Creio que, numa época em que as desinfecções eram sumárias, só o facto de lavar diariamente a ferida já era uma causa suficiente de cura, mas não se pode censurar Roberto se passou os dias seguintes a interrogar o amigo sobre aquele tratamento, que além do mais lhe recordava a empresa do carmelita a que assistira na sua infância. Salvo que o carmelita aplicara o pó na arma que havia provocado o dano.
- Com efeito - respondeu Igby -, a disputa sobre o unguentum armarium dura há muito tempo, e o primeiro a falar dele foi o grande Paracelso. Muitos usam uma pasta gordurosa, e consideram que a sua acção se exerce melhor sobre a arma. Mas como vós compreendeis, arma que fere ou pano que enfaixa são a mesma coisa, porque o preparado se deve aplicar onde há sinais de sangue do ferido. Muitos, vendo tratar a arma para tratar os efeitos do golpe, pensam numa operação de magia, enquanto o meu Pó de Simpatia tem os seus fundamentos nas operações da Natureza!
- Porquê Pó de Simpatia?
- O nome aqui também poderá levar ao engano. Muitos têm falado de uma conformidade ou simpatia que ligaria entre si as coisas. Agrippa diz que para suscitar o poder de uma estrela será preciso fazer referência às coisas que lhe são semelhantes e portanto recebem a sua influência. E chama simpatia a esta atracção mútua das coisas entre si. Como sucede com o pez, com o enxofre e com o óleo se prepara a madeira para receber a chama, assim empregando coisas conformes à operação e à estrela, reverbera-se um benefício particular sobre a matéria justamente disposta por meio da alma do mundo. Para influir sobre o sol dever-se-ia assim agir sobre o ouro, solar por natureza, e sobre as plantas que se viram para o sol, ou que se vergam ou fecham as folhas ao pôr do Sol para as reabrir ao seu nascimento, como o lótus, a peónia ou a quelidónia. Mas estas são lendas, não basta uma analogia deste género para explicar as operações da Natureza.
(in "A Ilha do Dia Antes", Umberto Eco, Círculo de Leitores)
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