«O Líbano dos anos 50 era um país florescente, uma ponte entre a Europa e os riquíssimos emirados árabes, cruzamento natural de várias culturas, torre de Babel onde se falava uma dúzia de línguas. O comércio e as transacções bancárias de toda a região pagavam o seu tributo a Beirute, aonde chegavam por terra caravanas a abarrotar de mercadorias, pelo ar os aviões da Europa com as últimas novidades e por mar os barcos que tinham de esperar vez para atracar no porto. Mulheres cobertas de véus negros, carregadas com volumes, arrastando os filhos, andavam apressadas pelas ruas sempre com a vista baixa, enquanto os homens ociosos conversavam nos cafés. Burros, camelos, autocarros apinhados de gente, motocicletas e automóveis paravam simultaneamente nos semáforos, pastores com as mesmas vestes dos seus antepassados bíblicos cruzavam as avenidas conduzindo manadas de ovelhas a caminho do matadouro. Várias vezes por dia, a voz aguda do muezim chamava à oração desde os minaretes das mesquitas, fazendo coro com os sinos das igrejas cristãs. Nas lojas da capital oferecia-se o melhor do mundo, mas o mais atraente para nós era percorrer os zuks, labirintos de vielas estreitas marginadas por um sem fim de vendas onde era possível comprar desde ovos frescos até relíquias faraónicas. Ah! o cheiro dos zuks! Todos os aromas do planeta fluíam por aquelas ruazinhas, tufos de exóticos manjares, fritos em gordura de borrego, pastéis de massa folhada, nozes e mel, sargetas abertas onde flutuavam lixo e excrementos, suor de animais, tinturas de peles e cabedais, asfixiantes perfumes de incenso e patchouli, café acabado de ferver com sementes de cardamoma, especiarias do Oriente: canela, cominhos, pimenta, açafrão...»
(Isabel Allende)
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