men and women, at the table, in the bed-room, everywhere,
Smartly attired, countenance smiling, form upright, death under the breast-bones, hell under the skull-bones,
Under the broadcloth and gloves, under the ribbons and artificial flowers,
Keeping fair with the customs, speaking not a syllable of itself,
Speaking of anything else, but never of itself.
(Walt Whitman)
Dúvidas
1. "Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo..."
"Os seres humanos são intrinsecamente maus". Quem pode acreditar em tal coisa? O que é que isso diria de quem acredita? Dos seus familiares? Dos amigos? (Amigos?) Ou haveria alguns (auto-intitulados?) que seriam moralmente superiores?
2. Numa meritocracia, quem não tem talento tem de distinguir-se pelo esforço. Mas, e se todo o esforço do mundo não bastar?
"Os seres humanos são intrinsecamente maus". Quem pode acreditar em tal coisa? O que é que isso diria de quem acredita? Dos seus familiares? Dos amigos? (Amigos?) Ou haveria alguns (auto-intitulados?) que seriam moralmente superiores?
2. Numa meritocracia, quem não tem talento tem de distinguir-se pelo esforço. Mas, e se todo o esforço do mundo não bastar?
sábado, agosto 25, 2007
(Pen)Última crónica de Eduardo Prado Coelho
Comício de Verão
sexta-feira, 24 de Agosto de 2007
No seu habitual comício de Verão do PSD/Madeira, lá tivemos Alberto João Jardim a vociferar com a habitual virulência e desfaçatez. Conseguisse ele imaginar o que a esmagadora maioria dos portugueses do continente pensa destas vistosas performances e talvez não exibisse tamanha arrogância. Mas não consegue, e, por isso, fica ali, naquele estardalhaço ensolarado, a vacilar entre o ridículo e o patético.
Para o ilustre presidente do PSD da Madeira, o alvo, desta vez, foram as chamadas "causas fracturantes", que é o nome algo abusivo que foi atribuído aos temas que se ocupam de aspectos importantes da vida quotidiana das pessoas. Que um banco recuse um empréstimo a duas mulheres que vivem juntas, considerando que a situação de lésbicas não lhes permite qualquer solicitação nesse sentido, é algo que afecta o dia a dia de cada uma. E esses são problemas que não podem ser ignorados. Sobretudo com aquele inevitável argumento de que há assuntos muito mais importantes, como o desemprego ou as leis do trabalho (esta é a lengalenga habitual do PCP, que não tem particular simpatia por "temas fracturantes", embora, às vezes, lá alinhe).
Que disse, então, Alberto João Jardim? Numa alusão à lei sobre a despenalização do aborto, declarou, segundo os hábitos enraizados do conservadorismo nesta matéria, que, "quando se fazem leis contra a vida humana, é um precedente que não podemos consentir para depois fazerem outros direitos ou se ofenderem outros direitos das pessoas em nome do Estado absoluto". Não vamos discutir. Mas Jardim parece não ter entendido que a lei sobre a despenalização do aborto em determinadas circunstâncias é uma lei que aumenta a liberdade das pessoas, porque não obriga ninguém a fazer abortos, mas permite que quem quiser os faça e quem não quiser não faça. Falar em "Estado absoluto" é um contra-senso.
E falou sobre homossexuais. Para dizer que "querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que nós, portugueses, a nossa alma nacional, temos desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram". Cá temos o modelo perfeito do pensamento reaccionário: vai-se buscar um princípio suposto intocável, neste caso a "alma nacional" (Jardim ignora que "a alma é um vício", como genialmente escreveu Agustina), para interditar qualquer debate racional e ponderado sobre estas matérias, e não se aceitar a pluralidade de posições.
Do berço não me recordo bem, mas lembro-me que os meus pais, felizmente, nunca me ensinaram estas coisas, bem pelo contrário, embora sempre permitindo que eu viesse a pensar o que achasse mais certo. E nada me leva a suspeitar que não fossem portugueses, que não fizessem parte deste demagógico "nós, portugueses" a que Jardim recorre. Os pais da minha mãe moravam na Rua do Noronha, por detrás da Imprensa Nacional, e os do meu pai na Correia Telles a Campo de Ourique. Terão sido menos portugueses por não pensarem o que pensa Alberto João Jardim? Como dizia Pacheco Pereira, se Jardim berrasse menos e pensasse mais...
sexta-feira, 24 de Agosto de 2007
No seu habitual comício de Verão do PSD/Madeira, lá tivemos Alberto João Jardim a vociferar com a habitual virulência e desfaçatez. Conseguisse ele imaginar o que a esmagadora maioria dos portugueses do continente pensa destas vistosas performances e talvez não exibisse tamanha arrogância. Mas não consegue, e, por isso, fica ali, naquele estardalhaço ensolarado, a vacilar entre o ridículo e o patético.
Para o ilustre presidente do PSD da Madeira, o alvo, desta vez, foram as chamadas "causas fracturantes", que é o nome algo abusivo que foi atribuído aos temas que se ocupam de aspectos importantes da vida quotidiana das pessoas. Que um banco recuse um empréstimo a duas mulheres que vivem juntas, considerando que a situação de lésbicas não lhes permite qualquer solicitação nesse sentido, é algo que afecta o dia a dia de cada uma. E esses são problemas que não podem ser ignorados. Sobretudo com aquele inevitável argumento de que há assuntos muito mais importantes, como o desemprego ou as leis do trabalho (esta é a lengalenga habitual do PCP, que não tem particular simpatia por "temas fracturantes", embora, às vezes, lá alinhe).
Que disse, então, Alberto João Jardim? Numa alusão à lei sobre a despenalização do aborto, declarou, segundo os hábitos enraizados do conservadorismo nesta matéria, que, "quando se fazem leis contra a vida humana, é um precedente que não podemos consentir para depois fazerem outros direitos ou se ofenderem outros direitos das pessoas em nome do Estado absoluto". Não vamos discutir. Mas Jardim parece não ter entendido que a lei sobre a despenalização do aborto em determinadas circunstâncias é uma lei que aumenta a liberdade das pessoas, porque não obriga ninguém a fazer abortos, mas permite que quem quiser os faça e quem não quiser não faça. Falar em "Estado absoluto" é um contra-senso.
E falou sobre homossexuais. Para dizer que "querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que nós, portugueses, a nossa alma nacional, temos desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram". Cá temos o modelo perfeito do pensamento reaccionário: vai-se buscar um princípio suposto intocável, neste caso a "alma nacional" (Jardim ignora que "a alma é um vício", como genialmente escreveu Agustina), para interditar qualquer debate racional e ponderado sobre estas matérias, e não se aceitar a pluralidade de posições.
Do berço não me recordo bem, mas lembro-me que os meus pais, felizmente, nunca me ensinaram estas coisas, bem pelo contrário, embora sempre permitindo que eu viesse a pensar o que achasse mais certo. E nada me leva a suspeitar que não fossem portugueses, que não fizessem parte deste demagógico "nós, portugueses" a que Jardim recorre. Os pais da minha mãe moravam na Rua do Noronha, por detrás da Imprensa Nacional, e os do meu pai na Correia Telles a Campo de Ourique. Terão sido menos portugueses por não pensarem o que pensa Alberto João Jardim? Como dizia Pacheco Pereira, se Jardim berrasse menos e pensasse mais...
quinta-feira, agosto 23, 2007
Terminator?
Ou "T-Gurt"?! Valha-me Deus em que não creio!
E será que os senhores deputados-que-param-o-parlamento-para-ir-ver-futebóis passariam num exame elementar sobre o que aprovaram? Ou temos só, para nos defender de alergias surpresa, a FDA? E quem nos protege da diminuição da diversidade biológica entre as espécies que comemos?
(ligações via Wikipedia)
E será que os senhores deputados-que-param-o-parlamento-para-ir-ver-futebóis passariam num exame elementar sobre o que aprovaram? Ou temos só, para nos defender de alergias surpresa, a FDA? E quem nos protege da diminuição da diversidade biológica entre as espécies que comemos?
(ligações via Wikipedia)
propriedade privada
Um dos textos mais interessantes que li sobre o direito à propriedade privada foi escrito por Rousseau, no "Emílio". (E se alguma alma bondosa passasse por aqui e gentilmente me arranjasse uma transcrição? Parece-me que transcrever autores cuja influência dura séculos pode ser um exercício edificante...) Ele baseia esse direito no trabalho agrícola, embora se possa pensar que, antes do Neolítico, as pedras lascadas e pontas de lança (e frutos e raízes armazenados nas cavernas) já tenham tido donos. (continua)
terça-feira, agosto 21, 2007
leituras vermelhas de verão
Maria do Bote, que não pregara olho desde que o marido se levantara, receosa de chegar tarde aos teares fechou a porta aos filhos tamaninhos e saiu com Deolinda. «Se tivesse o despertador...» Voltou à ideia grata, a mesma de sempre, quando o marido saía com estrelas, ou o corpo moído lhe pedia repouso. «Mas desta vez não ficaria na rua, a rondar a montra do Costa Ourives...»
Engolido na taberna o trago de aguardente, os descarregadores vieram-se chegando para o cais. Traziam ainda os olhos saudosos da cama; das bocas, silenciosas, saíam-lhes baforadas de álcool; e as sacas do trabalho pendiam-lhes das mãos. Pareciam cansados. Mas, quando a sereia fez a última chamada, distenderam logo os músculos, agigantaram-se. Ai de quem não tivesse passo ligeiro sob a saca de cem quilos! Que o vaivém não parava - não podia parar - do celeiro para os barcos, dos barcos para o celeiro.
O Boa Sorte foi dos primeiros que meteu carga. Os homens de terra e mar iam fazendo prodígios de equilíbrio sobre a prancha e aliviavam as costas na amurada.
- Olá, Gineto...
Saudavam o filho do Manuel do Bote, que no fundo do barco se esfalfava na arrumação do trigo.
- Já não há uvas?...
Os homens de terra e mar chalaceavam e riam; ainda tinham risos e chalaças. Só o novo camarada do Boa Sorte perdera tudo, até as forças. Ele, que era um homem valente como os cow-boys, não mexia uma saca tombada. Arquejante e suado, mordia os beiços, mas não chorava.
- Aí, seu teso! - comentava o pai do Malesso.
- Custa mais qu'assubir às árvores, não?...
As falas dos homens é que o retinham ali, mais do que as vistas do pai. Duas vezes esboçara a fuga - e desistira. Fincava-se no orgulho de homem perante homens. E mordia os beiços. E a caverna do bote não tinha fundo...
- É com'a pança do patrão - comentou alguém.
Agora, as chalaças rareavam, e as forças também. Dos peitos oprimidos, já os bafos não tresandavam a álcool, porque o suor escorria do cais.
- Vamos co'isso! É andar...
Mas os homens de terra e mar eram homens como os mais.
- Leva tempo, o malvado...
E, como aquele, muitos outros esperavam, hiantes, a carga preciosa.
Soeiro Pereira Gomes, "Esteiros"
*
Não será a grande Literatura, este neo-realismo português; não temos um Steinbeck, mas, ainda assim, nas tiradas a puxar ao sentimento, não se pode dizer que é só ficção. Quase todos os analfabetos portugueses são gente a quem foi roubada a infância.
Engolido na taberna o trago de aguardente, os descarregadores vieram-se chegando para o cais. Traziam ainda os olhos saudosos da cama; das bocas, silenciosas, saíam-lhes baforadas de álcool; e as sacas do trabalho pendiam-lhes das mãos. Pareciam cansados. Mas, quando a sereia fez a última chamada, distenderam logo os músculos, agigantaram-se. Ai de quem não tivesse passo ligeiro sob a saca de cem quilos! Que o vaivém não parava - não podia parar - do celeiro para os barcos, dos barcos para o celeiro.
O Boa Sorte foi dos primeiros que meteu carga. Os homens de terra e mar iam fazendo prodígios de equilíbrio sobre a prancha e aliviavam as costas na amurada.
- Olá, Gineto...
Saudavam o filho do Manuel do Bote, que no fundo do barco se esfalfava na arrumação do trigo.
- Já não há uvas?...
Os homens de terra e mar chalaceavam e riam; ainda tinham risos e chalaças. Só o novo camarada do Boa Sorte perdera tudo, até as forças. Ele, que era um homem valente como os cow-boys, não mexia uma saca tombada. Arquejante e suado, mordia os beiços, mas não chorava.
- Aí, seu teso! - comentava o pai do Malesso.
- Custa mais qu'assubir às árvores, não?...
As falas dos homens é que o retinham ali, mais do que as vistas do pai. Duas vezes esboçara a fuga - e desistira. Fincava-se no orgulho de homem perante homens. E mordia os beiços. E a caverna do bote não tinha fundo...
- É com'a pança do patrão - comentou alguém.
Agora, as chalaças rareavam, e as forças também. Dos peitos oprimidos, já os bafos não tresandavam a álcool, porque o suor escorria do cais.
- Vamos co'isso! É andar...
Mas os homens de terra e mar eram homens como os mais.
- Leva tempo, o malvado...
E, como aquele, muitos outros esperavam, hiantes, a carga preciosa.
Soeiro Pereira Gomes, "Esteiros"
*
Não será a grande Literatura, este neo-realismo português; não temos um Steinbeck, mas, ainda assim, nas tiradas a puxar ao sentimento, não se pode dizer que é só ficção. Quase todos os analfabetos portugueses são gente a quem foi roubada a infância.
sábado, agosto 04, 2007
Song of the Open Road
14
The Soul travels;
The body does not travel as much as the soul;
The body has just as great a work as the soul, and parts away at last for the journeys of the soul.
All parts away for the progress of souls;
All religion, all solid things, arts, governments,—all that was or is apparent upon this globe or any globe, falls into niches and corners before the procession of Souls along the grand roads of the universe.
Of the progress of the souls of men and women along the grand roads of the universe, all other progress is the needed emblem and sustenance.
Forever alive, forever forward,
Stately, solemn, sad, withdrawn, baffled, mad, turbulent, feeble, dissatisfied,
Desperate, proud, fond, sick, accepted by men, rejected by men,
They go! they go! I know that they go, but I know not where they go;
But I know that they go toward the best—toward something great.
(Walt Whitman)
The Soul travels;
The body does not travel as much as the soul;
The body has just as great a work as the soul, and parts away at last for the journeys of the soul.
All parts away for the progress of souls;
All religion, all solid things, arts, governments,—all that was or is apparent upon this globe or any globe, falls into niches and corners before the procession of Souls along the grand roads of the universe.
Of the progress of the souls of men and women along the grand roads of the universe, all other progress is the needed emblem and sustenance.
Forever alive, forever forward,
Stately, solemn, sad, withdrawn, baffled, mad, turbulent, feeble, dissatisfied,
Desperate, proud, fond, sick, accepted by men, rejected by men,
They go! they go! I know that they go, but I know not where they go;
But I know that they go toward the best—toward something great.
(Walt Whitman)
sábado, julho 07, 2007
Song of the Open Road
13
Allons! to that which is endless, as it was beginningless,
To undergo much, tramps of days, rests of nights,
To merge all in the travel they tend to, and the days and nights they tend to,
Again to merge them in the start of superior journeys;
To see nothing anywhere but what you may reach it and pass it,
To conceive no time, however distant, but what you may reach it and pass it,
To look up or down no road but it stretches and waits for you—however long, but it stretches and waits for you;
To see no being, not God’s or any, but you also go thither,
To see no possession but you may possess it—enjoying all without labor or purchase—abstracting the feast, yet not abstracting one particle of it;
To take the best of the farmer’s farm and the rich man’s elegant villa, and the chaste blessings of the well-married couple, and the fruits of orchards and flowers of gardens,
To take to your use out of the compact cities as you pass through,
To carry buildings and streets with you afterward wherever you go,
To gather the minds of men out of their brains as you encounter them—to gather the love out of their hearts,
To take your lovers on the road with you, for all that you leave them behind you,
To know the universe itself as a road—as many roads—as roads for traveling souls.
(Walt Whitman)
Allons! to that which is endless, as it was beginningless,
To undergo much, tramps of days, rests of nights,
To merge all in the travel they tend to, and the days and nights they tend to,
Again to merge them in the start of superior journeys;
To see nothing anywhere but what you may reach it and pass it,
To conceive no time, however distant, but what you may reach it and pass it,
To look up or down no road but it stretches and waits for you—however long, but it stretches and waits for you;
To see no being, not God’s or any, but you also go thither,
To see no possession but you may possess it—enjoying all without labor or purchase—abstracting the feast, yet not abstracting one particle of it;
To take the best of the farmer’s farm and the rich man’s elegant villa, and the chaste blessings of the well-married couple, and the fruits of orchards and flowers of gardens,
To take to your use out of the compact cities as you pass through,
To carry buildings and streets with you afterward wherever you go,
To gather the minds of men out of their brains as you encounter them—to gather the love out of their hearts,
To take your lovers on the road with you, for all that you leave them behind you,
To know the universe itself as a road—as many roads—as roads for traveling souls.
(Walt Whitman)
domingo, julho 01, 2007
Song of the Open Road
12
Allons! after the GREAT COMPANIONS! and to belong to them!
They too are on the road! they are the swift and majestic men; they are the greatest women.
Over that which hinder’d them—over that which retarded—passing impediments large or small,
Committers of crimes, committers of many beautiful virtues,
Enjoyers of calms of seas, and storms of seas,
Sailors of many a ship, walkers of many a mile of land,
Habitués of many distant countries, habitués of far-distant dwellings,
Trusters of men and women, observers of cities, solitary toilers,
Pausers and contemplators of tufts, blossoms, shells of the shore,
Dancers at wedding-dances, kissers of brides, tender helpers of children, bearers of children,
Soldiers of revolts, standers by gaping graves, lowerers down of coffins,
Journeyers over consecutive seasons, over the years—the curious years, each emerging from that which preceded it,
Journeyers as with companions, namely, their own diverse phases,
Forth-steppers from the latent unrealized baby-days,
Journeyers gayly with their own youth—Journeyers with their bearded and well-grain’d manhood,
Journeyers with their womanhood, ample, unsurpass’d, content,
Journeyers with their own sublime old age of manhood or womanhood,
Old age, calm, expanded, broad with the haughty breadth of the universe,
Old age, flowing free with the delicious near-by freedom of death.
(Walt Whitman)
Allons! after the GREAT COMPANIONS! and to belong to them!
They too are on the road! they are the swift and majestic men; they are the greatest women.
Over that which hinder’d them—over that which retarded—passing impediments large or small,
Committers of crimes, committers of many beautiful virtues,
Enjoyers of calms of seas, and storms of seas,
Sailors of many a ship, walkers of many a mile of land,
Habitués of many distant countries, habitués of far-distant dwellings,
Trusters of men and women, observers of cities, solitary toilers,
Pausers and contemplators of tufts, blossoms, shells of the shore,
Dancers at wedding-dances, kissers of brides, tender helpers of children, bearers of children,
Soldiers of revolts, standers by gaping graves, lowerers down of coffins,
Journeyers over consecutive seasons, over the years—the curious years, each emerging from that which preceded it,
Journeyers as with companions, namely, their own diverse phases,
Forth-steppers from the latent unrealized baby-days,
Journeyers gayly with their own youth—Journeyers with their bearded and well-grain’d manhood,
Journeyers with their womanhood, ample, unsurpass’d, content,
Journeyers with their own sublime old age of manhood or womanhood,
Old age, calm, expanded, broad with the haughty breadth of the universe,
Old age, flowing free with the delicious near-by freedom of death.
(Walt Whitman)
"Confesso que vivi."
Quando nos apropriamos da frase de Neruda, quer dizer que estamos preparados para partir?
Desencanto
Numa democracia amadurecida, resta como causa nobre a defesa das minorias? A maioria está suficientemente defendida do populismo brando?
Assiste-se permanentemente ao ataque de direitos que foram conquistas de décadas. Agora, até o direito a estar doente e a ter filhos sem ser prejudicado por isso. A partir de um bom múltiplo do salário mínimo, isso deixa de fazer diferença, não é? E quem paga campanhas eleitorais agradece.
Quem tem acesso aos media parece não conhecer nem respeitar quem quer que seja que alguma vez tenha feito greve. Spoilt brats! Parece que Spartakus terá de nascer e morrer mil vezes. Entretanto, o circo continua.
Temos o que merecemos? Em democracia, todos têm o que merecem?
Assiste-se permanentemente ao ataque de direitos que foram conquistas de décadas. Agora, até o direito a estar doente e a ter filhos sem ser prejudicado por isso. A partir de um bom múltiplo do salário mínimo, isso deixa de fazer diferença, não é? E quem paga campanhas eleitorais agradece.
Quem tem acesso aos media parece não conhecer nem respeitar quem quer que seja que alguma vez tenha feito greve. Spoilt brats! Parece que Spartakus terá de nascer e morrer mil vezes. Entretanto, o circo continua.
Temos o que merecemos? Em democracia, todos têm o que merecem?
Anatomia de um post inexistente
Sintonia: pensa-se num tema, que talvez se desenvolva num post, e descobre-se que alguém escreveu sobre esse tema, num outro blog e melhor do que teríamos escrito. Interrogamo-nos sobre se terá sido notado, ou se vai perder-se como se perderia na efemeridade do papel de jornal ou como um livro entre milhares numa biblioteca.
Afinal, que será feito deste suporte chamado Blogger, daque a alguns anos? O que fazer com o excesso de informação? (E o que fazer com a suspeita de que o melhor que leríamos pode estar escrito em línguas não traduzidas?)
Afinal, que será feito deste suporte chamado Blogger, daque a alguns anos? O que fazer com o excesso de informação? (E o que fazer com a suspeita de que o melhor que leríamos pode estar escrito em línguas não traduzidas?)
sábado, junho 30, 2007
Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Nm baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar....
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
.........................................
.........................................
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(Mário de Sá Carneiro)
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Nm baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar....
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(Mário de Sá Carneiro)
domingo, junho 17, 2007
Song of the Open Road
11
Listen! I will be honest with you;
I do not offer the old smooth prizes, but offer rough new prizes;
These are the days that must happen to you:
You shall not heap up what is call’d riches,
You shall scatter with lavish hand all that you earn or achieve,
You but arrive at the city to which you were destin’d—you hardly settle yourself to satisfaction, before you are call’d by an irresistible call to depart,
You shall be treated to the ironical smiles and mockings of those who remain behind you;
What beckonings of love you receive, you shall only answer with passionate kisses of parting,
You shall not allow the hold of those who spread their reach’d hands toward you.
(Walt Whitman)
Listen! I will be honest with you;
I do not offer the old smooth prizes, but offer rough new prizes;
These are the days that must happen to you:
You shall not heap up what is call’d riches,
You shall scatter with lavish hand all that you earn or achieve,
You but arrive at the city to which you were destin’d—you hardly settle yourself to satisfaction, before you are call’d by an irresistible call to depart,
You shall be treated to the ironical smiles and mockings of those who remain behind you;
What beckonings of love you receive, you shall only answer with passionate kisses of parting,
You shall not allow the hold of those who spread their reach’d hands toward you.
(Walt Whitman)
Bicicleta islâmica?
"How sex-obsessed is a culture that teaches a woman that she is basically a walking, sitting or reclining set of genitals? How over-aroused is a society in which men are expected to have no qualms about throwing themselves on any woman who happens to walk by, unless a powerful signal, in the form of a divinely ordained dress code, forbids them to do so?" (comentário encontrado aqui)
sábado, junho 16, 2007
Ofício de amar
já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso
um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo
(Al Berto)
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso
um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo
(Al Berto)
domingo, junho 10, 2007
C.
Uma "natural woman" (ou quase).
Esta é também uma entrada contra o "efeito Sotinco"©. Também acho que o excesso de maquilhagem esconde o que é bonito, realça o que é feio e só é indispensável àquelas personagens a que os brasileiros chamam as "pIruaS".
(Um bom fotógrafo não deixa de ajudar bastante...)
Song of the Open Road
10
Allons! the inducements shall be greater;
We will sail pathless and wild seas;
We will go where winds blow, waves dash, and the Yankee clipper speeds by under full sail.
Allons! with power, liberty, the earth, the elements!
Health, defiance, gayety, self-esteem, curiosity;
Allons! from all formules!
From your formules, O bat-eyed and materialistic priests!
The stale cadaver blocks up the passage—the burial waits no longer.
Allons! yet take warning!
He traveling with me needs the best blood, thews, endurance;
None may come to the trial, till he or she bring courage and health.
Come not here if you have already spent the best of yourself;
Only those may come, who come in sweet and determin’d bodies;
No diseas’d person—no rum-drinker or venereal taint is permitted here.
I and mine do not convince by arguments, similes, rhymes;
We convince by our presence.
(Walt Whitman)
Allons! the inducements shall be greater;
We will sail pathless and wild seas;
We will go where winds blow, waves dash, and the Yankee clipper speeds by under full sail.
Allons! with power, liberty, the earth, the elements!
Health, defiance, gayety, self-esteem, curiosity;
Allons! from all formules!
From your formules, O bat-eyed and materialistic priests!
The stale cadaver blocks up the passage—the burial waits no longer.
Allons! yet take warning!
He traveling with me needs the best blood, thews, endurance;
None may come to the trial, till he or she bring courage and health.
Come not here if you have already spent the best of yourself;
Only those may come, who come in sweet and determin’d bodies;
No diseas’d person—no rum-drinker or venereal taint is permitted here.
I and mine do not convince by arguments, similes, rhymes;
We convince by our presence.
(Walt Whitman)
Humanos
Não me espantaria se alguém me dissesse que o maior exemplo que tem de fidelidade vem de um cão ou que o animal mais sensual que conhece é um gato. Mas qual é a única espécie que olha para as estrelas e que produz arte? E que, mesmo de modo imperfeito, concebe, por exemplo, a escala de desenvolvimento moral de Kohlberg?
sábado, junho 09, 2007
Assustador
Não acham assustador estar a escrever um mail sobre um assunto, no Gmail, e ao fim de alguns segundos ter publicidade ao lado alusiva ao mesmo assunto? O que virá a seguir? Câmaras para saber o que nos dilata as pupilas?
domingo, junho 03, 2007
Song of the Open Road
9
Allons! whoever you are, come travel with me!
Traveling with me, you find what never tires.
The earth never tires;
The earth is rude, silent, incomprehensible at first—Nature is rude and incomprehensible at first;
Be not discouraged—keep on—there are divine things, well envelop’d;
I swear to you there are divine things more beautiful than words can tell.
Allons! we must not stop here!
However sweet these laid-up stores—however convenient this dwelling, we cannot remain here;
However shelter’d this port, and however calm these waters, we must not anchor here;
However welcome the hospitality that surrounds us, we are permitted to receive it but a little while.
(Walt Whitman)
Allons! whoever you are, come travel with me!
Traveling with me, you find what never tires.
The earth never tires;
The earth is rude, silent, incomprehensible at first—Nature is rude and incomprehensible at first;
Be not discouraged—keep on—there are divine things, well envelop’d;
I swear to you there are divine things more beautiful than words can tell.
Allons! we must not stop here!
However sweet these laid-up stores—however convenient this dwelling, we cannot remain here;
However shelter’d this port, and however calm these waters, we must not anchor here;
However welcome the hospitality that surrounds us, we are permitted to receive it but a little while.
(Walt Whitman)
sábado, junho 02, 2007
Feiras
Alguém já contou o número de "feiras do livro" que houve em Lisboa nos últimos doze meses? Podiam começar uma competição oficial entre todas... Nos preços, não é certo que "a Feira" venceria.
Respirando, lendo, procurando
Respiro o ar que foi o de dois (como hei-de chamar-lhes?) vultos (?) do pensamento ocidental. Coroados em vida, a sua memória persiste séculos depois de terem deixado de escrever o melhor e o pior um do outro... Um, mais interventivo contra a injustiça do seu presente; o outro, mais ambicioso de conhecimento intemporal (e cometendo grandes erros). Grandes espíritos... Ambos vivos também na minha memória, dos pequenos livros que deles li. (Pequenos livros, grandes ideias; resultado: impressão forte!) Mortos, são mais relevantes do que o rapaz que ao lado planta morangos. E, no entanto... não haverá quem plante morangos com escrita "relevante"?
Se a escrita é quase inevitavelmente acto solitário, a leitura não tem de ser assim: gosto de quem discuta leituras comigo! Por isso, vou falar-vos um pouco sobre as minhas leituras.
Leio três blogs, cujos autores nasceram no mesmo ano. Ano fértil, parece, porque escrevem bem. Não fazem uma "geração"; aliás, o que é isso de geração, nos dias de correm? Um conta boas histórias, outro tem um espírito crítico acutilante e o terceiro interessa-se pelas artes (e pelas louras). Poderia a escrita salvar o mundo? (Ou só quem escreve, como a caridade serve mais a quem dá?) Poderiam estes três salvar alguma esperança num futuro melhor? O segundo (o segundo tipo) seria sempre necessário e, vendo bem, os outros também. Mas há um vazio de ideias novas, e não é só no pequenino rectângulo.
Nestes dias, devíamos todos ir aprender Economia, porque é ela que domina tudo - pelo menos, agora, de forma explícita. Há uma revolta contra este estado de coisas, mas é a revolta errada. Podemos ir ao blog do presidente do Irão para tentar perceber o que temos ainda em comum com essas pessoas que elegem loucos (serão?) que nos querem trazer, mais dia, menos dia, surpresas desagradáveis. Será que também amassam farinha com água e sal? Que agradecem o pão de cada dia?
Voltando ao início. Será que ainda é possível, em algum lugar, a maturação de caracteres nobres como o dos meus dois amigos mortos? Capazes, então, de mudar o mundo, sem ser com armas, sem ser com o poder cego do dinheiro?
Se a escrita é quase inevitavelmente acto solitário, a leitura não tem de ser assim: gosto de quem discuta leituras comigo! Por isso, vou falar-vos um pouco sobre as minhas leituras.
Leio três blogs, cujos autores nasceram no mesmo ano. Ano fértil, parece, porque escrevem bem. Não fazem uma "geração"; aliás, o que é isso de geração, nos dias de correm? Um conta boas histórias, outro tem um espírito crítico acutilante e o terceiro interessa-se pelas artes (e pelas louras). Poderia a escrita salvar o mundo? (Ou só quem escreve, como a caridade serve mais a quem dá?) Poderiam estes três salvar alguma esperança num futuro melhor? O segundo (o segundo tipo) seria sempre necessário e, vendo bem, os outros também. Mas há um vazio de ideias novas, e não é só no pequenino rectângulo.
Nestes dias, devíamos todos ir aprender Economia, porque é ela que domina tudo - pelo menos, agora, de forma explícita. Há uma revolta contra este estado de coisas, mas é a revolta errada. Podemos ir ao blog do presidente do Irão para tentar perceber o que temos ainda em comum com essas pessoas que elegem loucos (serão?) que nos querem trazer, mais dia, menos dia, surpresas desagradáveis. Será que também amassam farinha com água e sal? Que agradecem o pão de cada dia?
Voltando ao início. Será que ainda é possível, em algum lugar, a maturação de caracteres nobres como o dos meus dois amigos mortos? Capazes, então, de mudar o mundo, sem ser com armas, sem ser com o poder cego do dinheiro?
quinta-feira, maio 31, 2007
Canção de primavera
Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores,
Pois que Maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar, flor, já não dou.
Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.
Eu, invernos e outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio...
Aquece tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.
Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.
Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar...
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?
(José Régio)
Pois que Maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar, flor, já não dou.
Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.
Eu, invernos e outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio...
Aquece tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.
Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.
Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar...
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?
(José Régio)
segunda-feira, maio 28, 2007
Dia-a-dia
1. Uma das razões por que gosto de Portugal é por as mulheres, no mercado de trabalho, se terem emancipado mais do que noutros países. É um resultado da pobreza, mas o que é certo é que o trabalho se tornou um espaço em que o machismo que exista já tem de se esconder (e, idealmente, diminuirá), e em que ter filhos pequenos e trabalhar ao mesmo tempo não é crime de lesa-majestade. Vivam as mulheres portuguesas!
2. Uma união de facto demora anos de co-habitação: na prática, demora mais tempo a efectivar-se do que um casamento... Depois, os processos que conduzem a divórcios são geralmente muito penosos - penosos de ver, e ainda mais serão de viver - só por sadismo se pode querer que esse suplício se prolongue no tempo. Se é por a "instituição do casamento" ter um qulquer papel social a desempenhar (contribuintes mais previsíveis? educadores mais eficazes?), há que pensar se esse período de limbo que obrigam os casais desavindos a passar não terá, afinal, resultados contrários aos pretendidos.
2. Uma união de facto demora anos de co-habitação: na prática, demora mais tempo a efectivar-se do que um casamento... Depois, os processos que conduzem a divórcios são geralmente muito penosos - penosos de ver, e ainda mais serão de viver - só por sadismo se pode querer que esse suplício se prolongue no tempo. Se é por a "instituição do casamento" ter um qulquer papel social a desempenhar (contribuintes mais previsíveis? educadores mais eficazes?), há que pensar se esse período de limbo que obrigam os casais desavindos a passar não terá, afinal, resultados contrários aos pretendidos.
Song of the Open Road
8
The efflux of the Soul is happiness—here is happiness;
I think it pervades the open air, waiting at all times;
Now it flows unto us—we are rightly charged.
Here rises the fluid and attaching character;
The fluid and attaching character is the freshness and sweetness of man and woman;
(The herbs of the morning sprout no fresher and sweeter every day out of the roots of themselves, than it sprouts fresh and sweet continually out of itself.)
Toward the fluid and attaching character exudes the sweat of the love of young and old;
From it falls distill’d the charm that mocks beauty and attainments;
Toward it heaves the shuddering longing ache of contact.
(Walt Whitman)
The efflux of the Soul is happiness—here is happiness;
I think it pervades the open air, waiting at all times;
Now it flows unto us—we are rightly charged.
Here rises the fluid and attaching character;
The fluid and attaching character is the freshness and sweetness of man and woman;
(The herbs of the morning sprout no fresher and sweeter every day out of the roots of themselves, than it sprouts fresh and sweet continually out of itself.)
Toward the fluid and attaching character exudes the sweat of the love of young and old;
From it falls distill’d the charm that mocks beauty and attainments;
Toward it heaves the shuddering longing ache of contact.
(Walt Whitman)
segunda-feira, maio 21, 2007
domingo, maio 20, 2007
O sangue que se quer dar
1. Portanto... no questionário para dádiva de sangue, entre preconceitos e complexos, é mais provável que um homossexual com comportamentos de risco assuma que tem comportamentos de risco do que é homossexual... É isso?! Mas quem é que, no seu perfeito juízo assume que tem comportamentos de risco em tal situação?! Alguém que não tem mais nada para fazer? (Ou, quem sabe, que quer salvar a mãe submetida a uma cirurgia, correndo o risco de lhe transmitir o HIV?...)
2. Por que há-de a razão actual entre infecções por diferentes vias de transmissão ser o critério para a ter em conta para a definição de grupos de risco nas dádivas de sangue? Se pode haver infeccções de há mais de uma década ainda sem sintomas e não diagnosticadas?
2. Por que há-de a razão actual entre infecções por diferentes vias de transmissão ser o critério para a ter em conta para a definição de grupos de risco nas dádivas de sangue? Se pode haver infeccções de há mais de uma década ainda sem sintomas e não diagnosticadas?
Perplexidades
Como é possível a alguém defender os "direitos dos animais" e ser conivente com as maiores barbaridades que os seres humanos infligem uns aos outros?
Song of the Open Road
7
Here is the efflux of the Soul;
The efflux of the Soul comes from within, through embower’d gates, ever provoking questions:
These yearnings, why are they? These thoughts in the darkness, why are they?
Why are there men and women that while they are nigh me, the sun-light expands my blood?
Why, when they leave me, do my pennants of joy sink flat and lank?
Why are there trees I never walk under, but large and melodious thoughts descend upon me?
(I think they hang there winter and summer on those trees, and always drop fruit as I pass;)
What is it I interchange so suddenly with strangers?
What with some driver, as I ride on the seat by his side?
What with some fisherman, drawing his seine by the shore, as I walk by, and pause?
What gives me to be free to a woman’s or man’s good-will? What gives them to be free to mine?
(Walt Whitman)
Here is the efflux of the Soul;
The efflux of the Soul comes from within, through embower’d gates, ever provoking questions:
These yearnings, why are they? These thoughts in the darkness, why are they?
Why are there men and women that while they are nigh me, the sun-light expands my blood?
Why, when they leave me, do my pennants of joy sink flat and lank?
Why are there trees I never walk under, but large and melodious thoughts descend upon me?
(I think they hang there winter and summer on those trees, and always drop fruit as I pass;)
What is it I interchange so suddenly with strangers?
What with some driver, as I ride on the seat by his side?
What with some fisherman, drawing his seine by the shore, as I walk by, and pause?
What gives me to be free to a woman’s or man’s good-will? What gives them to be free to mine?
(Walt Whitman)
sábado, maio 19, 2007
Song of the Open Road
6
Now if a thousand perfect men were to appear, it would not amaze me;
Now if a thousand beautiful forms of women appear’d, it would not astonish me.
Now I see the secret of the making of the best persons,
It is to grow in the open air, and to eat and sleep with the earth.
Here a great personal deed has room;
A great deed seizes upon the hearts of the whole race of men,
Its effusion of strength and will overwhelms law, and mocks all authority and all argument against it.
Here is the test of wisdom;
Wisdom is not finally tested in schools;
Wisdom cannot be pass’d from one having it, to another not having it;
Wisdom is of the Soul, is not susceptible of proof, is its own proof,
Applies to all stages and objects and qualities, and is content,
Is the certainty of the reality and immortality of things, and the excellence of things;
Something there is in the float of the sight of things that provokes it out of the Soul.
Now I reëxamine philosophies and religions,
They may prove well in lecture-rooms, yet not prove at all under the spacious clouds, and along the landscape and flowing currents.
Here is realization;
Here is a man tallied—he realizes here what he has in him;
The past, the future, majesty, love—if they are vacant of you, you are vacant of them.
Only the kernel of every object nourishes;
Where is he who tears off the husks for you and me?
Where is he that undoes stratagems and envelopes for you and me?
Here is adhesiveness—it is not previously fashion’d—it is apropos;
Do you know what it is, as you pass, to be loved by strangers?
Do you know the talk of those turning eye-balls?
(Walt Whitman)
Now if a thousand perfect men were to appear, it would not amaze me;
Now if a thousand beautiful forms of women appear’d, it would not astonish me.
Now I see the secret of the making of the best persons,
It is to grow in the open air, and to eat and sleep with the earth.
Here a great personal deed has room;
A great deed seizes upon the hearts of the whole race of men,
Its effusion of strength and will overwhelms law, and mocks all authority and all argument against it.
Here is the test of wisdom;
Wisdom is not finally tested in schools;
Wisdom cannot be pass’d from one having it, to another not having it;
Wisdom is of the Soul, is not susceptible of proof, is its own proof,
Applies to all stages and objects and qualities, and is content,
Is the certainty of the reality and immortality of things, and the excellence of things;
Something there is in the float of the sight of things that provokes it out of the Soul.
Now I reëxamine philosophies and religions,
They may prove well in lecture-rooms, yet not prove at all under the spacious clouds, and along the landscape and flowing currents.
Here is realization;
Here is a man tallied—he realizes here what he has in him;
The past, the future, majesty, love—if they are vacant of you, you are vacant of them.
Only the kernel of every object nourishes;
Where is he who tears off the husks for you and me?
Where is he that undoes stratagems and envelopes for you and me?
Here is adhesiveness—it is not previously fashion’d—it is apropos;
Do you know what it is, as you pass, to be loved by strangers?
Do you know the talk of those turning eye-balls?
(Walt Whitman)
Clipping
Rachel
"A woman can´t suffer twice." Daphne du Maurier
A certa altura no My Cousin Rachel surge este aforismo de fino recorte. Philip é reduzido à sua insignificância pela voz de Rachel: "A woman can´t suffer twice." A questão não é que ela não o ame -- que não ama -- a questão é que ela, uma mulher mais velha, já passou por lá -- e lá não volta.
Se é verdade que à partida uma mulher está mais vulnerável a ser violentada pelo desamor (um mito cultural que não interessa aqui desconstruir) também é verdade que, fazendo das fraquezas defesas, não mais torna às profundezas -- uma mulher sofre logo tudo, diz-nos Rachel. No caso dela, já sofreu. Temos pois que Philip já não podia aspirar a fazer sofrer Rachel, uma mulher irremediavelmente endurecida. Ora, sadismo à parte, não há tampa mais requintada do que essa: "desculpa, mas acho que não me ias conseguir fazer sofrer o suficiente."
(Bruno Sena Martins, avatares de um desejo)
"A woman can´t suffer twice." Daphne du Maurier
A certa altura no My Cousin Rachel surge este aforismo de fino recorte. Philip é reduzido à sua insignificância pela voz de Rachel: "A woman can´t suffer twice." A questão não é que ela não o ame -- que não ama -- a questão é que ela, uma mulher mais velha, já passou por lá -- e lá não volta.
Se é verdade que à partida uma mulher está mais vulnerável a ser violentada pelo desamor (um mito cultural que não interessa aqui desconstruir) também é verdade que, fazendo das fraquezas defesas, não mais torna às profundezas -- uma mulher sofre logo tudo, diz-nos Rachel. No caso dela, já sofreu. Temos pois que Philip já não podia aspirar a fazer sofrer Rachel, uma mulher irremediavelmente endurecida. Ora, sadismo à parte, não há tampa mais requintada do que essa: "desculpa, mas acho que não me ias conseguir fazer sofrer o suficiente."
(Bruno Sena Martins, avatares de um desejo)
domingo, maio 13, 2007
Whitman
Um blog pôs junto à ligação a este Abrigo uma imagem de Walt Whitman: gosto disso! Será esta uma boa altura para falar de Whitman, depois de um poema tão extraordinário que não precisa de quaisquer comentários?
As "Folhas de Erva" são, seguramente, um dos melhores livros que já encontrei.
Fixo a imagem do homem publicada numa das primeiras páginas da sua obra-prima. Nunca tinha visto tal coisa, mas se calhar sou eu que não conheço as modas dos livros antigos.
Na gravura e nas fotografias, reconhece-se em Whitman um homem bonito (serão claros ou cegos, os olhos de uma fotografia?). Mas é como se fosse uma montanha imponente, que guarda no seu interior os seus maiores tesouros, galerias incrustadas de cristais de todas as cores.
Tinha da obra dele a ideia dada por Pessoa dos poemas marítimos, dos sons dos barcos e dos marinheiros, escritos em registo épico, um pouco como Melville. Aliás, viveram os dois praticamente os mesmos anos. Mas Whitman é muito mais do que imaginava. Conseguiu captar a alma da "América", nas suas paisagens grandiosas, no seu projecto democrático, na sua humanidade fraternal. De facto, se a república já tinha sido experimentada na Grécia e na Roma antigas ou nas repúblicas italianas ou helvéticas, foi na América que a utopia democrática foi recriada e posta em prática. Whitman vai na carruagem do entusiasmo.
Mas o que mais me comove nos seus poemas é a constante declaração de amor, não tanto por um povo abstracto, mas por pessoas que conheceu, que tanto poderiam ser a mãe ou o pai, irmãos, amigos ou amantes. Como se ele tivesse sido o escolhido, com o seu imenso talento, para cristalizar uma época, e tivesse querido que aqueles que amou estivessem também no retrato. Justamente, como um cristal que adquire a sua cor devido às impurezas na sua estrutura cristalina.
As "Folhas de Erva" são, seguramente, um dos melhores livros que já encontrei.
Fixo a imagem do homem publicada numa das primeiras páginas da sua obra-prima. Nunca tinha visto tal coisa, mas se calhar sou eu que não conheço as modas dos livros antigos.
Na gravura e nas fotografias, reconhece-se em Whitman um homem bonito (serão claros ou cegos, os olhos de uma fotografia?). Mas é como se fosse uma montanha imponente, que guarda no seu interior os seus maiores tesouros, galerias incrustadas de cristais de todas as cores.
Tinha da obra dele a ideia dada por Pessoa dos poemas marítimos, dos sons dos barcos e dos marinheiros, escritos em registo épico, um pouco como Melville. Aliás, viveram os dois praticamente os mesmos anos. Mas Whitman é muito mais do que imaginava. Conseguiu captar a alma da "América", nas suas paisagens grandiosas, no seu projecto democrático, na sua humanidade fraternal. De facto, se a república já tinha sido experimentada na Grécia e na Roma antigas ou nas repúblicas italianas ou helvéticas, foi na América que a utopia democrática foi recriada e posta em prática. Whitman vai na carruagem do entusiasmo.
Mas o que mais me comove nos seus poemas é a constante declaração de amor, não tanto por um povo abstracto, mas por pessoas que conheceu, que tanto poderiam ser a mãe ou o pai, irmãos, amigos ou amantes. Como se ele tivesse sido o escolhido, com o seu imenso talento, para cristalizar uma época, e tivesse querido que aqueles que amou estivessem também no retrato. Justamente, como um cristal que adquire a sua cor devido às impurezas na sua estrutura cristalina.
sábado, maio 12, 2007
Song of the Open Road
5
From this hour, freedom!
From this hour I ordain myself loos’d of limits and imaginary lines,
Going where I list, my own master, total and absolute,
Listening to others, and considering well what they say,
Pausing, searching, receiving, contemplating,
Gently, but with undeniable will, divesting myself of the holds that would hold me.
I inhale great draughts of space;
The east and the west are mine, and the north and the south are mine.
I am larger, better than I thought;
I did not know I held so much goodness.
All seems beautiful to me;
I can repeat over to men and women, You have done such good to me, I would do the same to you.
I will recruit for myself and you as I go;
I will scatter myself among men and women as I go;
I will toss the new gladness and roughness among them;
Whoever denies me, it shall not trouble me;
Whoever accepts me, he or she shall be blessed, and shall bless me.
(Walt Whitman)
From this hour, freedom!
From this hour I ordain myself loos’d of limits and imaginary lines,
Going where I list, my own master, total and absolute,
Listening to others, and considering well what they say,
Pausing, searching, receiving, contemplating,
Gently, but with undeniable will, divesting myself of the holds that would hold me.
I inhale great draughts of space;
The east and the west are mine, and the north and the south are mine.
I am larger, better than I thought;
I did not know I held so much goodness.
All seems beautiful to me;
I can repeat over to men and women, You have done such good to me, I would do the same to you.
I will recruit for myself and you as I go;
I will scatter myself among men and women as I go;
I will toss the new gladness and roughness among them;
Whoever denies me, it shall not trouble me;
Whoever accepts me, he or she shall be blessed, and shall bless me.
(Walt Whitman)
Cabelo castanho, ondulado, escadeado
Será um preconceito? Parece-me que os lenços das mulheres muçulmanas me interpelam.
Querendo fazer-me acreditar que poderiam andar de calças de ganga, mini-saia ou top com barriga à mostra sem nenhum problema, e que o lenço é o resultado de uma escolha livre, símbolo da identificação a uma tradição, desacredito. Que tradição é essa, afinal? Estética, ou apenas moral? Não estarão a dizer que todas as outras mulheres que não usam lenço são umas perdidas (to say the least)?
Haverá alguma dessas mulheres com verdadeira liberdade para escolher tirar o lenço? Se sim, por que não tirá-lo? Como é possível preferir ostentar a submissão em espaço público?
Querendo fazer-me acreditar que poderiam andar de calças de ganga, mini-saia ou top com barriga à mostra sem nenhum problema, e que o lenço é o resultado de uma escolha livre, símbolo da identificação a uma tradição, desacredito. Que tradição é essa, afinal? Estética, ou apenas moral? Não estarão a dizer que todas as outras mulheres que não usam lenço são umas perdidas (to say the least)?
Haverá alguma dessas mulheres com verdadeira liberdade para escolher tirar o lenço? Se sim, por que não tirá-lo? Como é possível preferir ostentar a submissão em espaço público?
domingo, maio 06, 2007
Dancemos no mundo
Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira
Separam-nos cordas
separam-nos credos e
creio que medos e
creio que leis nos colam
à pele papéis
Tratados,
acordos são pântanos, lodos
Pisemos a pista é bom
que se insista dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só
Por ódio passado (que seja maldito)
amor favorito não tem importância
se for é de circunstância
Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo o sol-posto
de um dia findo
Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista é bom que se insista
dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos levantando o pó
dançar como amigo só
Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas
Separam-nos facas
separam-nos fatas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões
Acenda-se a tua luz na minha rua
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo
(Sérgio Godinho)
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira
Separam-nos cordas
separam-nos credos e
creio que medos e
creio que leis nos colam
à pele papéis
Tratados,
acordos são pântanos, lodos
Pisemos a pista é bom
que se insista dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só
Por ódio passado (que seja maldito)
amor favorito não tem importância
se for é de circunstância
Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo o sol-posto
de um dia findo
Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista é bom que se insista
dancemos no mundo
Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos levantando o pó
dançar como amigo só
Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas
Separam-nos facas
separam-nos fatas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões
Acenda-se a tua luz na minha rua
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo
(Sérgio Godinho)
sábado, maio 05, 2007
Madame ou mademoiselle?
Eis a questão, para as feministas francesas. E eu até as compreendo (está tudo no artigo). Felizmente, em português, a "Menina" tornou-se arcaica e a "Senhorita" só se ouve a empregados brasileiros como sinal de deferência associado à idade - ou seja, tem graça e soa sempre bem. Mas, ainda assim, prefiro uma ouvida "Senhora", universal, dita em tom respeitoso com pronúncia eslava.
sexta-feira, maio 04, 2007
Song of the Open Road
4
The earth expanding right hand and left hand,
The picture alive, every part in its best light,
The music falling in where it is wanted, and stopping where it is not wanted,
The cheerful voice of the public road—the gay fresh sentiment of the road.
O highway I travel! O public road! do you say to me, Do not leave me?
Do you say, Venture not? If you leave me, you are lost?
Do you say, I am already prepared—I am well-beaten and undenied—adhere to me?
O public road! I say back, I am not afraid to leave you—yet I love you;
You express me better than I can express myself;
You shall be more to me than my poem.
I think heroic deeds were all conceiv’d in the open air, and all great poems also;
I think I could stop here myself, and do miracles;
(My judgments, thoughts, I henceforth try by the open air, the road;)
I think whatever I shall meet on the road I shall like, and whoever beholds me shall like me;
I think whoever I see must be happy.
(Walt Whitman)
The earth expanding right hand and left hand,
The picture alive, every part in its best light,
The music falling in where it is wanted, and stopping where it is not wanted,
The cheerful voice of the public road—the gay fresh sentiment of the road.
O highway I travel! O public road! do you say to me, Do not leave me?
Do you say, Venture not? If you leave me, you are lost?
Do you say, I am already prepared—I am well-beaten and undenied—adhere to me?
O public road! I say back, I am not afraid to leave you—yet I love you;
You express me better than I can express myself;
You shall be more to me than my poem.
I think heroic deeds were all conceiv’d in the open air, and all great poems also;
I think I could stop here myself, and do miracles;
(My judgments, thoughts, I henceforth try by the open air, the road;)
I think whatever I shall meet on the road I shall like, and whoever beholds me shall like me;
I think whoever I see must be happy.
(Walt Whitman)
sexta-feira, abril 27, 2007
Song of the Open Road
3
You air that serves me with breath to speak!
You objects that call from diffusion my meanings, and give them shape!
You light that wraps me and all things in delicate equable showers!
You paths worn in the irregular hollows by the roadsides!
I think you are latent with unseen existences—you are so dear to me.
You flagg’d walks of the cities! you strong curbs at the edges!
You ferries! you planks and posts of wharves! you timber-lined sides! you distant ships!
You rows of houses! you window-pierc’d façades! you roofs!
You porches and entrances! you copings and iron guards!
You windows whose transparent shells might expose so much!
You doors and ascending steps! you arches!
You gray stones of interminable pavements! you trodden crossings!
From all that has been near you, I believe you have imparted to yourselves, and now would impart the same secretly to me;
From the living and the dead I think you have peopled your impassive surfaces, and the spirits thereof would be evident and amicable with me.
(Walt Whitman)
You air that serves me with breath to speak!
You objects that call from diffusion my meanings, and give them shape!
You light that wraps me and all things in delicate equable showers!
You paths worn in the irregular hollows by the roadsides!
I think you are latent with unseen existences—you are so dear to me.
You flagg’d walks of the cities! you strong curbs at the edges!
You ferries! you planks and posts of wharves! you timber-lined sides! you distant ships!
You rows of houses! you window-pierc’d façades! you roofs!
You porches and entrances! you copings and iron guards!
You windows whose transparent shells might expose so much!
You doors and ascending steps! you arches!
You gray stones of interminable pavements! you trodden crossings!
From all that has been near you, I believe you have imparted to yourselves, and now would impart the same secretly to me;
From the living and the dead I think you have peopled your impassive surfaces, and the spirits thereof would be evident and amicable with me.
(Walt Whitman)
quarta-feira, abril 25, 2007
quarta-feira, abril 18, 2007
Song of the Open Road
2
You road I enter upon and look around! I believe you are not all that is here;
I believe that much unseen is also here.
Here the profound lesson of reception, neither preference or denial;
The black with his woolly head, the felon, the diseas’d, the illiterate person, are not denied;
The birth, the hasting after the physician, the beggar’s tramp, the drunkard’s stagger, the laughing party of mechanics,
The escaped youth, the rich person’s carriage, the fop, the eloping couple,
The early market-man, the hearse, the moving of furniture into the town, the return back from the town,
They pass—I also pass—anything passes—none can be interdicted;
None but are accepted—none but are dear to me.
(Walt Whitman)
You road I enter upon and look around! I believe you are not all that is here;
I believe that much unseen is also here.
Here the profound lesson of reception, neither preference or denial;
The black with his woolly head, the felon, the diseas’d, the illiterate person, are not denied;
The birth, the hasting after the physician, the beggar’s tramp, the drunkard’s stagger, the laughing party of mechanics,
The escaped youth, the rich person’s carriage, the fop, the eloping couple,
The early market-man, the hearse, the moving of furniture into the town, the return back from the town,
They pass—I also pass—anything passes—none can be interdicted;
None but are accepted—none but are dear to me.
(Walt Whitman)
domingo, abril 15, 2007
a verdade(zinha)
*
Sócrates - [...] [N]ão te parece que se torna necessário que o orador se encontre bem instruído e informado acerca do tema sobre que vai discorrer?
Fedro - A esse respeito, presta atenção ao que ouvi dizer: ouvi dizer que para quem deseja tornar-se um orador consumado, não se torna necessário um conhecimento perfeito do que é realmente justo, mas sim do que parece justo aos olhos da maioria, que é quem decide, em última instância. Tão-pouco precisa de saber realmente o que é bom ou belo, bastando-lhe saber o que parece sê-lo, pois a persuasão se consegue, não com a verdade, mas com o que aparenta ser verdade.
Sócrates - Eis uma opinião difícil de rejeitar... impossível mesmo de rejeitar, Fedro, quando tal opinião é a das pessoas importantes; mas a nós compete analisar o seu significado, e muito particularmente o que acabas de dizer-me merece toda a atenção!
Fedro - Perfeitamente.
Sócrates - Vejamos então como examinar esse tema...
Fedro - Como o examinaremos?
Sócrates - Supõe por momentos que tento persuadir-te a comprar um cavalo para ires combater os teus inimigos mas que, tanto tu como eu, ignoramos o que seja um cavalo e que, entretanto, eu chegava à conclusão de que, no entender de Fedro, o cavalo é o animal doméstico com as orelhas mais compridas....
Fedro - Mas isso seria rídiculo, Sócrates!
Sócrates - Um momento, por enquanto! Ou que eu tentava seriamente persuadir-te a que escrevesses um panegírico do burro, chamando-o de cavalo e declarando que é muito prático adquirir essa besta, tanto para fins domésticos como para a guerra, que é tão útil na refrega das batalhas como no transporte de carga, como em qualquer outra coisa...
Fedro - Isso seria ainda mais ridículo!
Sócrates - Mas diz-me, não é verdade que o ridículo de um amigo é preferível à irredutível prepotência de um inimigo?
Fedro - Sem dúvida!
Sócrates - Por isso, quando um orador, ignorando a natureza do bem e do mal, se dirige aos seus concidadãos, que sofrem da mesma ignorância, para os tentar persuadir a tomarem a sombra de um burro por um cavalo, ou o mal pelo bem; quando, depois de ter ouvido as opiniões da maioria, a impele para o mau caminho, em casos como este, quais são, a teu ver, os frutos que a arte oratória pode colher daquilo que semeou?
Fedro - Um fruto que não pode ser nada bom.
(Platão, Fedro, trad. Pinharanda Gomes, Guimarães, 2000)
Sócrates - [...] [N]ão te parece que se torna necessário que o orador se encontre bem instruído e informado acerca do tema sobre que vai discorrer?
Fedro - A esse respeito, presta atenção ao que ouvi dizer: ouvi dizer que para quem deseja tornar-se um orador consumado, não se torna necessário um conhecimento perfeito do que é realmente justo, mas sim do que parece justo aos olhos da maioria, que é quem decide, em última instância. Tão-pouco precisa de saber realmente o que é bom ou belo, bastando-lhe saber o que parece sê-lo, pois a persuasão se consegue, não com a verdade, mas com o que aparenta ser verdade.
Sócrates - Eis uma opinião difícil de rejeitar... impossível mesmo de rejeitar, Fedro, quando tal opinião é a das pessoas importantes; mas a nós compete analisar o seu significado, e muito particularmente o que acabas de dizer-me merece toda a atenção!
Fedro - Perfeitamente.
Sócrates - Vejamos então como examinar esse tema...
Fedro - Como o examinaremos?
Sócrates - Supõe por momentos que tento persuadir-te a comprar um cavalo para ires combater os teus inimigos mas que, tanto tu como eu, ignoramos o que seja um cavalo e que, entretanto, eu chegava à conclusão de que, no entender de Fedro, o cavalo é o animal doméstico com as orelhas mais compridas....
Fedro - Mas isso seria rídiculo, Sócrates!
Sócrates - Um momento, por enquanto! Ou que eu tentava seriamente persuadir-te a que escrevesses um panegírico do burro, chamando-o de cavalo e declarando que é muito prático adquirir essa besta, tanto para fins domésticos como para a guerra, que é tão útil na refrega das batalhas como no transporte de carga, como em qualquer outra coisa...
Fedro - Isso seria ainda mais ridículo!
Sócrates - Mas diz-me, não é verdade que o ridículo de um amigo é preferível à irredutível prepotência de um inimigo?
Fedro - Sem dúvida!
Sócrates - Por isso, quando um orador, ignorando a natureza do bem e do mal, se dirige aos seus concidadãos, que sofrem da mesma ignorância, para os tentar persuadir a tomarem a sombra de um burro por um cavalo, ou o mal pelo bem; quando, depois de ter ouvido as opiniões da maioria, a impele para o mau caminho, em casos como este, quais são, a teu ver, os frutos que a arte oratória pode colher daquilo que semeou?
Fedro - Um fruto que não pode ser nada bom.
(Platão, Fedro, trad. Pinharanda Gomes, Guimarães, 2000)
quarta-feira, abril 11, 2007
domingo, abril 08, 2007
Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro
I
Conheci o meu mestre Caeiro em circunstâncias excepcionais - como todas as circunstâncias da vida, e sobretudo as que, não sendo nada em si mesmas, hão-de vir a ser tudo nos resultados.
Deixei em quase três-quartos o meu curso escocês de engenharia naval; parti numa viagem ao Oriente; no regresso, desembarcando em Marselha, e sentindo um grande tédio de seguir, vim por terra até Lisboa. Um primo meu levou-me um dia de passeio ao Ribatejo; conhecia um primo de Caeiro, e tinha com ele negócios; encontrei-me com o que havia de ser meu mestre em casa desse seu primo. Não há mais que contar, porque isto é pequeno, como toda a fecundação.
Vejo ainda, com a claridade da alma, que as lágrimas da lembrança não empanam, porque a visão não é externa... Vejo-o diante de mim, e vê-lo-ei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não tem medo; depois, os malares já um pouco salientes, a cor um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quase abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer coisa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última coisa em que se reparava - como se falar fosse, para este homem, menos que existir - era a de um sorriso como o que se atribui em verso às coisas inanimadas belas, só porque nos agradam - flores, campos largos, águas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.
Meu mestre, meu mestre, perdido tão cedo! Revejo-o na sombra que sou em mim, na memória que conservo do que sou de morto...
Foi durante a nossa primeira conversa... Como foi, não sei, e ele disse: "Está aqui um rapaz Ricardo Reis que há-de gostar de conhecer: ele é muito diferente de si". E depois acrescentou, "tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe".
Esta frase, dita como se fosse um axioma da terra, seduziu-me com um abalo, como o de todas as primeiras posses, que me entrou nos alicerces da alma. Mas, ao contrário da sedução material, o efeito em mim foi de receber de repente, em todas as minhas sensações, uma virgindade que não tinha tido.
(Álvaro de Campos, in "Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro", Estampa, 1997)
Conheci o meu mestre Caeiro em circunstâncias excepcionais - como todas as circunstâncias da vida, e sobretudo as que, não sendo nada em si mesmas, hão-de vir a ser tudo nos resultados.
Deixei em quase três-quartos o meu curso escocês de engenharia naval; parti numa viagem ao Oriente; no regresso, desembarcando em Marselha, e sentindo um grande tédio de seguir, vim por terra até Lisboa. Um primo meu levou-me um dia de passeio ao Ribatejo; conhecia um primo de Caeiro, e tinha com ele negócios; encontrei-me com o que havia de ser meu mestre em casa desse seu primo. Não há mais que contar, porque isto é pequeno, como toda a fecundação.
Vejo ainda, com a claridade da alma, que as lágrimas da lembrança não empanam, porque a visão não é externa... Vejo-o diante de mim, e vê-lo-ei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não tem medo; depois, os malares já um pouco salientes, a cor um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quase abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer coisa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última coisa em que se reparava - como se falar fosse, para este homem, menos que existir - era a de um sorriso como o que se atribui em verso às coisas inanimadas belas, só porque nos agradam - flores, campos largos, águas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.
Meu mestre, meu mestre, perdido tão cedo! Revejo-o na sombra que sou em mim, na memória que conservo do que sou de morto...
Foi durante a nossa primeira conversa... Como foi, não sei, e ele disse: "Está aqui um rapaz Ricardo Reis que há-de gostar de conhecer: ele é muito diferente de si". E depois acrescentou, "tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe".
Esta frase, dita como se fosse um axioma da terra, seduziu-me com um abalo, como o de todas as primeiras posses, que me entrou nos alicerces da alma. Mas, ao contrário da sedução material, o efeito em mim foi de receber de repente, em todas as minhas sensações, uma virgindade que não tinha tido.
(Álvaro de Campos, in "Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro", Estampa, 1997)
sábado, abril 07, 2007
M de Memória
Estranhas cenas se nos apresentam às vezes, quando menos esperamos. Vejamos um exemplo. Várias mulheres, de diferentes gerações, que se encontram juntas por motivos profissionais, gozam um momento de descanço. São bonitas e inteligentes e, se não são bem pagas, pelo menos têm um trabalho interessante. Sem cunhas, são mulheres de sucesso, self made. Por uma cumplicidade anterior que me escapa, retomam um tema que já terão abordado. As que falam recordam as suas infâncias de pobreza, na mesa e nas brincadeiras, e também cenas de violência doméstica. ("Sem abrigo", "violência doméstica" - etiquetas tão cómodas para realidades cuja compreensão se escapa entre os dedos, quando as tentamos abarcar.)
Noutro momento, um rosto sorridente que envelheceu em beleza e sabedoria diz: "A menina não faz ideia, vocês agora não fazem ideia, do que era ser-se mulher, antigamente. Uma mulher casada era quase propriedade do marido, não podia divorciar-se, nem sequer ir ao estrangeiro sem o consentimento do marido. Nem sabe as histórias que conheci, (etc.)".
Noutro momento, um rosto sorridente que envelheceu em beleza e sabedoria diz: "A menina não faz ideia, vocês agora não fazem ideia, do que era ser-se mulher, antigamente. Uma mulher casada era quase propriedade do marido, não podia divorciar-se, nem sequer ir ao estrangeiro sem o consentimento do marido. Nem sabe as histórias que conheci, (etc.)".
Uma possível lista de Grandes finalistas (não necessariamente a minha):
Jesus Cristo
Maria
Buda
Maomé
Moisés
Abraão
Lao Tsé
Confúcio
Nelson Mandela
Mahatma Gandhi
Karl Marx
Mao Zedong
Lénine
Sócrates
Platão
Aristóteles
Nietzsche
Voltaire
Leonardo da Vinci
Isaac Newton
Homero
Miguel Ângelo
Beethoven
Jorge Luis Borges
Alexandre Magno
Gengis Khan
Cristóvão Colombo
Fernão de Magalhães
Qual seria a claque mais ferrenha?
Jesus Cristo
Maria
Buda
Maomé
Moisés
Abraão
Lao Tsé
Confúcio
Nelson Mandela
Mahatma Gandhi
Karl Marx
Mao Zedong
Lénine
Sócrates
Platão
Aristóteles
Nietzsche
Voltaire
Leonardo da Vinci
Isaac Newton
Homero
Miguel Ângelo
Beethoven
Jorge Luis Borges
Alexandre Magno
Gengis Khan
Cristóvão Colombo
Fernão de Magalhães
Qual seria a claque mais ferrenha?
quarta-feira, abril 04, 2007
Sometimes with one I love
Sometimes with one I love, I fill myself with rage, for fear I effuse unreturn’d love;
But now I think there is no unreturn’d love—the pay is certain, one way or another;
(I loved a certain person ardently, and my love was not return’d;
Yet out of that, I have written these songs.)
(Walt Whitman)
But now I think there is no unreturn’d love—the pay is certain, one way or another;
(I loved a certain person ardently, and my love was not return’d;
Yet out of that, I have written these songs.)
(Walt Whitman)
sábado, março 31, 2007
A vida é bela!
(5 segundos)
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
Fonte: abrigodepastora.blogspot.com
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
Fonte: abrigodepastora.blogspot.com
Song of the Open Road
1
Afoot and light-hearted, I take to the open road,
Healthy, free, the world before me,
The long brown path before me, leading wherever I choose.
Henceforth I ask not good-fortune—I myself am good fortune;
Henceforth I whimper no more, postpone no more, need nothing,
Strong and content, I travel the open road.
The earth—that is sufficient;
I do not want the constellations any nearer;
I know they are very well where they are;
I know they suffice for those who belong to them.
(Still here I carry my old delicious burdens;
I carry them, men and women—I carry them with me wherever I go;
I swear it is impossible for me to get rid of them;
I am fill’d with them, and I will fill them in return.)
(Walt Whitman)
Afoot and light-hearted, I take to the open road,
Healthy, free, the world before me,
The long brown path before me, leading wherever I choose.
Henceforth I ask not good-fortune—I myself am good fortune;
Henceforth I whimper no more, postpone no more, need nothing,
Strong and content, I travel the open road.
The earth—that is sufficient;
I do not want the constellations any nearer;
I know they are very well where they are;
I know they suffice for those who belong to them.
(Still here I carry my old delicious burdens;
I carry them, men and women—I carry them with me wherever I go;
I swear it is impossible for me to get rid of them;
I am fill’d with them, and I will fill them in return.)
(Walt Whitman)
domingo, março 25, 2007
sábado, março 24, 2007
Viver para trabalhar
- Por que são a um tal ponto desdenhosos? - perguntou Chloé. - Trabalhar não é coisa assim tão boa...
- Disseram-lhes que é bom - respondeu Colin. - Em geral costuma achar-se que é bom. Mas a verdade é que ninguém pensa assim. Trabalha-se por hábito, justamente para não pensarmos nisso.
- De qualquer forma, é idiota fazer um trabalho que pode ser feito pelas máquinas.
- É preciso construir máquinas - disse Colin. - Quem o fará?
- Oh! Claro! - disse Chloé. - Para fazer um ovo é preciso uma galinha, e uma vez que haja galinha podemos ter uma porção de ovos. Portanto, mais vale começar pela galinha.
- Seria preciso saber o que impede a construção das máquinas - disse Colin. - É, com certeza, falta de tempo. As pessoas perdem tempo a viver, por isso já lhes não sobra nenhum para trabalhar.
- Não será antes o contrário? - disse Chloé.
- Não - disse Colin. - Se tivessem tempo para construir máquinas, depois já não seria preciso fazer mais nada. O que eu quero dizer é que trabalham para viver, em vez de trabalharem para construir máquinas que iriam levá-los a viver sem trabalhar.
- É complicado - concluiu Chloé.
- Não - disse Colin. - É muito simples. A coisa deveria dar-se progressivamente, bem entendido. Mas perde-se tanto tempo a fazer coisas que se gastam...
- Não acreditas que gostassem mais de ficar em casa a dar beijos à mulher, de ir à piscina e a divertimentos?
- Não - disse Colin -, porque não pensam nisso.
- Mas será culpa deles, se pensam que trabalhar é bom?
- Não - disse Colin -, a culpa não é deles. Foi porque lhes disseram: «O trabalho é sagrado, é bom, é belo, é o que acima de tudo conta, e só os que trabalham têm direito a tudo». Mas sucede que as coisas estão feitas para serem obrigados a trabalhar durante o tempo todo, e dessa forma não podem aproveitar o facto de terem trabalho.
- Serão afinal estúpidos? - disse Chloé.
- Sim, são estúpidos - disse Colin. - Por isso estão de acordo com quem lhes faz acreditar que o trabalho é o que há de melhor. Isto evita que reflictam e tentem progredir até não trabalhar.
- Falemos de outra coisa - disse Chloé. - São assuntos cansativos. Diz-me se gostas do meu cabelo...
- Já disse...
Sentou-a nos joelhos. Voltava a sentir-se completamente feliz.
- Já disse que gosto muito de ti, a grosso e a retalho.
- Vá lá então a retalho - disse Chloé -, abandonando-se nos braços de Colin, meiga como uma serpente.
(in "A Espuma dos Dias", Boris Vian, Frenesi, tradução de Aníbal Fernandes)
- Disseram-lhes que é bom - respondeu Colin. - Em geral costuma achar-se que é bom. Mas a verdade é que ninguém pensa assim. Trabalha-se por hábito, justamente para não pensarmos nisso.
- De qualquer forma, é idiota fazer um trabalho que pode ser feito pelas máquinas.
- É preciso construir máquinas - disse Colin. - Quem o fará?
- Oh! Claro! - disse Chloé. - Para fazer um ovo é preciso uma galinha, e uma vez que haja galinha podemos ter uma porção de ovos. Portanto, mais vale começar pela galinha.
- Seria preciso saber o que impede a construção das máquinas - disse Colin. - É, com certeza, falta de tempo. As pessoas perdem tempo a viver, por isso já lhes não sobra nenhum para trabalhar.
- Não será antes o contrário? - disse Chloé.
- Não - disse Colin. - Se tivessem tempo para construir máquinas, depois já não seria preciso fazer mais nada. O que eu quero dizer é que trabalham para viver, em vez de trabalharem para construir máquinas que iriam levá-los a viver sem trabalhar.
- É complicado - concluiu Chloé.
- Não - disse Colin. - É muito simples. A coisa deveria dar-se progressivamente, bem entendido. Mas perde-se tanto tempo a fazer coisas que se gastam...
- Não acreditas que gostassem mais de ficar em casa a dar beijos à mulher, de ir à piscina e a divertimentos?
- Não - disse Colin -, porque não pensam nisso.
- Mas será culpa deles, se pensam que trabalhar é bom?
- Não - disse Colin -, a culpa não é deles. Foi porque lhes disseram: «O trabalho é sagrado, é bom, é belo, é o que acima de tudo conta, e só os que trabalham têm direito a tudo». Mas sucede que as coisas estão feitas para serem obrigados a trabalhar durante o tempo todo, e dessa forma não podem aproveitar o facto de terem trabalho.
- Serão afinal estúpidos? - disse Chloé.
- Sim, são estúpidos - disse Colin. - Por isso estão de acordo com quem lhes faz acreditar que o trabalho é o que há de melhor. Isto evita que reflictam e tentem progredir até não trabalhar.
- Falemos de outra coisa - disse Chloé. - São assuntos cansativos. Diz-me se gostas do meu cabelo...
- Já disse...
Sentou-a nos joelhos. Voltava a sentir-se completamente feliz.
- Já disse que gosto muito de ti, a grosso e a retalho.
- Vá lá então a retalho - disse Chloé -, abandonando-se nos braços de Colin, meiga como uma serpente.
(in "A Espuma dos Dias", Boris Vian, Frenesi, tradução de Aníbal Fernandes)
domingo, março 11, 2007
(Arnold Böcklin)
Um quadro peculiar.
Adenda: Há, obviamente, um engano na página da Wikipedia sobre o quadro: a versão de Basileia surge referenciada como sendo a versão do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque. Alguém quer ir corrigir?
*
Até já!
quarta-feira, março 07, 2007
Hoje, em frente às câmaras
Numa gala de comemoração dos 50 anos da RTP, vi pela primeira vez Maria Margarida, um nome que conhecia bem de genéricos de programas de televisão. Ouvi-a, em off, durante horas e horas de documentários, no tempo em que se aprendia com a televisão. Tinha (e tem) uma voz invulgar e lia de uma forma muito, muito cativante. Obrigada, Maria Margarida, pelo que, com a sua voz, me ajudou a aprender. É como se o mundo se tivesse revelado mais interessante graças a si.
Bem observar, bem imaginar e bem contar
«A suposição de que Remedios, a bela, possuía poderes de morte estava agora sustentada por quatro factos irrebatíveis. Ainda que alguns homens de palavra fácil gostassem de dizer que bem valia sacrificar a vida por uma noite de amor com uma mulher tão perturbadora, a verdade foi que nenhum fez qualquer esforço para o conseguir. Talvez, não só para a render como também para esconjurar os seus perigos, tivesse bastado um sentimento tão primitivo e simples como o amor, mas essa foi a única coisa de que ninguém se lembrou. Úrsula não voltou a preocupar-se com ela. Noutra época, quando ainda não tinha renunciado ao propósito de a salvar do mundo, tentou que se interessasse pelos assuntos elementares da casa. «Os homens pedem mais do que tu julgas», dizia-lhe enigmaticamente. «É preciso cozinhar muito, varrer muito, sofrer muito por ninharias, muito mais do que tu julgas.» No fundo, enganava-se a si própria, tentando prepará-la para a felicidade doméstica, porque estava convencida que uma vez satisfeita a paixão, não havia homem na Terra capaz de suportar nem que fosse por um dia uma negligência que estava para além de toda a compreensão. O nascimento do último José Arcadio e a sua firme vontade de o educar para papa, acabaram por fazê-la desistir das preocupações com a bisneta. Abandonando-a à sua sorte, confiando que, mais cedo ou mais tarde aconteceria um milagre e que, neste mundo, onde havia de tudo, também haveria um homem com pachorra suficiente para se encarregar dela. Há já muitos meses que Amaranta desistira de todas as tentativas para a tornar numa mulher útil. Desde as tardes esquecidas da sala de costura, quando a sobrinha apenas se interessava por dar à manivela da máquina de costura, que chegara à conclusão simples de que era tonta. «Vamos ter de te rifar», dizia-lhe, perplexa, perante a sua impermeabilidade à palavra dos homens. Mais tarde, quando Úrsula se empenhou em que Remedios, a bela, assistisse à missa com a cara coberta por um véu, Amaranta pensou que aquele recurso misterioso se tornaria tão provocador que depressa haveria um homem suficientemente intrigado para procurar com paciência o ponto fraco do seu coração. Mas quando viu a forma insensata como desprezou um pretendente que, por muitos motivos, era mais apetecível do que um príncipe, renunciou a toda a esperança. Fernanda não fez sequer uma tentativa para a compreender. Quando viu Remedios, a bela, vestida de rainha no Carnaval sangrento, pensou que era uma criatura extraordinária. Mas quando a viu a comer com as mãos, incapaz de dar uma resposta que não fosse um prodígio de simplicidade, a única coisa que lamentou foi que os tontos da família tivessem uma vida tão longa. Apesar de o coronel Aureliano Buendía continuar a acreditar e a repetir que Remedios, a bela, era, de facto, o ser mais lúcido que jamais conhecera e que o demonstrava a todo o momento com a sua assombrosa habilidade para fazer pouco de toda a gente, abandonaram-na ao deus-dará. Remedios, a bela, ficou a vaguear pelo deserto da solidão, sem cruzes às costas, amadurecendo nos seus sonhos sem pesadelos, nos seus banhos intermináveis, nas suas refeições sem horários, nos seus profundos e prolongados silêncios sem recordações, até uma tarde de Março em que Fernanda quis dobrar no jardim os seus lençóis de barbante e pediu a ajuda das mulheres da casa. Mal tinham começado quando Amaranta reparou que Remedios, a bela, estava transparente, com uma palidez intensa.»
(Gabriel García Márquez, "Cem Anos de Solidão", Círculo de Leitores, 1988. Tradução de Margarida Santiago.)
(Gabriel García Márquez, "Cem Anos de Solidão", Círculo de Leitores, 1988. Tradução de Margarida Santiago.)
terça-feira, março 06, 2007
GGM, 80!
- És um anjo - disse-lhes. - Vinha de certeza por causa do menino, mas o pobre está tão velho que a chuva o atirou ao chão.
No dia seguinte toda a gente sabia que em casa de Pelayo tinham cativo um anjo de carne e osso. Contra o critério da vizinha sábia, para quem os anjos de agora eram sobreviventes fugitivos de uma conspiração celestial, não tinham tido coragem para o matar à paulada. Pelayo esteve a vigiá-lo toda a tarde da cozinha, armado com o seu arrocho de aguazil, e antes de se deitar tirou-o de rastos do lodaçal e fechou-o com as galinhas no galinheiro cercado de arame. À meia-noite, quando a chuva parou, Pelayo e Elisenda continuavam a matar caranguejos. Pouco depois o menino acordou sem febre e com vontade de comer. Então sentiram-se magnânimos e decidiram pôr o anjo numa jangada, com água doce e provisões para três dias e abandoná-lo à sua sorte no alto mar. Mas quando saíram para o pátio com as primeiras luzes, encontraram toda a vizinhança diante do galinheiro, retoiçando com o anjo sem a menor devoção e atirando-lhe coisas para comer pelos buracos do arame, como se não fosse uma criatura sobrenatural mas um animal de circo.
(in "Um Senhor Muito Velho com umas Asas Enormes" (1968), conto de "A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da sua Avó Desalmada", Gabriel García Márquez, Quetzal, 1995. Tradução de Pedro Tamen.)
No dia seguinte toda a gente sabia que em casa de Pelayo tinham cativo um anjo de carne e osso. Contra o critério da vizinha sábia, para quem os anjos de agora eram sobreviventes fugitivos de uma conspiração celestial, não tinham tido coragem para o matar à paulada. Pelayo esteve a vigiá-lo toda a tarde da cozinha, armado com o seu arrocho de aguazil, e antes de se deitar tirou-o de rastos do lodaçal e fechou-o com as galinhas no galinheiro cercado de arame. À meia-noite, quando a chuva parou, Pelayo e Elisenda continuavam a matar caranguejos. Pouco depois o menino acordou sem febre e com vontade de comer. Então sentiram-se magnânimos e decidiram pôr o anjo numa jangada, com água doce e provisões para três dias e abandoná-lo à sua sorte no alto mar. Mas quando saíram para o pátio com as primeiras luzes, encontraram toda a vizinhança diante do galinheiro, retoiçando com o anjo sem a menor devoção e atirando-lhe coisas para comer pelos buracos do arame, como se não fosse uma criatura sobrenatural mas um animal de circo.
(in "Um Senhor Muito Velho com umas Asas Enormes" (1968), conto de "A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da sua Avó Desalmada", Gabriel García Márquez, Quetzal, 1995. Tradução de Pedro Tamen.)
segunda-feira, março 05, 2007
O you whom I often and silently come
O you whom I often and silently come where you are, that I may be with you,
As I walk by your side, or sit near, or remain in the same room with you,
Little you know the subtle electric fire that for your sake is playing within me.
(Walt Whitman)
As I walk by your side, or sit near, or remain in the same room with you,
Little you know the subtle electric fire that for your sake is playing within me.
(Walt Whitman)
domingo, março 04, 2007
Engordar o blog
4143 Cascata de «choux» ou de suspiros («profiterolles au chocolat»)
Choux ou suspiros pequeninos e molho rápido de chocolate, nº 3099, q.b.
Dispõem-se os choux (ou os suspiros) em pirâmide numa taça funda, colando-os com um pouco de molho à medida que se vão armando, e cobrem-se com o resto do molho.
3947 Massa para choux doces
Farinha, 125 g
Manteiga, 100 g
Açúcar, 15 g
Sal, 3 g
Água, 2 1/2 dl
Ovos, 4
Leva-se ao lume um tacho com a água, o sal, a manteiga e o açúcar, mexendo para derreter o açúcar. Quando ferver em cachão, retira-se, deita-se a farinha duma só vez e mexe-se energeticamente com colher de pau para a incorporar. Volta ao lume e continua a mexer-se constantemente até a massa se despegar do fundo do tacho. Tira-se, deita-se num tigelão, junta-se um ovo e bate-se com colher de pau até o incorporar. Vão-se adicionando os restantes ovos, um a um, mas só se junta um ovo quando o anterior estiver intimamente ligado na massa. Bate-se por fim até ficar homogéneo.
3099 Molho rápido de chocolate
Chocolate de tablette, 200 g
Açúcar, 100 g
Água quente, 2 1/2 dl
Derrete-se o chocolate em banho-maria, mexendo para ficar cremoso, juntam-se-lhe o açúcar e a água e deixa-se ferver no banho-maria durante 3 minutos.
(O livro de Pantagruel)
Choux ou suspiros pequeninos e molho rápido de chocolate, nº 3099, q.b.
Dispõem-se os choux (ou os suspiros) em pirâmide numa taça funda, colando-os com um pouco de molho à medida que se vão armando, e cobrem-se com o resto do molho.
3947 Massa para choux doces
Farinha, 125 g
Manteiga, 100 g
Açúcar, 15 g
Sal, 3 g
Água, 2 1/2 dl
Ovos, 4
Leva-se ao lume um tacho com a água, o sal, a manteiga e o açúcar, mexendo para derreter o açúcar. Quando ferver em cachão, retira-se, deita-se a farinha duma só vez e mexe-se energeticamente com colher de pau para a incorporar. Volta ao lume e continua a mexer-se constantemente até a massa se despegar do fundo do tacho. Tira-se, deita-se num tigelão, junta-se um ovo e bate-se com colher de pau até o incorporar. Vão-se adicionando os restantes ovos, um a um, mas só se junta um ovo quando o anterior estiver intimamente ligado na massa. Bate-se por fim até ficar homogéneo.
3099 Molho rápido de chocolate
Chocolate de tablette, 200 g
Açúcar, 100 g
Água quente, 2 1/2 dl
Derrete-se o chocolate em banho-maria, mexendo para ficar cremoso, juntam-se-lhe o açúcar e a água e deixa-se ferver no banho-maria durante 3 minutos.
(O livro de Pantagruel)
Registo
"A religião do mercado: Deus e a Mamona" (Anselmo Borges, DN, 4/3/07).
"Por que dizem: 'É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus?'" (Yahoo! Respostas)
"Por que dizem: 'É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus?'" (Yahoo! Respostas)
quinta-feira, março 01, 2007
Entre zeros e uns
Há meses que leio notícias de várias fontes via RSS. São uma espécie de fast-food no campo da informação. Em vez das páginas largas dos jornais e do brilho do papel das revistas, chegam itens de pequeno tamanho, uniformizado. Filtram-se os temas que interessam e deixam-se mais alguns, porque também aqui é saudável uma dieta minimamente diversificada. À partida, todas parecem notícias pequenas, por virem em formato telegráfico e entre tantas da mesma dimensão. Há que dar-lhes sentido.
Há dias, entre as centenas de notícias que tinha em atraso para ler, estava uma de um homem que voltou a ver depois de mais de cinquenta anos de cegueira. Afinal, estes ainda são dias de miracle and wonder.
Há dias, entre as centenas de notícias que tinha em atraso para ler, estava uma de um homem que voltou a ver depois de mais de cinquenta anos de cegueira. Afinal, estes ainda são dias de miracle and wonder.
Água na boca
Todos os dias, o mesmo conflito de interesses: entre manter a forma física e comer com prazer. Difícil de resolver, sobretudo quando as calorias são cada vez mais baratas e os produtos das mais sofisticadas técnicas culinárias se vendem industrialmente. O ginásio seria o retemperador... Mas a actividade física paga e a hora marcada perde a graça toda, não é?
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Traz outro amigo também
Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também
(José Afonso)
23.2.07. Vinte anos da morte de José Afonso.
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também
(José Afonso)
23.2.07. Vinte anos da morte de José Afonso.
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oido que en todo su ancho
graba noche y dia grillos y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abedecedario
con él las palabras que pienso y declaro
madre amigo hermano y luz alumbrando,
la ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
así yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
(Violeta Parra)
A voz, aqui.
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oido que en todo su ancho
graba noche y dia grillos y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abedecedario
con él las palabras que pienso y declaro
madre amigo hermano y luz alumbrando,
la ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
así yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
(Violeta Parra)
A voz, aqui.
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
A zona cinzenta
A campanha sobre o referendo, que acompanhei a grande distância, permitiu-me mudar de opinião e aceitar a despenalização da IVG não só até formação do sistema nervoso central do feto, mas até à viabilidade deste fora do corpo da mãe. De facto, o melhor juiz para avaliar o conflito de interesses em presença, perante a hipótese de um aborto, é a própria mãe. E fiquei a saber que é possível usar anestesia de forma a que o feto não sofra durante o aborto.
Agora: poderia a "tolerância" demonstrada pelos apoiantes do Não, na última semana de campanha, ser extensível aos abortos entre as 10 e as 24 semanas?
Agora: poderia a "tolerância" demonstrada pelos apoiantes do Não, na última semana de campanha, ser extensível aos abortos entre as 10 e as 24 semanas?
domingo, fevereiro 11, 2007
Registo
Referendo nacional - 11 de Fevereiro de 2007
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Sim 59.25%
Não 40.75%
Abstenção 54.46%
Finalmente.
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Sim 59.25%
Não 40.75%
Abstenção 54.46%
Finalmente.
sábado, fevereiro 03, 2007
sexta-feira, fevereiro 02, 2007
Então vieram duas mulheres prostitutas ao rei, e se puseram perante ele.
E disse-lhe uma das mulheres: Ah! senhor meu, eu e esta mulher moramos numa casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa.
E sucedeu que, ao terceiro dia, depois do meu parto, teve um filho também esta mulher; estávamos juntas; nenhum estranho estava connosco na casa; somente nós duas naquela casa.
E de noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele.
E levantou-se à meia noite, e tirou o meu filho do meu lado, enquanto dormia a tua serva, e o deitou no seu seio; e a seu filho morto deitou no meu seio.
E, levantando-me eu pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando pela manhã para ele, eis que não era meu filho, que eu havia tido.
Então disse à outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto. Porém esta disse: Não, por certo, o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Assim falaram perante o rei.
Então disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta outra diz: Não, por certo, o morto é teu filho e meu filho o vivo.
Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante do rei.
E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo; e dai metade a uma, e metade a outra.
Mas a mulher, cujo filho era o vivo, falou ao rei (porque as suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho), e disse: Ah! senhor meu, dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o.
Então respondeu o rei, e disse: Dai a esta o menino vivo, e de maneira nenhuma o mateis, porque esta é sua mãe.
E todo o Israel ouviu o juízo que havia dado o rei, e temeu ao rei; porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça.
(I Reis, 3:16-28)
E disse-lhe uma das mulheres: Ah! senhor meu, eu e esta mulher moramos numa casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa.
E sucedeu que, ao terceiro dia, depois do meu parto, teve um filho também esta mulher; estávamos juntas; nenhum estranho estava connosco na casa; somente nós duas naquela casa.
E de noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele.
E levantou-se à meia noite, e tirou o meu filho do meu lado, enquanto dormia a tua serva, e o deitou no seu seio; e a seu filho morto deitou no meu seio.
E, levantando-me eu pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando pela manhã para ele, eis que não era meu filho, que eu havia tido.
Então disse à outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto. Porém esta disse: Não, por certo, o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Assim falaram perante o rei.
Então disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta outra diz: Não, por certo, o morto é teu filho e meu filho o vivo.
Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante do rei.
E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo; e dai metade a uma, e metade a outra.
Mas a mulher, cujo filho era o vivo, falou ao rei (porque as suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho), e disse: Ah! senhor meu, dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o.
Então respondeu o rei, e disse: Dai a esta o menino vivo, e de maneira nenhuma o mateis, porque esta é sua mãe.
E todo o Israel ouviu o juízo que havia dado o rei, e temeu ao rei; porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça.
(I Reis, 3:16-28)
sexta-feira, janeiro 26, 2007
segunda-feira, janeiro 22, 2007
Viram por aí?
Viram por aí um "movimento de milhares de portugueses" que proteste pela criminosa lentidão dos tribunais portugueses?
Lobos
Quando, desertas as aldeias,
Caladas as canções do povo,
se levanta, encanecida,
sobre o pântano a neblina:
das florestas, sorrateiros,
um após outro, pelos campos,
saem os lobos para a caça.
Dos valentes, sete andam juntos,
e à cabeça, a comandar
vai o oitavo que é branco.
O cortejo misterioso
pelo nono lobo é fechado,
deitando sangue da pata,
atrás de todos a mancar.
Não há nada que os assuste.
Se acaso vão para a aldeia,
nem o cão lhes há-de ladrar,
e o camponês só de vê-los
nem se atreve a respirar,
murmura a sua oração,
fica mais branco que a cal.
Contornam a igreja os lobos,
por largo e sorrateiramente.
Entram para o quintal do padre,
as suas caudas remexendo.
À porta da taberna, à coca,
espetam todos as orelhas:
há blasfémias lá dentro?
Olhos como velas, os dentes
mais aguçados que sovelas.
Carrega lá treze metralhas
com pêlo de cabra, amigo,
sem medo, atira a matar.
Primeiro cairá o branco,
trás dele os outros vão tombar.
E quando na aldeia o galo
acordar quem ainda dorme,
nove velhas, e todas mortas,
verás espalhadas pela erva.
A da frente é a mais grisalha,
a de trás coxa, e todas nove
em sangue... Valha-nos Deus!
(Aleksei K. Tolstói, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra)
Caladas as canções do povo,
se levanta, encanecida,
sobre o pântano a neblina:
das florestas, sorrateiros,
um após outro, pelos campos,
saem os lobos para a caça.
Dos valentes, sete andam juntos,
e à cabeça, a comandar
vai o oitavo que é branco.
O cortejo misterioso
pelo nono lobo é fechado,
deitando sangue da pata,
atrás de todos a mancar.
Não há nada que os assuste.
Se acaso vão para a aldeia,
nem o cão lhes há-de ladrar,
e o camponês só de vê-los
nem se atreve a respirar,
murmura a sua oração,
fica mais branco que a cal.
Contornam a igreja os lobos,
por largo e sorrateiramente.
Entram para o quintal do padre,
as suas caudas remexendo.
À porta da taberna, à coca,
espetam todos as orelhas:
há blasfémias lá dentro?
Olhos como velas, os dentes
mais aguçados que sovelas.
Carrega lá treze metralhas
com pêlo de cabra, amigo,
sem medo, atira a matar.
Primeiro cairá o branco,
trás dele os outros vão tombar.
E quando na aldeia o galo
acordar quem ainda dorme,
nove velhas, e todas mortas,
verás espalhadas pela erva.
A da frente é a mais grisalha,
a de trás coxa, e todas nove
em sangue... Valha-nos Deus!
(Aleksei K. Tolstói, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra)
domingo, janeiro 21, 2007
(Vilhelm Hammershøi)
Sorrio-me com a ideia de que um blog nos pode roubar a alma, do mesmo modo que as máquinas fotográficas "roubam a alma" em algumas tribos primitivas. Mas não é verdade que se lêem coisas que dificilmente veriam a luz do dia em outro lado? Que se conhecem facetas de pessoas que antes eram desconhecidas? O anonimato deste blog tem também que ver com isto, para lá de todas as razões de ordem prática. Limita-se quem conhece ou pode reconhecer quem aqui escreve, omitindo muitos dos que são traços identitários da pessoa aqui deste lado. Consciente e deliberadamente. O resultado é uma personagem estranha, demasiado neutra, difícil de reconhecer pela própria: uma máscara de xamã.
terça-feira, janeiro 16, 2007
Demain, dès l'aube...
Demain, dès l'aube, à l'heure où blanchit la campagne,
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m'attends.
J'irai par la forêt, j'irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.
Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.
Je ne regarderai ni l'or du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et quand j'arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.
(Victor Hugo)
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m'attends.
J'irai par la forêt, j'irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.
Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.
Je ne regarderai ni l'or du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et quand j'arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.
(Victor Hugo)
domingo, janeiro 14, 2007
Dúvidas
Não gosto de quem tem demasiadas certezas e antevê-se que a campanha para o referendo sobre o aborto traga muita gente cheia de certezas. Talvez façam o seu papel, mas não deixam de me incomodar.
Interessar-me-ia muito mais o debate, com espaço para novas luzes sobre o tema, do que as certezas. Por exemplo, gostaria de perceber melhor o que é, afinal, esta especificidade portuguesa, que obriga a uma solução portuguesa diferente, com X semanas e pergunta Y no boletim de voto.
Não tenho dúvidas de que irei votar, porque acredito na democracia e sua na construção quotidiana. Os limites da marcação de referendos, desresponsabilizante dos deputados, para os eleitores poderiam ser discutidos. Assim como o convívio pacífico do Estado com códigos deontológicos de entidades de natureza corporativa em conflito com o espírito e a aplicabilidade prática da lei geral. Mas não compreendo a abstenção, que neste caso pode impedir que o referendo tenha um resultado vinculativo, caso em que terá de ser sujeito a interpretação, sempre incerta e subjectiva.
Votando Sim, não deixo de me comover com o rol de dezenas de abortos que algumas mulheres que conheci fizeram, usando-o como método contraceptivo. (Foi há muito tempo, embora os métodos contraceptivos continuem a não ser infalíveis.) Nem com as frias declarações de quem diz que, sem pensar duas vezes, faria um aborto, se uma gravidez surgisse na altura errada. (Já ouvi.) Penso no ser humano potencial, ainda inexistente, em que aquele corpo consiste. Que poderia até não sobreviver à gravidez. Mas que poderia um dia nascer e ser alguém, com um nome e com qualidades. Comove-me o rol de génios nascidos em condições sociais difíceis. (Mas também os desgraçados anónimos.)
Impressionam-me as escolhas difíceis que é preciso fazer: entre um ser humano potencial, e uma mulher que pode correr risco de vida ao fazer um aborto clandestino ou ver a sua vida muito afectada devido a um filho indesejado.
Lia, há dias, sobre a correlação entre a despenalização do aborto nos EUA e a diminuição das taxas de criminalidade por, presumivelmente, uma geração de filhos indesejados não ter nascido. Um dado importante num argumento consistia na comparação do valor de um recém-nascido com o de um embrião ou feto num estádio de desenvolvimento recuado, atribuindo números a essa comparação. "Um recém-nascido vale o mesmo que quantos embriões?" Como se fosse possível responder!
O homúnculo da figura é o predecessor daquilo que a ciência nos permite hoje chamar espermatozóide, ovo, embrião e feto. Nos tempos da superstição, foi permitido que, em algumas culturas, fosse possível matar recém-nascidos impunemente e, noutras, defendendo também um ser humano potencial, fossem consideradas inaceitáveis todas as formas de "desperdício" de sémen.
Hoje a morte cerebral determina, por convenção, a morte jurídica de um ser humano. E sabemos que os homúnculos não existem. Mas a palavra "potencial" não deixa de me ressoar na consciência, não só pelo seu significado negativo, mas também, e principalmente, pelo positivo. Compreendem-me?
Interessar-me-ia muito mais o debate, com espaço para novas luzes sobre o tema, do que as certezas. Por exemplo, gostaria de perceber melhor o que é, afinal, esta especificidade portuguesa, que obriga a uma solução portuguesa diferente, com X semanas e pergunta Y no boletim de voto.
Não tenho dúvidas de que irei votar, porque acredito na democracia e sua na construção quotidiana. Os limites da marcação de referendos, desresponsabilizante dos deputados, para os eleitores poderiam ser discutidos. Assim como o convívio pacífico do Estado com códigos deontológicos de entidades de natureza corporativa em conflito com o espírito e a aplicabilidade prática da lei geral. Mas não compreendo a abstenção, que neste caso pode impedir que o referendo tenha um resultado vinculativo, caso em que terá de ser sujeito a interpretação, sempre incerta e subjectiva.
Votando Sim, não deixo de me comover com o rol de dezenas de abortos que algumas mulheres que conheci fizeram, usando-o como método contraceptivo. (Foi há muito tempo, embora os métodos contraceptivos continuem a não ser infalíveis.) Nem com as frias declarações de quem diz que, sem pensar duas vezes, faria um aborto, se uma gravidez surgisse na altura errada. (Já ouvi.) Penso no ser humano potencial, ainda inexistente, em que aquele corpo consiste. Que poderia até não sobreviver à gravidez. Mas que poderia um dia nascer e ser alguém, com um nome e com qualidades. Comove-me o rol de génios nascidos em condições sociais difíceis. (Mas também os desgraçados anónimos.)
Impressionam-me as escolhas difíceis que é preciso fazer: entre um ser humano potencial, e uma mulher que pode correr risco de vida ao fazer um aborto clandestino ou ver a sua vida muito afectada devido a um filho indesejado.
Lia, há dias, sobre a correlação entre a despenalização do aborto nos EUA e a diminuição das taxas de criminalidade por, presumivelmente, uma geração de filhos indesejados não ter nascido. Um dado importante num argumento consistia na comparação do valor de um recém-nascido com o de um embrião ou feto num estádio de desenvolvimento recuado, atribuindo números a essa comparação. "Um recém-nascido vale o mesmo que quantos embriões?" Como se fosse possível responder!
O homúnculo da figura é o predecessor daquilo que a ciência nos permite hoje chamar espermatozóide, ovo, embrião e feto. Nos tempos da superstição, foi permitido que, em algumas culturas, fosse possível matar recém-nascidos impunemente e, noutras, defendendo também um ser humano potencial, fossem consideradas inaceitáveis todas as formas de "desperdício" de sémen.
Hoje a morte cerebral determina, por convenção, a morte jurídica de um ser humano. E sabemos que os homúnculos não existem. Mas a palavra "potencial" não deixa de me ressoar na consciência, não só pelo seu significado negativo, mas também, e principalmente, pelo positivo. Compreendem-me?
Mandamento número -29 da blogosfera
Jamais expor a intimidade. Freud situou a apropriação da noção de pudor na mais tenra infância, mas parece que há adultos que não entendem que, quer a sua vida íntima seja "feliz" ou "infeliz", a sua exposição não poderá deixar de ser sórdida para quem dela toma conhecimento.
(Vilhelm Hammershøi)
Descobri Hammershøi num blog. Só por isso, já teria valido a pena a blogosfera. Como é que a Taschen o deixou escapar, pergunto-me. Será pouco comercial? Sorte do Abrigo de Pastora, de qualquer modo. "Pintor da luz e da solidão", "mistura entre Vermeer e Hopper" (e não é mesmo?), "o Vermeer dinamarquês", é também o gosto previsível desta pastora apanhado em flagrante.
Estas mulheres de costas, sempre de preto... quem são? (É a mulher de Hammershøi, mas se não soubéssemos...) Como são? O que estão a pensar? Parecem viúvas. O que estão a pensar? Estarão a chorar? Ou a conter as lágrimas, já que não podem fugir da cena? Têm tarefas domésticas para cumprir. Será que alguma vez nos chegamos a conhecer uns aos outros, ou as epidermes serão sempre máscaras? Será a figura de uma mulher de costas um retrato do melhor que conseguimos entender os outros? O que estará a pensar?
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