domingo, fevereiro 13, 2005

Mártires da Igreja (II)

"Deus suspirou e, no tom monocórdico de quem preferiu adormecer a piedade e a misericórdia, começou a ladainha, por ordem alfabética para evitar melindres de precedências, Adalberto de Praga, morto por um espontão de sete pontas, Adriano, morto à martelada sobre uma bigorna, Afra de Ausburgo, morto na fogueira, Agapito de Preneste, morto na fogueira, pendurado pelos pés, Agrícola de Bolonha, morto crucificado e espetado com cravos, Águeda de Sicília, morta com os seios cortados, Alfégio de Cantuária, morto a golpes de osso de boi, Anastácio de Salona, morto na forca e decapitado, Anastásia de Sírmio, morta na fogueira e com os seios cortados, Ansano de Sena, morto por arrancamento das vísceras, Antonino de Pamiers, morto por esquartejamento, António de Rivoli, morto à pedrada e queimado, Apolinário de Ravena, morto a golpes de maça, Apolónia de Alexandria, morta na fogueira depois de lhe arrancarem os dentes, Augusta de Treviso, morta por decapitação e queimada, Aura de Óstia, morta por afogamento com uma mó ao pescoço, Áurea de Síria, morta por dessangramento, sentada numa cadeira forrada de cravos, Auta, morta à frechada, Balilas de Antioquia, morto por decapitação, Bárbara de Nicodemia, morta por decapitação, Barnabé de Chipre, morto por delapidação e queimado, Beatriz de Roma, morta por estrangulamento, Benigno de Dijon, morto à lançada, Blandina de Lião, morta a cornadas de um touro bravo, Brás de Sebaste, morto por cardas de ferro, Calisto, morto com uma mó ao pescoço, Cassiano de Ímola, morto pelos seus alunos com um estilete, Castulo, morto por enterramento em vida, Catarina de Alexandria, morta por decapitação, Cecília de Roma, morta por degolamento, Cipriano de Cartago, morto por decapitação, Ciro de Tarso, morto, ainda criança, por um juiz que lhe bateu com a cabeça nas escadas do tribunal, Claro de Nantes, morto por decapitação, Clemente, morto por afogamento com uma âncora ao pescoço, Crispim e Crispiano de Soissons, mortos por decapitação, Cristina de Bolsano, morta por tudo quanto se possa fazer com mó, roda, tenazes, flechas e serpentes, Cucufate de Barcelona, morto por esventramento, chegando ao fim da letra C, Deus disse, Para diante é tudo igual, ou quase, já são poucas as variações possíveis, excepto as de pormenor, que, pelo refinamento, levariam muito tempo a explicar, fiquemo-nos por aqui, (...)"

(in "O Evangelho segundo Jesus Cristo", José Saramago, Caminho)

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