segunda-feira, novembro 01, 2004

Pó de Simpatia (I)

Logo o senhor de Igby o enfaixou com uma das suas jarreteiras, para fechar as veias, mas no decorrer de poucos dias a ferida ameaçava transformar-se em gangrena, e o cirurgião disse que era necessário amputar o braço.

Foi nessa altura que Igby ofereceu os seus préstimos, advertindo porém que poderiam considerá-lo um mistificador, e pedindo a todos que nele confiassem. O mosqueteiro, que agora já não sabia para que santo voltar-se, respondeu com um provérbio espanhol: Hágase el milagro, y hágalo Mahoma.

Igby pediu-lhe então um pedaço de pano onde houvesse sangue da ferida, e o mosqueteiro deu-lhe uma peça que o protegera até ao dia antes. Igby mandou trazer uma celha de água e deitou-lhe dentro pó de vitríolo, derretendo-o rapidademente. Depois pôs a peça na bacia. Improvisadamente o mosqueteiro, que entretanto se distraíra, estremeceu agarrando-se ao braço ferido; e disse que de repente lhe cessara o ardor, e até tinha uma sensação de frescura na chaga.

- Bem - disse Igby -, agora só tendes de manter a ferida limpa lavando-a todos os dias com água e sal, de modo que possa receber o justo influxo. E eu irei expor esta celha, de dia à janela, e de noite ao canto da chaminé, de modo a conservá-la sempre a uma temperatura moderada.

Como Roberto atribuiu a repentina melhoria a qualquer outra causa, Igby, com um sorriso de cumplicidade pegou na peça de roupa e secou-a à chaminé, e logo o mosqueteiro começou a queixar-se, pelo que foi necessário molhar de novo o pano na solução.

A ferida do mosqueteiro curou-se no prazo de uma semana.


(in "A Ilha do Dia Antes", Umberto Eco, Círculo de Leitores)

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