sábado, junho 11, 2005

Ismael

"Tratem-me por Ismael. Há alguns anos - não interessa quando - achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; sempre que dou por mim a parar diante de agências funerárias e a marchar na esteira dos funerais que cruzam o meu caminho; e, principalmente, quanto a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de todo o meu bom senso para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que encontro na rua - percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão cedo quanto possível. É uma forma de fugir ao suicídio. Onde, com um gesto filosófico, Catão se lança sobre a espada, eu, tranquilamente, meto-me a bordo. E não há nisto nada de extraordinário. Embora inconscientemente, quase todos os homens sentem, numa altura ou noutra da vida, a mesma atracção pelo oceano."

(Herman Melville)

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