"Tudo me foi esclarecido naquele dia. Os trogloditas eram os Imortais; o riacho de águas arenosas era o rio que o cavaleiro buscava. Quanto à cidade, cujo renome se havia espalhado até ao Ganges, fora assolada pelos Imortais há nove séculos. Com as relíquias da sua ruína ergueram, no mesmo lugar, a desatinada cidade que eu percorri: espécie de paródia ou reverso e também templo dos deuses irracionais que governam o mundo e dos quais nada sabemos, salvo que não se parecem com o homem. Aquela fundação foi o último símbolo a que os Imortais condescenderam; marca uma fase em que, julgando vã qualquer empresa, determinaram viver no pensamento, na pura especulação. Erigiram a obra, esqueceram-na e foram morar nas cavernas. Absortos, quase não percebiam o mundo físico.
"Homero narrou essas coisas como quem fala com uma criança. Também me falou da sua velhice e da derradeira viagem que empreendeu, movido, como Ulisses, pelo propósito de chegar aos homens que não conhecem o mar, não comem carne temperada com sal, nem suspeitam o que seja um remo. Morou um século na Cidade dos Imortais. Quando a derrubaram, aconselhou a fundação de outra. Isto não deve surpreender-nos: diz-se que, depois de cantar a guerra de Ílion, cantou a guerra das rãs e dos ratos. Foi como um deus que criasse o cosmos e em seguida o caos."
(do conto "O Imortal", parte IV, in "O Aleph", Jorge Luis Borges, Editorial Estampa)
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