domingo, janeiro 14, 2007

Da igualdade e da privacidade / Registo

«[...] [A] informação das certidões de nascimento de todas as crianças nascidas na Califórnia desde 1961. Os dados, cobrindo mais de dezasseis milhões de nascimentos, incluíam não só itens padronizados como o nome, o género, a raça e o estado civil dos pais, mas também factores mais reveladores sobre os pais: o código postal (que indica o seu estatuto socioeconómico e a composição racial do seu bairro), o modo como pagavam a conta do hospital (novamente, um indicador económico, dado que revela o regime de protecção de saúde a que se recorre) e o seu nível de habilitações escolares. [...] Os dados da Califórnia não só incluíam informações estatísticas sobre cada bebé, como também informação sobre o nível das habilitações escolares da mãe, o seu rendimento económico e, o que é mais significativo, a data de nascimento desta.»

(Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner)

Singularidade

Quantas religiões existem para as quais basta dizer uma frase para efectivar a conversão, sendo que a apostasia dá direito a pena de morte?

Impressões do dia

1. Onde andam os chineses nas estatísticas do Sitemeter, pergunto de novo. Mesmo que os posts em português sejam apenas 2% do total de posts publicados, de acordo com o estudo Global Blogosphere Guide (pág.3; via Ponto Media), seria de esperar que os leitores chineses que chegam cá via Google - geralmente, procurando um verso de Pessoa - fossem mais do que os leitores... da Ucrânia. Mesmo que o português não fosse uma língua tão importante quanto gostaríamos que fosse (mas para os chineses até deve ser, por causa dos PALOP), eles são aos milhares de milhões...

2. Onde andam, na blogosfera portuguesa, os pobres? Lendo os blogs que existem por aí, não há quem ande de autocarro, quem use o sistema nacional de saúde, quem tenha dois empregos ou receba menos de um salário mínimo e a recibos verdes, quem não tenha tempo ou dinheiro, ou os dois, para continuar a estudar. Sim, já sei que devem estar a pensar que esses não têm acesso à internet, e também que não escrevem, pelo menos nada digno de registo. Pois se nem sequer lêem nada digno de registo nem vivem nada digno de registo. É verdade que ainda há dias ouvi um "A ler? Que horror! Detesto ler!". Mas conheço com frequência pessoas comuns que me dizem que têm um blog. Quando vou ver, verifico que são daqueles blogs que não têm divulgação de nenhum tipo e que também não a procuram, ou então não a sabem procurar. As literacias, pois... Esses blogs revelam, em geral, pessoas extrovertidas, que se expõem e ao seu trabalho sem nenhuma consciência dos perigos que isso pode acarretar. As excepções são assinaladas. E onde andará o pastor do anúncio televisivo que "até já escreveu blogs"? Escreve para os amigos? Usa o MySpace?

Há, apesar de tudo, uma Humanidade a pulsar, essa mesma Humanidade sem a qual tudo teria muito menos sentido.

quarta-feira, janeiro 10, 2007


(Vilhelm Hammershøi)

Borreguinhos tecnológicos

1. Haverá alguma conjugação astrológica desfavorável à blogosfera? É que, depois da inutilização do blo.gs e da degradação do Technorati, ontem foi a vez de o Blogger, o Sitemeter e o Haloscan não funcionarem. O Bloglines continuou a funcionar mas para os blogs do Blogger isso não serviu para nada. O Haloscan continua a meio gás. Se os serviços bons são escassos, também não deve haver melhor para migrações simples, não é? Diga quem souber.

2. Este novo sistema de armazenamento e apresentação de imagens do Blogger não é grande melhoria... Antes, a imagem original podia ser apresentada na página de rosto do blog e, se fosse grande, era possível vê-la isolada e ajustada ao tamanho da janela do browser. Agora, nada disso acontece. Muito aborrecido quando se tem fotografias de quadros com boa resolução.

3. A Apple lançou o iPhone. Telemóvel com acesso à internet e leitor de música? Onde é que já vi isso antes, e a um preço bem simpático?

O Dia do Carneiro

(excertos)

«[...] A cena de Abraão, do seu filho e do carneiro, ao apresentar-nos um Deus misericordioso (para os humanos) impressionou judeus, cristãos e muçulmanos até à época contemporânea. Woody Allen refere-se várias vezes a esta história, sempre estupefacto por Abraão estar mesmo até ao último momento seriamente decidido a matar o seu filho, prova de que "um homem cumpre com qualquer ordem estúpida desde que lhe seja transmitida por uma voz grave e bem colocada". Os vestígios desta história encontram-se no cerne do cristianismo, pois é o próprio Filho, Jesus Cristo, que é o "cordeiro de Deus" sacrificado pelos pecado de todos os humanos.»

*

«[...] O Dia do Carneiro é então uma ocasião para os muçulmanos confraternizarem com a família em torno de uma refeição, mas também de cederem ao consumismo, de se endividarem, de passarem horas presos nos engarrafamentos das grandes cidades e de arriscarem a vida nas estradas. Não sei se isto vos lembra alguma coisa. A mim, dada a minha grande afeição pessoal e gastronómica pelo carneiro, torna-me nostálgico. De tal forma que vou suspender a reserva pessoal e contar aos leitores que em tempos, eu também vivi no campo, e logo numa casa com carneiros. Mais ainda, que cheguei a pastoreá-los uma vez ou outra e que tenho grande orgulho em ter lido As Aventuras de Mark Twain em algumas dessas ocasiões. Quando criança, também eu me lembro de implorar aos meus pais que poupassem um dos carneiros de quem eu mais gostava. Uma das vezes terei até chorado e berrado enquanto a faca se aproximava do pescoço do bicho, tanto que a mão (do meu pai ou da minha mãe?) hesitava e voltava a avançar, hesitava e voltava a avançar, sempre mudando de ideias, num momento de tensão quase insuportável.

«Se não me engano, comêmo-lo no dia em que os futuros sogros do meu irmão foram jantar lá a casa.»


(Rui Tavares, Pobre e Mal Agradecido)

terça-feira, janeiro 09, 2007

Se as coisas funcionassem assim

Pediria, por favor, uns posts sobre o "estudo" da influência dos signos nos acidentes de automóveis (DN, Diário Digital, etc.) aos esclarecidos Diário Ateísta e A Destreza das Dúvidas. Até agora, só li sobre o assunto, em português, no Canhoto.

Gostaria de perceber, por exemplo:
1. Se existisse essa tão forte correlação de que o "estudo" fala, porque é que nunca teria sido descoberta antes?
2. As seguradoras teriam cobertura legal para que os crédulos pudessem pagar de acordo com o seu signo?
3. O que dizer de jornalistas que traduzem a "notícia" do "estudo" e a apresentam de forma tão pouco crítica e contextualizada?

Bem, não custa tentar.

Mulher a ler


(Vilhelm Hammershøi)

As Adam, early in the morning

As Adam, early in the morning,
Walking forth from the bower, refresh’d with sleep;
Behold me where I pass—hear my voice—approach,
Touch me—touch the palm of your hand to my Body as I pass;
Be not afraid of my Body.


(Walt Whitman)

Never-end-um

Os defensores do Não no referendo sobre a despenalização da IVG argumentam que alguns defensores do Sim pretendem fazer sucessivos referendos até que o Sim ganhe. A falta de vontade da maioria em voltar a debater o assunto parece dar-lhes razão. E uma nova vitória do Não reforçará o argumento. De facto, o que muda em oito anos? A renovação demográfica e a consciência dos hipócritas? Uma mais lúcida visão do mundo? Será suficiente? O alheamento dos mais novos da política e da participação cívica é evidente.

Por outro lado, se o Sim vencer, mas com um resultado não vinculativo, é bem possível que os defensores do Não passem a ser os novos defensores de um novo referendo, logo que surja a oportunidade. Afinal, não há cada vez mais discussão para restringir o aborto, na Europa e nos Estados Unidos? Se não defenderem novo referendo, hão-de agarrar-se às posições mais conservadoras dos conselhos de ética dos médicos.

Entretanto, parece que o que realmente tem impedido a prática das IVG não é a lei, mas sim o conservadorismo da Ordem dos Médicos, que nenhum referendo terá capacidade de vencer vinculativamente. Se assim for, algum dia lá terão os nossos representantes democraticamente eleitos de "pôr as mãos na massa". Neste caso, é provável que fiquem mais limpas.