terça-feira, março 06, 2007

GGM, 80!

- És um anjo - disse-lhes. - Vinha de certeza por causa do menino, mas o pobre está tão velho que a chuva o atirou ao chão.

No dia seguinte toda a gente sabia que em casa de Pelayo tinham cativo um anjo de carne e osso. Contra o critério da vizinha sábia, para quem os anjos de agora eram sobreviventes fugitivos de uma conspiração celestial, não tinham tido coragem para o matar à paulada. Pelayo esteve a vigiá-lo toda a tarde da cozinha, armado com o seu arrocho de aguazil, e antes de se deitar tirou-o de rastos do lodaçal e fechou-o com as galinhas no galinheiro cercado de arame. À meia-noite, quando a chuva parou, Pelayo e Elisenda continuavam a matar caranguejos. Pouco depois o menino acordou sem febre e com vontade de comer. Então sentiram-se magnânimos e decidiram pôr o anjo numa jangada, com água doce e provisões para três dias e abandoná-lo à sua sorte no alto mar. Mas quando saíram para o pátio com as primeiras luzes, encontraram toda a vizinhança diante do galinheiro, retoiçando com o anjo sem a menor devoção e atirando-lhe coisas para comer pelos buracos do arame, como se não fosse uma criatura sobrenatural mas um animal de circo.


(in "Um Senhor Muito Velho com umas Asas Enormes" (1968), conto de "A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da sua Avó Desalmada", Gabriel García Márquez, Quetzal, 1995. Tradução de Pedro Tamen.)

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