sábado, junho 30, 2007

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Nm baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar....
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


(Mário de Sá Carneiro)

domingo, junho 17, 2007

Song of the Open Road

11

Listen! I will be honest with you;
I do not offer the old smooth prizes, but offer rough new prizes;
These are the days that must happen to you:

You shall not heap up what is call’d riches,
You shall scatter with lavish hand all that you earn or achieve,
You but arrive at the city to which you were destin’d—you hardly settle yourself to satisfaction, before you are call’d by an irresistible call to depart,
You shall be treated to the ironical smiles and mockings of those who remain behind you;
What beckonings of love you receive, you shall only answer with passionate kisses of parting,
You shall not allow the hold of those who spread their reach’d hands toward you.


(Walt Whitman)

Bicicleta islâmica?

"How sex-obsessed is a culture that teaches a woman that she is basically a walking, sitting or reclining set of genitals? How over-aroused is a society in which men are expected to have no qualms about throwing themselves on any woman who happens to walk by, unless a powerful signal, in the form of a divinely ordained dress code, forbids them to do so?" (comentário encontrado aqui)

A acompanhar

António Balbino Caldeira (Do Portugal Profundo) arguido.

sábado, junho 16, 2007

Ofício de amar

já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso

um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo


(Al Berto)

domingo, junho 10, 2007

C.



Uma "natural woman" (ou quase).

Esta é também uma entrada contra o "efeito Sotinco"©. Também acho que o excesso de maquilhagem esconde o que é bonito, realça o que é feio e só é indispensável àquelas personagens a que os brasileiros chamam as "pIruaS".

(Um bom fotógrafo não deixa de ajudar bastante...)

Song of the Open Road

10

Allons! the inducements shall be greater;
We will sail pathless and wild seas;
We will go where winds blow, waves dash, and the Yankee clipper speeds by under full sail.

Allons! with power, liberty, the earth, the elements!
Health, defiance, gayety, self-esteem, curiosity;
Allons! from all formules!
From your formules, O bat-eyed and materialistic priests!

The stale cadaver blocks up the passage—the burial waits no longer.

Allons! yet take warning!
He traveling with me needs the best blood, thews, endurance;
None may come to the trial, till he or she bring courage and health.

Come not here if you have already spent the best of yourself;
Only those may come, who come in sweet and determin’d bodies;
No diseas’d person—no rum-drinker or venereal taint is permitted here.

I and mine do not convince by arguments, similes, rhymes;
We convince by our presence.


(Walt Whitman)

Humanos

Não me espantaria se alguém me dissesse que o maior exemplo que tem de fidelidade vem de um cão ou que o animal mais sensual que conhece é um gato. Mas qual é a única espécie que olha para as estrelas e que produz arte? E que, mesmo de modo imperfeito, concebe, por exemplo, a escala de desenvolvimento moral de Kohlberg?

sábado, junho 09, 2007

Assustador

Não acham assustador estar a escrever um mail sobre um assunto, no Gmail, e ao fim de alguns segundos ter publicidade ao lado alusiva ao mesmo assunto? O que virá a seguir? Câmaras para saber o que nos dilata as pupilas?

domingo, junho 03, 2007


(Henrik Simonsen)

Song of the Open Road

9

Allons! whoever you are, come travel with me!
Traveling with me, you find what never tires.

The earth never tires;
The earth is rude, silent, incomprehensible at first—Nature is rude and incomprehensible at first;
Be not discouraged—keep on—there are divine things, well envelop’d;
I swear to you there are divine things more beautiful than words can tell.

Allons! we must not stop here!
However sweet these laid-up stores—however convenient this dwelling, we cannot remain here;
However shelter’d this port, and however calm these waters, we must not anchor here;
However welcome the hospitality that surrounds us, we are permitted to receive it but a little while.


(Walt Whitman)

sábado, junho 02, 2007


(Charles Chu)

Mulheres a ler

Elas andam por aí!...

E vivam os bons memes! :)

Feiras

Alguém já contou o número de "feiras do livro" que houve em Lisboa nos últimos doze meses? Podiam começar uma competição oficial entre todas... Nos preços, não é certo que "a Feira" venceria.

Respirando, lendo, procurando

Respiro o ar que foi o de dois (como hei-de chamar-lhes?) vultos (?) do pensamento ocidental. Coroados em vida, a sua memória persiste séculos depois de terem deixado de escrever o melhor e o pior um do outro... Um, mais interventivo contra a injustiça do seu presente; o outro, mais ambicioso de conhecimento intemporal (e cometendo grandes erros). Grandes espíritos... Ambos vivos também na minha memória, dos pequenos livros que deles li. (Pequenos livros, grandes ideias; resultado: impressão forte!) Mortos, são mais relevantes do que o rapaz que ao lado planta morangos. E, no entanto... não haverá quem plante morangos com escrita "relevante"?

Se a escrita é quase inevitavelmente acto solitário, a leitura não tem de ser assim: gosto de quem discuta leituras comigo! Por isso, vou falar-vos um pouco sobre as minhas leituras.

Leio três blogs, cujos autores nasceram no mesmo ano. Ano fértil, parece, porque escrevem bem. Não fazem uma "geração"; aliás, o que é isso de geração, nos dias de correm? Um conta boas histórias, outro tem um espírito crítico acutilante e o terceiro interessa-se pelas artes (e pelas louras). Poderia a escrita salvar o mundo? (Ou só quem escreve, como a caridade serve mais a quem dá?) Poderiam estes três salvar alguma esperança num futuro melhor? O segundo (o segundo tipo) seria sempre necessário e, vendo bem, os outros também. Mas há um vazio de ideias novas, e não é só no pequenino rectângulo.

Nestes dias, devíamos todos ir aprender Economia, porque é ela que domina tudo - pelo menos, agora, de forma explícita. Há uma revolta contra este estado de coisas, mas é a revolta errada. Podemos ir ao blog do presidente do Irão para tentar perceber o que temos ainda em comum com essas pessoas que elegem loucos (serão?) que nos querem trazer, mais dia, menos dia, surpresas desagradáveis. Será que também amassam farinha com água e sal? Que agradecem o pão de cada dia?

Voltando ao início. Será que ainda é possível, em algum lugar, a maturação de caracteres nobres como o dos meus dois amigos mortos? Capazes, então, de mudar o mundo, sem ser com armas, sem ser com o poder cego do dinheiro?