domingo, julho 31, 2005
As ondas
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
sexta-feira, julho 29, 2005
quarta-feira, julho 27, 2005
terça-feira, julho 26, 2005
Oh! como se me alonga, de ano em ano
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperança.
(Luís de Camões)
segunda-feira, julho 25, 2005
No melhor dos mundos...
(...) Meus caros concidadãos, ou, antes, meus irmãos, uma vez que os laços do sangue, do mesmo modo que as leis, nos unem a quase todos (...). Para vós, a felicidade está realizada, nada mais é preciso do que aproveitá-la, e não tendes necessidade, para vos tornardes perfeitamente felizes, senão saberdes contentar-vos com sê-lo. A vossa soberania, adquirida ou reconquistada na ponta das espadas e conservada durante dois séculos à força de valor e de sabedoria, é enfim plenamente e universalmente reconhecida. Tratados honrosos fixam as vossas fronteiras, asseguram-vos os direitos e tornam firme o vosso repouso. A vossa constituição é excelente, ditada pela razão mais sublime e garantida por potências amigas e respeitáveis; o vosso Estado é tranquilo, não tendes nem guerras nem conquistadores a temer; não tendes outros mestres que leis sábias que vós próprios fizestes, administradas por magistrados íntegros por vós também escolhidos; não sois demasiado ricos para vos debilitardes pela preguiça e perderdes em vãs delícias o gosto da verdadeira felicidade e das sólidas virtudes, nem demasiado pobres para terdes necessidade de mais ajuda estrangeira que aquela que vos provém da vossa indústria; e esta preciosa liberdade que nas grandes nações só se consegue manter à custa de impostos exorbitantes, a vós quase nada vos custa a conservar.»
(Jean-Jacques Rousseau, in "Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens")
sábado, julho 23, 2005
As causas do crime
sexta-feira, julho 22, 2005
Leitura/escrita
- Não. Aprende-se a reconhecer que não se escreve bem.
Alice
E, na verdade, assim era: não tinha agora mais do que vinte e cinco centímetros de altura, e o rosto iluminou-se-lhe ao pensar que estava do tamanho adequado para transpor a pequena porta e encaminhar-se para aquele jardim encantador. No entanto, em primeiro lugar, esperou um pouco para ver se iria encolher ainda mais. Este pensamento deixou-a um tanto nervosa, «pois posso acabar por desaparecer completamente, como se fosse uma vela», pensou Alice, «e como ficaria eu depois?». E tentou imaginar o que acontece à chama de uma vela quando esta se apaga, pois não se lembrava de alguma vez ter reparado nisso.
(Lewis Carroll, "Alice no país das maravilhas")
Aguardente de Abrunho
escureceu e ficou hibernal.
Ela deu aguardente a beber
aos abrunhos, e selou o frasco.
Quando o desarrolhei
cheirei a quietude acre
e perturbada de um arbusto
insinuando-se na copa.
Quando a deitei no copo
tinha um travo cortante
e resplandecia
como a Betelgeuse.
Faço-te um brinde
com abrunhos lustruosos,
roxos, mosqueados, ácidos
e fiáveis.
(Seamus Heaney, traduzido por Rui Carvalho Homem)
quarta-feira, julho 20, 2005
Procurar ser melhor
domingo, julho 17, 2005
Livros
- os Livros Que Há Tanto Tempo Programas Ler,
os Livros Que Há Tantos Anos Procuravas Sem Os Encontrares,
os Livros Que Tratam De Algo De Que Te Ocupas Neste Momento,
os Livros Que Queres Possuir Para Os Teres À Mão Em Todas As Circunstâncias,
os Livros Que Poderias Pôr De Lado Para Leres Talvez Este Verão,
os Livros Que Te Faltam Para Pores Ao Lado De Outros Livros Na Tua Estante,
os Livros Que Te Inspiram Uma Curiosidade Repentina, Frenética E Não Claramente Justificável.
Libertas-te com rápidos ziguezagues e penetras com um pulo na cidadela das Novidades Cujo Autor Ou Assunto Te Atrai. Mesmo no interior desta fortaleza podes abrir brechas entre as fileiras dos defensores dividindo-as em Novidades D'Autores Ou Assuntos Não Novos (para ti ou em absoluto) e Novidades D'Autores Ou Assuntos Completamente Desconhecidos (pelo menos por ti) e definir a acção que eles exercem sobre ti com base nos teus desejos e carências de novo e de não novo (do novo que procuras no não novo e do não novo que procuras no novo).
Tudo isto para dizer que, percorridos rapidamente com o olhar os títulos dos volumes expostos na livraria, dirigiste os teus passos para uma pilha de Se Numa Noite de Inverno Um Viajante de tinta ainda fresca, pegaste num exemplar e levaste-o à caixa a fim de que fosse constituído sobre ele o teu direito de propriedade.»
(in "Se Numa Noite de Inverno Um Viajante", Italo Calvino, Círculo de Leitores, 1995)
sábado, julho 16, 2005
sexta-feira, julho 15, 2005
Dá a surpresa de ser
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
(Fernando Pessoa)
quarta-feira, julho 13, 2005
terça-feira, julho 12, 2005
Perguntas do dia
Por que é que o sistema de ensino português não é avaliado por especialistas independentes estrangeiros?
(Por que é que quem fala de formação de professores não se informa sobre as tentativas que se fazem de adoptar métodos estrangeiros com provas dadas? Por que é que quem critica as "novas" metodologias de ensino não aprofunda o seu conhecimento sobre todos os estudos em que se baseiam?)
2. Atentados no Médio Oriente. Por que é que o Estado Israelita insiste em tratar a Autoridade Palestiniana e terroristas como os da Jihad Islâmica ao mesmo nível?
Pedido de ajuda
segunda-feira, julho 11, 2005
Trova do vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
(Manuel Alegre)
sábado, julho 09, 2005
A minha concepção do mundo
(Mensagem de despedida de Bertrand Russell à humanidade futura)
Negrito da pastora.
sexta-feira, julho 08, 2005
Londres 7/7
Solidariedade. A minha escolha inequívoca de um modo de vida e de uma forma de organização social.
Dúvida. Será que alguém, com os mesmos dados, poderia, ainda assim, escolher uma alternativa à laicidade do estado e à democracia?
quinta-feira, julho 07, 2005
Mocho-galego
(Ege University)
(BirdForum)
Quando a última árvore tiver sido derrubada
Quando o último rio tiver sido envenenado
Quando o último peixe tiver sido pescado
Compreenderás
Que o dinheiro não se pode comer
(Profecia dos índios Cree)
terça-feira, julho 05, 2005
Corvo
(World Wild Web)
(BirdForum)
The raven
Once upon a midnight dreary, while I pondered weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
`'Tis some visitor,' I muttered, `tapping at my chamber door -
Only this, and nothing more.'
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels named Lenore -
Nameless here for evermore.
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me - filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
`'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door -
Some late visitor entreating entrance at my chamber door; -
This it is, and nothing more,'
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
`Sir,' said I, `or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you' - here I opened wide the door; -
Darkness there, and nothing more.
Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, `Lenore!'
This I whispered, and an echo murmured back the word, `Lenore!'
Merely this and nothing more.
Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
`Surely,' said I, `surely that is something at my window lattice;
Let me see then, what thereat is, and this mystery explore -
Let my heart be still a moment and this mystery explore; -
'Tis the wind and nothing more!'
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
`Though thy crest be shorn and shaven, thou,' I said, `art sure no craven.
Ghastly grim and ancient raven wandering from the nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning - little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door -
Bird or beast above the sculptured bust above his chamber door,
With such name as `Nevermore.'
But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only,
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered - not a feather then he fluttered -
Till I scarcely more than muttered `Other friends have flown before -
On the morrow will he leave me, as my hopes have flown before.'
Then the bird said, `Nevermore.'
Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
`Doubtless,' said I, `what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore -
Till the dirges of his hope that melancholy burden bore
Of "Never-nevermore."'
But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door;
Then, upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore -
What this grim, ungainly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking `Nevermore.'
This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet violet lining that the lamp-light gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamp-light gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose foot-falls tinkled on the tufted floor.
`Wretch,' I cried, `thy God hath lent thee - by these angels he has sent thee
Respite - respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil! -
Whether tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted -
On this home by horror haunted - tell me truly, I implore -
Is there - is there balm in Gilead? - tell me - tell me, I implore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us - by that God we both adore -
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels named Lenore -
Clasp a rare and radiant maiden, whom the angels named Lenore?'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Be that word our sign of parting, bird or fiend!' I shrieked upstarting -
`Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! - quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted - nevermore!
(Edgar Allan Poe)
segunda-feira, julho 04, 2005
Do falar e escrever difícil
(João de Araújo Correia, "A Língua Portuguesa")
domingo, julho 03, 2005
sábado, julho 02, 2005
Cotovia
(Mike Danzenbaker's Nature Photography)
(BirdForum)
O lugar da casa
Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.
(Eugénio de Andrade, "O Sal da Língua")