As Capelas Imperfeitas
O Panteão nunca chegou a ser acabado, daí provindo a designação de Capelas Imperfeitas ou Incompletas.
(de uma brochura sobre o Mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha)
I. Os alicerces
Num belo país, cheio de montanhas, rios e prados, viveu, há já muitos anos, um pastor. Era jovem e alegre, e gostava de correr pelas planícies, a juntar o gado, e de sentir o vento na cara e no cabelo e o calor de um sol de Primavera a dourar-lhe as faces.
Tinha uma flauta que lhe tinha sido dada pelo avô, que também era pastor e sabia fazer flautas. Quando este morreu, numa amena noite de Verão, enquanto pastoreava na planície, tinha reunido uma vasta colecção delas, de todos os tamanhos e feitios. Nessa noite, o seu neto sonhou que todas aquelas flautas se erguiam no ar e tocavam uma melodia muito suave, como se estivessem nas mãos de anjos. E foi assim que o menino decidiu ser pastor.
Aprendera a gostar da natureza: desde as rochas à chuva, às formigas e às árvores. E até aprendeu a gostar do silêncio e da solidão. Na realidade, não era verdadeira solidão. Como pode sentir-se só quem está rodeado de uma enorme diversidade de seres vivos, cada um deles com a sua beleza especial, inundado de sons e imagens de magia, e perservado das mais maliciosas criaturas que existem na Terra, os homens?
Estimava muito a sua flauta, e nela inventou muitas melodias. Tudo à sua volta parecia alegrar-se com a sua música.
Um dia houve uma grande tempestade. No dia seguinte, quando o pastor pôde sair da gruta onde se abrigara com o gado, tinha-se levantado um bonito sol, e não tardou a que tudo começasse a enxugar. O cheiro da terra molhada e aquele sol risonho deram ao menino vontade de tocar na flauta. À medida que tocava, e sem que desse por isso, foi-se aproximando dele um pequeno pássaro azul. Voava errante e parecia que a única coisa que o guiava era o som que saía da flauta. O menino só se apercebeu dele quando, rendido, caiu repentinamente aos seus pés. Pegou nele com muito cuidado e reparou que tinha uma asa partida e os olhos cobertos de lama.
Cuidou dele. Com toda a minúcia que encontrou, ligou-lhe a asa e era com uma alegria louca e inocente que procurava as minhocas e ervinhas que depois lhe metia no bico. Deu-lhe um nome: chamou-lhe Silvestre.
II. A cúpula
Há um príncipe na cidade. Anda disfarçado de gente vulgar e, por isso, ninguém o reconhece no meio da multidão. Mas é ele, sim, é ele que ali vai. Sei o seu segredo porque ele próprio mo revelou.
Contou-me que era descendente de uma dinastia antiga, que perdera o seu reino por uma traição, mas que insistia em sobreviver para preservar a sua nobreza. Contou-me também que ele, tal como os seus antepassados, tinha sido educado numa ilha distante, por uma confraria secreta que vivia à espera de uma Utopia. Aí, ensinaram-lhe a coragem para vencer batalhas, a sensibilidade para estimar a arte, a sabedoria para distinguir as causas justas, a compaixão para amparar os miseráveis, o respeito pela diferença. Tudo isso ele aprendeu e guardou no seu coração.
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