quinta-feira, junho 30, 2005

Rouxinol


(Bragança, retratos de um reino maravilhoso)


(BirdForum)

may my heart always be open to little...

may my heart always be open to little
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old

may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
and even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young

and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile


(e.e. cummings)

quarta-feira, junho 29, 2005

Olhar

Entre os povos nórdicos, olhar o interlocutor nos olhos é regra. Já em outras paragens, esse gesto é considerado desafio. Significativamente, as relações sociais e económicas baseiam-se, no primeiro caso, na confiança e, no segundo, na desconfiança.

Jean-Auguste-Dominique Ingres, "Madame Antonia Devaucay
de Nittis"

terça-feira, junho 28, 2005

Maria Albertina

Maria Albertina, deixa que eu te diga...

Esse teu nome eu sei que não é um espanto
Mas é cá da terra e tem, tem muito encanto

Maria Albertina, como foste nessa
De chamar Vanessa à tua menina?

Que é bem cheiinha e muito moreninha.


(António Variações)


Esta canção traz-me à memória os nomes com muito encanto "cá da terra", de tanta gente de outras gerações, e que agora surgem com menos frequência.

Eram não só as Marias Albertinas, mas também as Clementinas, as Ludovinas, as Cesaltinas, as Gracindas, as Armindas, as Marílias, as Laurindas (pois claro!), as Lucindas, as Lucílias, as Cecílias, as Celinas...

Querem acrescentar os da vossa memória?

segunda-feira, junho 27, 2005


(Vincent van Gogh)

Canta, canta amigo canta

Canta canta amigo canta
vem cantar a nossa canção
tu sozinho não és nada
juntos temos o mundo na mão

Erguer a voz e cantar
é força de quem é novo
viver sempre a esperar
fraqueza de quem é povo
Viver em casa de tábuas
à espera dum novo dia
enquanto a terra engole
a tua antiga alegria

Canta canta amigo canta
vem cantar a nossa canção
tu sozinho não és nada
juntos temos o mundo na mão

O teu corpo é um barco
que não tem leme nem velas
a tua vida é uma casa
sem portas e sem janelas
Não vás ao sabor do vento
aprende a canção da esperança
vem semear tempestades
se queres colher a bonança

(António Macedo)

domingo, junho 26, 2005

Nós

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DECIDIDOS:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;
A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;
A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;
A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;

E PARA TAIS FINS:

A praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos;
A unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais;
A garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum;
A empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos;

RESOLVEMOS CONJUGAR OS NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJECTIVOS.

Em vista disso, os nossos respectivos governos, por intermédio dos seus representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, adoptaram a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.


(Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada em 26/06/1945)

Uma ausência no Angelus de Millet

Ao que parece, Dali tinha uma obsessão pelo "Angelus" de Millet, razão pela qual terá pintado, pelo menos, cinco quadros baseados nessa obra ("Atavismo ao Crepúsculo", "Angelus arquitectónico de Millet", "Reminiscência Arqueológica do Angelus de Millet", "Gala e o Angelus de Millet antes da Chegada Iminente da Anamorfose Cónica" e "O Angelus de Gala"). Dali terá intuído uma ausência no espaço entre as duas figuras que rezam, e estudos com raios X ter-lhe-ão dado razão: Millet terá começado por pintar um pequeno caixão entre o homem e a mulher, mas terá acabado por escondê-lo, para tornar o quadro mais fácil de vender.


Salvador Dali, "Reminiscência Arqueológica do Angelus de Millet"



Salvador Dali, "Angelus arquitectónico de Millet"



Salvador Dali, "Gala e o Angelus de Millet antes da Chegada Iminente da Anamorfose Cónica"



Salvador Dali, "O Angelus de Gala"

sábado, junho 25, 2005


(Salvador Dali)

Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção!

A ciência pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

(Fernando Pessoa)

sexta-feira, junho 24, 2005

Trabalho sem direitos


Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena

I

PANDEMOS

Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.


II

ANÓSIA

Que marinais sob tão pora luva
de esbanforida pel retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo.

Que marinais dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina!...
Que marinais, tão pora luva, todo...


III

URÂNIA

Purília emancivalva emergidanto,
imarculado e róseo, alviridente,
na azúrea juventil conquinomente
transcurva de aste o fido corpo tanto...

Tenras nadáguas que oculvivam quanto
palidiscuro, retradito e olente
é mínimo desfincta, repente,
rasga e sedente ao duro latipranto.

Adónica se esvolve na ambolia
de terso antena avante palpinado.
Fimbril, filível, viridorna, gia

em túlida mancia, vaivinado.
Transcorre uníflo e suspentreme o dia
noturno ao lia e luçardente ao cado.


IV

AMÁTIA

Timbórica, morfia, ó persefessa,
meláina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
amata cíprea, calipígea, tressa

de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.

Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
alipigmaios, atilícios, futos
da lívia damitada, organissanta,

agonimais se esforem morituros,
necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abradimembra a teia canta.


(Jorge de Sena)

quarta-feira, junho 22, 2005

Sentir a noite

Noite tépida, sem brisa, com lua cheia e halo, a menos de vinte e quatro horas do solstício. Um perfume forte de todas as árvores e arbustos, as tílias em floração afirmativa. "Se a luz é tanta, como se pode morrer?"

sábado, junho 18, 2005



(encontrado algures na rede)


Eros

Nunca o Verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?

(Eugénio de Andrade, "Mar de Setembro")

(Joseph Mallord William Turner)

sexta-feira, junho 17, 2005

Aumento da idade de reforma

1. Primeiro, venderam-se os anéis. Agora, atacam-se os dedos. Se o défice continuar descontrolado, aumentará a idade de reforma sucessivamente até aos 70, 80, 90, 100? Seremos condenados a trabalho perpétuo?

2. O aumento da idade de reforma é um bom método para aumentar a produtividade?

3. O aumento da idade de reforma é um bom método para diminuir o desemprego dos jovens? E o desemprego de longa duração? E o valor global dos subsídios de desemprego?

4. Talvez faça falta um partido que defenda especificamente os interesses dos mais velhos que já trabalharam bastante. O bastante.

(Vincent van Gogh)

O pobre e o rico

«O pobre é tão homem como o rico. Como ele sente, como ele tem aspirações, como ele sonha a felicidade, assim como é igual com ele em todos os males e em todas as fraquezas do organismo e do espírito. Pensais vós porventura que a pobreza mata no homem o instinto da grandeza, da felicidade e da importância social? Enganais-vos, se pensais assim. O pobre possui-o muito mais sensível do que vós, muito mais exigente, muito mais torturante, porque o tem acrilosado na miséria, e aquilatado na equiparação que faz entre ela e as felicidades que a riqueza vos prodigaliza. Pensais porventura que, vendo-vos enroupado num dia gelado de Inverno, ocioso nos cafés, divertido nos bailes e nos teatros, e espreguiçado comodamente nos cochins de um caleche forrado de cetins e de veludos, - o indigente que vai passando, a tiritar de frio, extenuado pelo trabalho, reduzido à única distracção da taberna, e obrigado a caminhar a pé léguas e léguas, para ganhar um bocado de pão, não sente medonhamente a diferença que há entre vós e ele, não sofre muito mais ainda do que vós mesmo gozais, porque a consciência da sua miséria irrita nele a imaginação dos vossos gozos?»

Arnaldo Gama (1828-1869), in "O Génio do Mal"

quarta-feira, junho 15, 2005

terça-feira, junho 14, 2005

segunda-feira, junho 13, 2005

Eugénio de Andrade (1923-2005)

Quase epitáfio

O outro sabia.
Tinha uma certeza.
Sou eterno, dizia.

Eu não tenho nada.
Amei o desejo
com o corpo todo.

Ah, tapai-me depressa.
A terra me basta.
Ou o lodo.

(Eugénio de Andrade, "Epitáfios")

*

XXXV

Em cada fruto a morte amadurece,
Deixando inteira, por legado,
uma semente virgem
que estremece
logo que o vento a tenha desnudado.

(Eugénio de Andrade, "As mãos e os frutos")

*

XXIII. A uma cerejeira em flor

Acordar, ser na manhã de abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz ou o que quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja.

(Eugénio de Andrade, "As mãos e os frutos")

*

Frente a frente

Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco.

(Eugénio de Andrade, "Até amanhã")

*

Matinal

Que seja fogo e suba ao cume
das águas seminais e duras,
e cante, invada, inunde
- juventude, juventude.

(Eugénio de Andrade, "Até amanhã")

domingo, junho 12, 2005

Gracias

Ao blog mexicano El Bulto de Nuestros Pecados, pelas simpáticas palavras: ¡gracias!

Negue à partida as "ciências" que não conhece!

Na televisão, é contada a história de um "ilusionista" que consegue "ler o pensamento". Descobre que palavra foi lida por uma pessoa, letra por letra. Depois, consegue saber se o "não" obrigatório a uma pergunta é verdadeiro ou falso.

Este artista deu-se ao luxo de revelar a sua técnica na televisão: a mentira tem os seus sinais exteriores, desde que seja acompanhada de alguma culpa.

Quantos "artistas" haverá por aí usando esta mesma técnica, mas não conscientes dela ou querendo mascará-la com "ciências que à partida não conhecemos"?

Um mal que às vezes vem por bem

Um corte de electricidade depois de muito tempo sem nenhum, que permite conversas ao lusco-fusco ou à luz da vela.

sábado, junho 11, 2005


(Isaac Levitan)

Ismael

"Tratem-me por Ismael. Há alguns anos - não interessa quando - achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; sempre que dou por mim a parar diante de agências funerárias e a marchar na esteira dos funerais que cruzam o meu caminho; e, principalmente, quanto a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de todo o meu bom senso para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que encontro na rua - percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão cedo quanto possível. É uma forma de fugir ao suicídio. Onde, com um gesto filosófico, Catão se lança sobre a espada, eu, tranquilamente, meto-me a bordo. E não há nisto nada de extraordinário. Embora inconscientemente, quase todos os homens sentem, numa altura ou noutra da vida, a mesma atracção pelo oceano."

(Herman Melville)

Accountability*

Como explicar que investigadores e centros de investigação possam concorrer a fundos públicos sem cumprir um critério tão simples como publicar na internet listagens da sua produção científica? Como pode alguém arvorar-se em "especialista" sem cumprir este critério?

* Prestação de contas, em português.

sexta-feira, junho 10, 2005


(Vincent van Gogh)

Notas do dia

1. Um assalto de "jovens entre os 12 e os 20 anos, organizados em gangs" na praia de Carcavelos. (Falta um pormenor que as televisões mostraram.) A fazer lembrar "Subitamente no Verão Passado".

2. Na televisão, também, os números dos "aumentos" e das "diminuições" dos crimes, em Portugal, no ano passado, relativamente ao ano anterior. Como é habitual, faltou uma medida da variabilidade aleatória das grandezas.

segunda-feira, junho 06, 2005

Memória

“Nós somos todos constituídos de bocados, de extractos de História,
de literatura, de direito internacional. (...) E se vos perguntarem
o que fazemos, podeis responder: ‘Recordamo-nos’“.


Ray Bradbury, "Fahrenheit 451"

domingo, junho 05, 2005

Mulher que não lê...


(Jean-François Millet)

Ai flores, ai flores do verde pino

Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mh á jurado!
Ai Deus, e u é?

-Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san' e vivo:
Ai Deus, e u é?

-Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv' e sano:
Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san' e vivo
e seerá vosc' ant' o prazo sa'ido:
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv' e sano
e seerá vosc' ant' o prazo passado:
Ai Deus, e u é?

(D. Dinis)

Cidade

A cidade em que vivo tem caos, abandono, poluição. Tem uma pequena fracção das árvores, dos jardins e dos parques que deveria ter.

Ainda assim, tenho orgulho de viver numa cidade cosmopolita, com pessoas das mais variadas origens confluindo nesta babel de expressões e cores. Tenho orgulho de aqui terem vivido poetas geniais. E também de ter o mar tão perto.

sábado, junho 04, 2005

Concerning the Stone

The stone went out, dressed as a man.
At the party, the stone danced.
Late at night in the park, the stone
pressed its mouth to the damp earth.
The stone did not cry, but periodically
the gray bowls of its hands would fill with tears.
It carried a stick to beat away
the clouds. It carried a mirror
to remind itself. Having seen the woman once,
the stone could not close the wound
or make it speak.


(Gregory Orr)

quinta-feira, junho 02, 2005

Pergunta aberta

De que maneira poderiam os cidadãos europeus manifestar a sua opinião, sob a forma de voto soberano, sobre a forma como deve ser ponderada a representatividade demográfica e a igualdade entre países, nos órgãos políticos da União Europeia a 25?