Sextina
Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade
para não tornar co tempo!
Tôdalas coisas, per tempo,
passam, como dia e noute;
üa só, minha vontade,
não, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto há sol,
nela em quanto não há dia.
Mal quero per um só dia
a todo outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaxo minha vontade.
Dentro na minha vontade
não há momento do dia
que não seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute:
no milhor, pon-se-me o sol!
Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pon-se-me üa escura noute
sobre a lembrança de um dia...
Inda mal porque houve tempo
e porque tudo foi terra.
Haver de ser tudo terra
quanto há debaxo de sol
me descansa, porque o tempo
me vingará da vontade;
se não que antes deste dia
há-de passar tanta noute!
(Bernardim Ribeiro)
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