B. Mesmo no Taiti... o intervalo que medeia entre um homem e uma mulher seria ultrapassado pelo que estivesse mais ardentemente enamorado. Se ambos ficam à espera, se ambos fogem, se andam a perseguir-se, a evitar-se, a atacar-se, é porque a paixão, desigual nos seus processos, não se empenha neles com a mesma força. Donde resulta que a volúpia se derrame, se consuma e se extinga por um lado, quando começa a acender-se pelo outro, acabando ambos reduzidos à tristeza. Tal é a imagem do que se passaria entre dois seres jovens, livres e perfeitamente inocentes. Mas, sempre que a mulher conheceu, por experiência ou educação, as consequências mais ou menos cruéis de um momento de doçura, o seu coração arreceia-se com a aproximação do homem. O coração do homem não se arreceia; comandam nele os sentidos e ele obedece. Os sentidos da mulher entram em explicações e ela tem receio de os escutar. Cabe ao homem distraí-la desse medo, inebriá-la e seduzi-la. O homem conserva todo o seu impulso natural face à mulher; o impulso natural da mulher perante o homem, na linguagem do geómetra, está na razão directa da paixão e inversa do temor; razão que se complica com um sem número de elementos que concorrem na sua quase totalidade para aumentar a pusilanimidade de um sexo e a duração da perseguição do outro. É uma espécie de táctica em que os recursos da defesa e os meios de ataque se dispuseram na primeira linha; consagrou-se a resistência da mulher; considera-se ignominiosa a violência do homem; uma violência que em Taiti não passa de leve ofensa torna-se nas nossas cidades um crime.
(Diderot, "Suplemento à viagem de Bougainville ou Diálogo entre A e B sobre o inconveniente de se atribuir valor moral a certos actos físicos que não têm moral nenhuma")
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