quinta-feira, setembro 30, 2004

Serviço público?

Liga-se a televisão às 20h, para ver o telejornal. Em vez de notícias, futebol. Mais uma vez. Demasiadas vezes.

Aparição

Demorou-se à beira da rebentação de cabeça descaída e desenhando com o pé figuras na areia húmida; entrou depois no baixio, que na zona mais profunda não lhe passava dos joelhos, e, atravessando-o, avançou de passo indolente até ao banco de areia. Deteve-se aí um momento, contemplando a distância e começou então a percorrer lentamente aquele estreito caminho desnudado pelo mar. Separado da terra firme por vastas massas de água, afastado dos seus por um sentimento de orgulho, aquela aparição isolada e sem referências ali caminhava de cabelo ao vento, lá longe no mar, perante a névoa do infinito. Parou mais uma vez olhando em redor. E, de súbito, como que impulsionado por uma lembrança, girou o tronco com a mão poisada na anca, num belo movimento de rotação e lançou sobre os ombros um olhar para a costa.

O observador estava sentado, tal como estivera sentado quando, pela primeira vez, aquele olhar crepuscular, relanceado de um umbral, se cruzara com o seu. A sua cabeça, reclinada na cadeira, acompanhara lentamente o movimento daquele que deambulava lá longe; erguendo-se, como que para acompanhar o olhar, logo caiu sobre o peito. O olhar continuava fixo na distância enquanto o rosto tomava a expressão descaída e absorta de um sono profundo. No entanto, tinha a sensação de que o pálido e doce psicagogo lá longe lhe sorria, lhe acenava com a mão; era como se, ao soltar a mão da anca, estivesse a apontar para longe, a perder-se no mistério prometedor. E, como de costume, resolveu segui-lo.


(in "A Morte em Veneza", Thomas Mann, tradução de Cláudia Fisher, Relógio d'Água)

quarta-feira, setembro 29, 2004

Ouvido...

"Se alguém dissesse aos professores de matemática uma receita para melhorar o sucesso escolar na sua disciplina, eles segui-la-iam com muito gosto."

terça-feira, setembro 28, 2004

O Rei da Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

segunda-feira, setembro 27, 2004

Há um reizinho que vai nu...

É o responsável pelo site da Universidade de Lisboa. Será talvez um caso grave de daltonismo ou uma vingança disfarçada. Não sei. Mas são já demasiados anos para não me indignar.

domingo, setembro 26, 2004

A Book

There is no frigate like a book
To take us lands away,
Nor any coursers like a page
Of prancing poetry.
This traverse may the poorest take
Without oppress of toll;
How frugal is the chariot
That bears a human soul!


(Emily Dickinson)

Professor, posso fazer só umas perguntinhas?

1) Como é que se fez a colocação de professores nos últimos anos? O problema matemático que vem sendo referido já existia antes? Era o ministério que fazia o programa ou já era uma empresa externa?

2) Como é que os professores e os sindicatos que reclamavam erros podiam estar certos de que a solução encontrada não era, afinal, a melhor possível? Os sindicatos também tinham acesso ao algoritmo de aplicação aproximativa da lei, para poderem comparar resultados?

3) Se é impossível que a lei seja aplicada no processo manual, já que, ao que parece, também o é informaticamente, o algoritmo que for usado vai ser divulgado?

4) Como se poderá identificar um erro humano fortuito ou intencional com esta legislação?

5) David Justino é um santo?

sábado, setembro 25, 2004

Como contar uma história?

Há uma memória vaga de um relato. De uma mulher encontrada nua a meio da noite, num curral, em cima de um boi, a sugar-lhe sangue do pescoço. Foi levada assim até à igreja, à vista de todos. Perto de Coimbra, há muitos anos.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Ler jornais é saber mais.

Por isso, sou uma leitora de jornais on-line. Dos portugueses, em particular. Não me queixo da publicidade, nem dos conteúdos pagos, nem do webdesign por vezes sofrível, nem da falta de fotografias, de infografia e de alguns artigos de opinião.

Mas queixo-me das pesquisas que não funcionam (Público), dos arquivos quase impossíveis de usar (Diário de Notícias), dos títulos de primeira página cujos desenvolvimentos não se encontram (Diário de Notícias).

É que o prometido... é devido!

terça-feira, setembro 21, 2004

"Impulse"

Há alguns anos, à entrada da Feira do Livro de Lisboa, um desconhecido deu-me uma folha de papel do tamanho das da revista do Reader's Digest, onde estava escrito este texto de autor desconhecido:

IR MAIS LONGE

É nas asas do vento que me transporto;
É em águas claras que viajo;
É no verde dos campos que renasço;
É à luz do Sol que existo.
Para quê separar? Para quê dividir?
Para quê criar diferenças,
Quando é a Vida quem eu amo
E todas as criaturas quem eu quero abraçar?

Oiço uma voz!... Vejo uma luz!...
Sinto uma presença! E no céu
Um cometa deixa escrito no seu rasto:
Tu sabes mas não podes,
Tu queres mas não te atreves,
Tu sonhas mas não vives,
Tu és mas duvidas.
Não pode haver obstáculos para um Homem livre!
Solta as tuas correntes,
Despe as tuas incertezas,
Livra-te do preconceito,
O teu Destino é IR MAIS LONGE...

A vida podia dar mais destas surpresas...

domingo, setembro 19, 2004

O guardador de rebanhos

IX

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e com os pés
E com o nariz e com a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro