No edifício em frente à casa com a qual cercava um pátio, havia, para além dos currais dos animais, num primeiro andar, uma oficina de sapateiro. As teias de aranha, que se lançavam dos cantos da divisão, filtravam a luz que entrava pela janela virada a sul, conferindo-lhe uma atmosfera mágica. Os moldes de madeira, de vários feitios e tamanhos desde o de pés de crianças, emprestavam-lhe um cheiro de carpintaria. As prateleiras estavam cobertas de utensílios, materiais diversos e umas quantas botas.
Naquela terra, havia um único sapateiro, que era o mais pobre dos homens. Não tinha herdado terras para cultivar, pelo que teve de aprender aquele ofício, cujo aprendizado lhe saiu caro, considerando que a família quase nada tinha de seu. Calcorreava, sempre que o chamavam, serras atrás de serras, para dedicar dias inteiros, numa casa, a consertar e a fazer novos sapatos para todos os membros de uma família, ou pelo menos para os que precisavam deles para a missa ou para o trabalhos mais duros do campo. A remuneração era feita em géneros, na proporção que os patrões do dia achavam justo e podiam pagar, mas sempre escassa para alimentar mulher e filhos que, em casa, esperavam por uma ceia acompanhada, pelo menos, com um pedaço de broa dura. Aprendeu, por isso, a caçar e a pescar, e por vezes tinha de pisar o risco da lei para que não passassem fome.
Foi esta modelação do temperamento e as histórias vividas que contava que o tornaram um companheiro admirável de roda de fogueira.
Sem comentários:
Enviar um comentário