Dois comentários aqui deixados recentemente chamaram a atenção. O primeiro, o testemunho sofrido de uma traição por parte de um namorado. O segundo, a afirmação de que a fidelidade é um fenómeno cultural. Deixaram-me a pensar.
É verdade que os padrões de comportamento e as representações sociais associadas a este assunto variam muito de cultura para cultura. No entanto, basta comparar os comportamentos de diferentes espécies para perceber que a infidelidade tem uma base biológica. As diferenças entre sexos, em todas as culturas, reforçam essa ideia. A associação aos diferentes papéis dos gâmetas justifica-a: uns pequenos, móveis e numerosos, outros grandes, pouco móveis e mais escassos. E a gravidez. A assimetria é tão grande que, há tempos, uma notícia dava conta de um estudo segundo o qual um qualquer tipo de macaco tinha vantagem genética em ser o mais promíscuo possível, porque as vantagens da maior descendência se sobrepunham aos riscos. Ao melhor da pessoaestilo pipiano do fucking around...
As coisas agora são diferentes, dirão alguns. Os memes contam mais do que os genes. Mas a natureza continua a ser muito forte, e sê-lo-á durante muito tempo. E se assim não for, é a extinção da espécie.
Vivemos em tempos em que já não se discute se os compromissos precisam ou não de papéis. A resposta é, em definitivo, não: esses "papéis" são exorbitantemente caros, pelo que, hoje, o casamento funciona mais como manifestação exterior de riqueza. Num blog vizinho, falava-se há dias da tendência um pouco redutora de os casais e, em particular, as mulheres, quererem coabitar na mesma casa. Ora, havendo condições económicas para optar, seguramente que a evolução será num outro sentido.
Entretanto, mais liberta, também há mais gente de cabeça desempoeirada. Uma figura pública com idade para ser uma respeitável avó testemunhou na televisão que tem uma relação aberta com o companheiro, e este é um modelo cada vez mais aceite entre os mais jovens. Alguns casais, querendo trocar as voltas à natureza, apostam no swinging. Mas mesmo na maior liberalidade, o conceito de infidelidade permanece.
As convenções sociais, quaisquer que elas sejam, desempenham um papel importante na estabilização de uma sociedade, para as circunstâncias particulares em que vive. Por exemplo, mesmo os haréns hão-de ter uma razão de ser. Mas nas sociedades ditas ocidentais a emancipação da mulher não permite que a poligamia seja aceite.
Conhecem aquele ditado "filho de minha filha, meu neto é; filho de meu filho, será ou não"? Com os testes de ADN, os homens ficam com menos uma razão para investir numa relação monogâmica, porque passam a ter um meio tecnológico de verificação da paternidade.
O "lar doce lar", com pai e mãe, para a educação de uma criança também já não é modelo único e obrigatório. Casamentos disfuncionais são cada vez menos tolerados e sê-lo-ã tanto menos quanto mais favorável for a condição financeira.
A infidelidade magoa, quer seja pela traição, quer pelo relativizar de uma relação, quer por se ser preterido. Mas parece que a fidelidade ("conjugal", no sentido mais lato) é um valor em crise.
O apogeu do romantismo já nem sequer é do século passado.
O que resta, então?
Sem comentários:
Enviar um comentário