
(Auguste Rodin)
Onde estaria agora a sua adolescência? Onde estaria a alma que se afastara outrora do seu destino para examinar, sozinha, a vergonha das suas chagas e para, no seu asilo de sordidez e de subterfúgios, se revestir realmente com velhas colgaduras desbotadas, com grinaldas que murchavam ao menor contacto? Ou, onde estava ele?
Estava só. Estava esquecido de todos, feliz, rente ao coração selvagem da vida. Estava só e jovem, cheio de vontade, e selvagem, só num deserto de ar livre, de águas salgadas, entre a colheita marinha de conchas e de algas, entre a claridade opaca do sol velado, entre as silhuetas alegres e claras de crianças e de raparigas, entre as vozes infantis e virginais que enchiam o ar.
Uma rapariga apareceu diante dele, de pé no meio da corrente - sozinha e tranquila, contemplando o largo. Era como se magicamente tivesse sido transformada numa ave marinha, estranha e bela. As suas pernas nuas, longas e esguias, eram delicadas como as de uma grua, e imaculadas, excepto no lugar onde uma fita de alga cor de esmeralda se incrustara como se fosse um sinal sobre a carne. As suas coxas, mais cheias, de uma coloração suave como a do marfim, estavam cobertas quase até às ancas, onde as alvas franjas das calças eram como a penugem de uma plumagem alva e macia. A sua saia azul-ardósia, arrojadamente arregaçada até à cintura, caía atrás como cauda de pombo; o peito era semelhante ao de um pássaro, macio e leve, leve e macio como o pescoço de uma rola de plumagem escura; mas os seus longos cabelos loiros eram de menina, e virginal, tocada pelo deslumbramento de uma beleza mortal, era a sua face.
Estava sozinha e tranquila, contemplando o mar; e, quando lhe sentiu a presença e o olhar maravilhado, volveu até ele os olhos numa calma aceitação, sem pejo nem luxúria. Muito, muito tempo sustentou ela aquela contemplação e depois, calma, virou-os para a corrente, enrugando a água para cá e para lá, graciosamente, com a ponta do pé. O primeiro rumor leve da água assim agitada rompeu o silêncio, suave e leve, e sussurrante, leve como os sinos do sono; para cá e para lá, para lá e para cá; um leve rubor tremulava na face da rapariga.
- Deus do Céu! - exclamou a alma de Stephen numa explosão de alegria profana.
Afastou-se bruscamente e começou a correr através da praia. O seu rosto estava afogueado; o seu corpo era um braseiro, tremiam-lhe os membros. Caminhou, caminhou, a passos largos, para lá das dunas, cantando um hino selvagem ao mar, gritando para saudar o advento da vida cujo apelo acabara de o atingir.
A imagem da rapariga entrara na sua alma para sempre, e contudo palavra alguma quebrara o silêncio sagrado do seu arroubo. Os olhos dela tinham-no chamado e a sua alma saltara a tal apelo. Viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida com a vida! Um anjo selvagem lhe aparecera, anjo da mocidade e da beleza mortal, mensageiro das cortes esplêndidas da vida, escancarando diante dele, num instante de êxtase, os portões de todos os caminhos do erro e da glória. Seguir, seguir, sempre para diante! Para diante!
Parou de repente e ouviu o coração bater no silêncio. Até onde se aventurara? Que horas seriam?
O Filipe Alves, do Respública, escreveu numa caixa de comentários do AdP:
Acho que as suposições a respeito do "sequestro" de Lúcia e da sua falta de lucidez não passam disso mesmo, suposições... quem não tem fé não consegue compreender que existe quem queira viver afastado do mundo.
Aos blogs Somatos, Neo-normal e Kitanda, respectivamente, pela dedicatória, pelo destaque e pela confiança: obrigada!
E aos 99 blogs que têm ligações para este Abrigo, muito obrigada também!
Aprecio a clareza com que neoliberais como o autor d'O Observador defendem os seus pontos de vista. No entanto, gostaria de ter alguma base de consenso para, a partir daí, ser possível o diálogo. Mas não sei qual possa ser. Porque me parece que ele não concorda com este texto:
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade."(Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. 1.º).
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.(Constituição da República Portuguesa, Art. 13.º - Princípio da igualdade).
Aos blogs H Gasolim Ultramarino, pelas palavras simpáticas; A Caminho, pela recomendação; e Por Tu Graal, Luis Moutinho e Boticário de Província, pela atenção: obrigada!
Laurindinha põe a máscara de gente de carne e osso e vai à feira do livro de Lisboa de 2004, que está no seu segundo dia. Faz a melhor colheita do ano: três livros que são três clássicos do século XX e que, por uma razão ou por outra, só muito recentemente foram editados ou reeditados. Um já foi lido, emprestado, em edição esgotadíssima. Está um tempo morno, mas com uma brisa agradável, daquelas que uma primavera em Lisboa nos oferece. Vai até à esplanada panorâmica e pede uma água fresca. Senta-se e contempla o casario de Lisboa, o castelo e o Tejo. Ouve ao lado que, lá longe, é o castelo de Palmela. Abre os sacos, cheira os livros e folheia-os com curiosidade. Por detrás da máscara, Laurindinha sorri.
Dois estudos de 2002, um da Academia Americana de Pediatria e outro do Colégio Oficial de Psicólogos de Madrid pronunciaram-se a favor.e ainda
«O importante de um lugar não é a sua forma exterior, se está construído em pedra ou em madeira. O mais importante, realmente, é que sirva para as funções de protecção que deve exercer», conclui o estudo do Colégio de Psicólogos. Neste, os peritos analisaram as dinâmicas familiares de 28 famílias «homoparentais» e encontraram «níveis elevados de afecto e comunicação e níveis geralmente baixos de conflito».
As vozes contra não põem em causa o amor e carinho com que os homossexuais podem educar uma criança. Mas defendem: «Para a identificação e maturação da sua personalidade precisam de um modelo feminino e masculino, diferenciado anatómica e psiquicamente.».Mas é ao Estado que compete encontrar os modelos ideiais de pais (tipo Barbie e Ken?), ou este deve simplesmente dar o apoio necessário a pais solteiros, divorciados ou viúvos, ou aos que dele precisem? Note-se que o Estado já permite a adopção a pessoas "singulares", caso em que não estão presentes os tais modelos masculino e feminino, o que indica que este factor não foi considerado assim tão decisivo.
Dias depois, ela dirigiu-se-lhe, oferecendo-se para lhe pagar um corte de barba e cabelo no barbeiro da rua e um fato novo. Foram os dois até casa dela, onde ele tomou um banho e vestiu o fato, envergonhado. Foi sempre ela que falou, e falou-lhe, a sorrir, na "vidinha de pequena-burguesa" que levava. Ele manteve-se calado. Tomou o pequeno-almoço. Ela quis ir com ele à Segurança Social ou ao Centro de Emprego. Então, ele disse, em voz baixa, que já estava inscrito. Olharam-se nos olhos. Ela ganhou coragem e perguntou-lhe como tinha acabado assim. E ele contou que tinha ficado viúvo e que perdera o interesse pelo trabalho, pelas refeições, pela higiene e, finalmente, pela vida. Perdera o emprego e, pouco a pouco, tudo o resto. Afogou as mágoas em todas as formas de álcool.
Quis morrer. Mas não é fácil, a morte. Podia facilmente comprar uma corda, mas onde é que se encontra onde enlaçá-la? E como chegar lá? Um dia, foi a uma loja de produtos para a agricultura pedir 605 Forte, mas a senhora que o atendeu olhou para ele e, clarividente, mandou-o embora.
Ela propôs-lhe que procurassem um trabalho para ele. Iriam responder a anúncios, percorrer ruas e lojas, inscrever-se em empresas intermediárias, até encontrar alguma coisa. E encontraram. Um trabalho pouco qualificado, mas que lhe permitiu pagar um quarto numa pensão. Seis meses depois, encontrou um emprego melhor.
Nunca mais se viram. Aliás, nem chegaram a saber o nome um do outro.
A abstenção é um "tema fracturante" entre os leitores do AdP. Dizem os abstinentes (só pelo nome, já deviam ter vergonha!) ou que não há escolha, porque todos os partidos são iguais, ou que são os políticos portugueses que sofrem de uma maleita generalizada que os torna preguiçosos e corruptos.
Posso conceder que, actualmente, não há muito lugar para a imaginação dentro dos partidos e que os políticos que temos são um reflexo da sociedade que somos.
Dito isto, o que pode ser feito? Até me parece bem simples, depois do que escrevi: procurar ter ideias criativas (e os blogs são um bom meio para as divulgar) e procurar ser melhor no dia-a-dia, nomeadamente a nível da participação cívica.
Agora pergunto-me: será que os abstencionistas são pessoas que intervêm de forma activa e original na sua comunidade? Ou será que são os que, quer seja numa aasembleia de meia dúzia de pessoas, quer seja nas eleições a nível nacional, estão só disponíveis para criticar destrutuivamente, e nunca para propor alternativas?
É que me parece que a auto-responsabilização, que é também uma emancipação de um estado de impotência infantil, a nível de participação democrática, começa nas pequenas coisas.
Ver também: "Os políticos profissionais", "Sobre a abstenção", "E se...?", "O azul dos olhos de Salgueiro Maia" e "Curioso".
Nota: há ainda outro motivo, mais prosaico, para se ir votar. Em termos de contagens das percentagens de votos dos partidos, não é a mesma coisa um abstencionista, um voto em branco, um voto num partido sem representação parlamentar e um voto num partido com representação parlamentar.