«O pobre é tão homem como o rico. Como ele sente, como ele tem aspirações, como ele sonha a felicidade, assim como é igual com ele em todos os males e em todas as fraquezas do organismo e do espírito. Pensais vós porventura que a pobreza mata no homem o instinto da grandeza, da felicidade e da importância social? Enganais-vos, se pensais assim. O pobre possui-o muito mais sensível do que vós, muito mais exigente, muito mais torturante, porque o tem acrilosado na miséria, e aquilatado na equiparação que faz entre ela e as felicidades que a riqueza vos prodigaliza. Pensais porventura que, vendo-vos enroupado num dia gelado de Inverno, ocioso nos cafés, divertido nos bailes e nos teatros, e espreguiçado comodamente nos cochins de um caleche forrado de cetins e de veludos, - o indigente que vai passando, a tiritar de frio, extenuado pelo trabalho, reduzido à única distracção da taberna, e obrigado a caminhar a pé léguas e léguas, para ganhar um bocado de pão, não sente medonhamente a diferença que há entre vós e ele, não sofre muito mais ainda do que vós mesmo gozais, porque a consciência da sua miséria irrita nele a imaginação dos vossos gozos?»
Arnaldo Gama (1828-1869), in "O Génio do Mal"
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