sexta-feira, novembro 05, 2004

Pó de Simpatia (V)

- Mas então se tudo atrai tudo, por qual motivo os elementos e os corpos permanecem divididos e não se tem a colisão de qualquer força com outra?

- Pergunta aguda. Mas como os corpos que têm igual peso se unem mais facilmente, e o azeite se une mais facilmente com o azeite do que com a água, temos de concluir que o que mantém consolidados os átomos de uma mesma natureza é a sua raridade ou densidade, como também poderiam dizer-vos os filósofos que frequentais.

- E disseram-mo, provando-mo com as diversas espécies de sal: que sejam moídos ou coagulados de que maneira for, retomam sempre a sua forma natural, e o sal comum apresenta-se sempre em cubos de faces quadradas, o sal nitro em colunas de seis faces, e o sal amoníaco em hexágonos de seis pontas, como a neve.

- E o sal da urina forma-se em pentágonos, donde o senhor Davidson explica a forma de cada uma das oitenta pedras retiradas da bexiga do senhor Pelletier. Mas se os corpos de forma análoga se misturam com mais afinidade, com maior razão se atrairão com mais força que os outros. Por isso se queimardes uma mão obtereis refrigério do sofrimento mantendo-a por um pouco junto do fogo.

- O meu preceptor, uma vez que um camponês foi mordido por uma víbora, pôs em cima da ferida a cabeça da víbora...

- Certo. O veneno, que estava a infiltrar-se para o coração, retornava à sua fonte principal onde existia em maior quantidade. Se em tempos de peste meterdes numa caixa pó de sapos, ou até um sapo e uma aranha vivos, ou mesmo arsénico, esta substância venenosa atrairá a si a infecção do ar. E as cebolas secas fermentam no celeiro quando as da horta começam a despontar.


(in "A Ilha do Dia Antes", Umberto Eco, Círculo de Leitores)

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