"Entre os corolários da doutrina de que não existe coisa que não esteja compensada por outra, há um de muito pouca importância teórica, mas que nos induziu, em fins ou no princípio do século X, a dispersar-nos pela face da terra. Cabe nestas palavras: Existe um rio cujas águas dão imortalidade; nalguma região haverá outro rio cujas águas a apaguem. O número de rios não é infinito; um viajante imortal que percorra o mundo acabará, algum dia, por ter bebido de todos. Propusemo-nos descobrir esse rio. A morte (ou a sua alusão) torna os homens preciosos e patéticos. Estes comovem pela sua condição de fantasmas; cada acto que executam pode ser o último; não há rosto que não esteja por apagar-se como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o calor do irrecuperável e do fortuito. Entre os Imortais, ao contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o fiel presságio de outros que no futuro o repetirão até à vertigem. Não há coisa que esteja como que perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é preciosamente precário. O elegíaco, o grave, o cerimonioso não vigoram para os Imortais. Homero e eu separámo-nos às portas de Tânger; creio que não nos dissemos adeus."
(do conto "O Imortal", parte IV, in "O Aleph", Jorge Luis Borges, Editorial Estampa)
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