O pequeno regressou ao seu canto; trouxe um cobertor sujo e estendeu-o à mãe.
—Muito obrigada—disse ela.—O que é que aquele senhor tem?
O pequeno respondeu na mesma voz rouca e monótona:
—Primeiro, esteve doente; agora, está a morrer de fome.
—O quê?!
—Está a morrer de fome. Adoeceu na colheita do algodão e há seis dias que não come nada.
A mãe foi até ao canto e debruçou-se sobre o homem, a olhá-lo. Devia ter uns cinquenta anos. Possuia um rosto barbudo e descarnado, e os olhos, muito abertos, fixavam o nada. O rapaz veio postar-se ao lado da mãe.
—Ele é teu pai?—perguntou ela.
—É, sim. Ele dizia que não tinha fome, ou que já tinha comido. Dava-me a comida toda. Agora, está tão fraco que nem se pode mexer.
A chuva amainara outra vez e tamborilava brandamente no tecto do celeiro. O homem escanzelado moveu os lábios. A mãe ajoelhou-se ao lado dele e encostou o ouvido à boca do homem, cujos lábios se tornaram a mover.
—Bem—disse a mãe.—Esteja sossegado. Tudo se arranja. É só esperar que eu tire a roupa molhada à minha filha.
A mãe voltou para junto de de Rosa de Sharon.
—Trata de te despir, anda!
Estendeu o cobertor, fazendo dele uma cortina, para a esconder dos olhos dos outros. E, quando Rosasharn ficou nua, a mãe enrolou-a no cobertor.
O pequeno estava agora de novo ao lado da mãe, explicando:
—Eu não sabia de nada. Ele dizia sempre que já tinha comido ou então que não tinha fome. A noite passada, quebrei a vidraça de uma janela e roubei um pão. Obriguei-o a comer, mas vomitou tudo e ficou ainda mais fraco. Devia comer sopa ou tomar leite. A senhora tem algum dinheiro para comprar leite?
A mãe respondeu, suavemente:
—Chiu! Não te apoquentes. Tudo se há-de arranjar.
De repente, o pequeno deu um grito:
—Está a morrer! Está a morrer, sério! Ele vai morrer de fome. Vai, vai!
—Chiu!—fez a mãe.
Lançou um olhar ao pai e ao tio John, que estavam parados, diante do doente, sem saber o que haviam de fazer. Olhou para Rosa de Sharon, bem enrolada no cobertor. Os seus olhos fugiram dos da filha e tornaram a encontrá-los. E as duas mulheres liam tudo nas respectivas almas. A respiração da rapariga tornara-se curta e agitada.
—Sim—disse.
A mãe sorriu.
—Eu sabia. Eu sabia que tu eras capaz de o fazer.—Olhou para as mãos apertadas uma na outra, descansando no regaço.
Rosa de Sharon disse baixinho:
—Vocês são capazes de sair todos?
A chuva batia ao de leve no telhado.
A mãe inclinou-se para a filha e, com a palma da mão, afastou as madeixas revoltas que lhe caíam para a testa e deu-lhe um beijo na fronte. A mãe ergueu-se rapidamente:
—Vamos, minha gente, vão para o alpendre das ferramentas.—gritou ela. Vão-se embora, andem!
Pô-los fora da porta. Por fim, levando o rapazito pela mão, saiu também, fechando a porta, que chiou atrás de si.
Por um momento, Rosa de Sharon permaneceu imóvel no celeiro ressoante de murmúrios. Depois, ergueu-se pesadamente, enrolando-se mais no cobertor. Lentamente, dirigiu-se ao canto escuro e quedou-se a olhar o rosto devastado do desconhecido, de olhos arregalados e cheios de temor. Então, vagarosamente, deitou-se ao lado dele. O homem abanou debilmente a cabeça de um lado para o outro. Rosa de Sharon afastou um dos lados do cobertor, deixando o seio a descoberto.
—Tem de ser—disse, aproximando-se mais dele, e puxando-lhe a cabeça para si.—Ora vá! Então!
Apoiou-lhe a cabeça com a mão, e os seus dedos afagaram-lhe suavemente os cabelos. Ergueu os olhos, e deixou-os errar pelo barracão, enquanto os lábios se lhe arqueavam num misterioso sorriso.
(John Steinbeck, in «As Vinhas da Ira», traduzido por Virgínia Motta, Livros do Brasil)
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