Depois de deixar a filha no liceu Gúrov dirigiu-se para o Slaviánski Bazer. Deixou a peliça em baixo, subiu as escadas e bateu com cautela à porta. Anna Serguéevna, no vestido cinzento preferido dele, que estava ainda cansada da viagem e de ter esperado tanto desde o dia anterior; estava pálida, olhava para ele e não sorria mas, mal ele entrou, apertou-se-lhe contra o peito. O beijo foi longo, infinito, como se já não se beijassem há dois anos.
— Então, como vai a tua vida? — perguntou Gúrov. — Novidades?
— Espera, já te conto... Não, não posso.
Não podia falar porque chorava. Virou-lhe as costas e apertou o lenço contra os olhos.
«Que chore, que desabafe, temos tempo» — pensou e sentou-se na poltrona.
Tocou à campainha e pediu chá; já bebia o chá e ainda ela chorava, de pé, voltada para a janela... Chorava de emoção, da consciência amarga da vida deles ter aquela triste sina; por se verem à socapa, se esconderem das pessoas como ladrões! Então não era uma vida arruinada?
— Deixa, por favor! — pediu ele.
Era claro para ele que este amor não acabaria tão cedo, sabia-se lá quando acabaria. Anna Serguéevna afeiçoava-se-lhe cada vez mais, adorava-o, seria insuportável dizer-lhe que tudo tinha de acabar um dia; também, ela não ia acreditar.
Aproximou-se dela e pousou-lhe as mãos nos ombros, queria acarinhá-la, dizer-lhe um gracejo, e nesse instante viu-se no espelho.
Já tinha cabelos brancos. Parecia-lhe estranho que tivesse envelhecido tanto nos últimos anos, que estivesse a perder tão depressa o seu ar de homem bem-parecido. Os ombros onde deixara esquecidas as mãos estavam tépidos, tremiam. Sentiu compaixão por aquele ser, aquela criatura viva ainda tão quente e bonita que decerto não tardaria, como ele, a perder o viço, a murchar. Por que gosta tanto dele? Ele sempre pareceu às mulheres uma coisa diferente do que era na realidade, elas nunca gostaram do que nele havia de si próprio, mas de um homem criado na imaginação delas, do homem que toda a vida procuraram ansiosamente; e depois, quando caíam em si e descobriam o engano, continuavam mesmo assim a amá-lo. Nenhuma fora feliz com ele. O tempo passava, conhecia novas, namorava-as, despedia-se, mas nenhuma vez ele amou; nele, pode ter havido tudo menos amor.
E só agora, com o cabelo a encanecer, descobria o verdadeiro amor, um amor a sério — pela primeira vez na vida.
Anna Serguéevna e ele amavam-se como pessoas muito chegadas, íntimas, como marido e mulher, como ternos amigos; parecia que o destino os fizera um para o outro e era impossível que ambos estivessem casados com pessoas alheias a eles; como se fossem aves migratórias, macho e fêmea, apanhadas e obrigadas a viverem em gaiolas diferentes. Agora, perdoavam um ao outro aquilo que do passado lhes era vergonhoso, agora perdoavam-se tudo e sentiam que o amor os transformara a ambos.
Antes, nos momentos de tristeza, Gúrov acalmava-se com todo o género de raciocínios que lhe passavam pela cabeça, mas agora não estava para raciocinar, sentia, sentia uma profunda compaixão, queria ser sincero, meigo...
— Deixa, queridinha — dizia. — Já choraste, já chega... Agora vamos falar, havemos de encontrar alguma coisa.
Depois conversaram longamente, pensavam na maneira de se livrarem daquela necessidade de se esconder, de mentirem, de viverem em cidades diferentes sem se poder ver durante tanto tempo. Como ficarem livres daquela peia insuportável?
— Como? Como? — perguntava ele, levando as mãos à cabeça. — Como?
Parecia-lhes que não tardariam a encontrar a solução e que, então, chegaria a hora de uma vida nova, maravilhosa; e era claro para ambos que o fim estava ainda muito longe e que o mais complicado e difícil mal começara.
(Anton Tchékhov, "A Senhora do Cãozinho" in "Contos", Vol. II, traduzidos por Nina Guerra e Filipe Guerra, Relógio D'Água)
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