quinta-feira, setembro 28, 2006

Mulher a ler


Pierre Auguste Cot, Pause for Thought (Ophelia), 1870

A primeira mulher a ler que por aqui apareceu era, se não me engano, uma miuda sardenta vestida de cor-de-laranja, a ilustrar uma entrada sobre livros que falavam de livros. Depois, a pastora começou a achar graça às mulheres a ler, por serem tão pouco conformes ao ideal do eterno feminino de outros séculos, da mulher a seduzir, a fazer sala e a cuidar dos filhos e da casa. As mulheres de há duzentos ou trezentos anos que liam cartas e livros em arrumadas casas flamengas ou ao ar livre na América eram símbolo de um progresso civilizacional que se quis retratar.

De tempos a tempos, passam na televisão reportagens de todo o mundo de crianças que não vão à escola. É uma situação tão conhecida que o que choca mesmo é a nossa habituação e resignação. Os números da Unicef não deixam margem para dúvidas: as raparigas são sempre as principais vítimas do analfabetismo. Mas pensamos que esse mundo é muito longe. Só que ainda se encontram, em Lisboa, senhoras que nos perguntam o número do autocarro seguinte. E o que fazemos para remediar isto? Pouco. Por exemplo, a 28 de Setembro, depois de o ano lectivo ter começado há muito, o Ministério da Educação não teve ainda a coragem para dizer se, sim ou sopas, vai haver ensino recorrente este ano. Como se não bastasse o pouco caso com que são tratados os trabalhadores-estudantes neste país. Enfim... adeus, progresso, até depois.

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