domingo, dezembro 28, 2008
sábado, dezembro 27, 2008
Registo
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Há 60 anos, exactamente no dia 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Havia precedentes. Por exemplo, a famosa Charta Magna libertatum - a Magna Carta -, de 1215. Mas ela começa assim: "Estas são as demandas que os barões solicitam e o senhor rei concede", acabando, portanto, por abranger apenas os "homens livres".
A Declaração de Direitos (Bill of Rights) do Bom Povo de Virgínia, de 1776, já reconhecia os direitos dos indivíduos enquanto pessoas, mas não se estendia a todos, pois não incluía os negros, considerados "uma espécie inferior".
Em 1789, a Assembleia Nacional Francesa promulgou a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas este Homem era ainda só o varão branco e proprietário.
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclama-se, pela primeira vez, que toda a pessoa humana, independentemente do sexo, condição social, raça, religião, nacionalidade, é detentora de direitos fundamentais, que devem ser respeitados por todos, pois são universais e valem em todo o tempo e lugar.
Mas não houve consenso. Oito países abstiveram-se de votar a favor. A Arábia Saudita e o Iémen puseram em causa "a igualdade entre homens e mulheres". A África do Sul do apartheid contestou o "direito à igualdade sem distinção de nascimento ou de raça". A Polónia, a Checoslováquia, a Jugoslávia e a União Soviética, comunistas, contestaram que alguém pudesse invocar os seus direitos e liberdades "sem distinção de opinião política".
Entretanto, em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou o "Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais" e o "Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos", que, para entrarem em vigor, precisariam de ser ratificados pelo menos por 35 países membros, o que só aconteceu dez anos mais tarde.
Embora a sua violação continue uma constante, como permanentemente informa e denuncia a Amnistia Internacional, há uma consciência universal crescente dessas duas gerações de direitos - civis e políticos, e económicos e sociais -, a que veio juntar-se uma terceira geração, cujos titulares não são os indivíduos, mas os povos, como o direito ao desenvolvimento, o direito à autodeterminação, a um meio ambiente sadio, à paz.
Continua o debate sobre a sua universalidade, que J.-Fr. Paillard sintetizou nesta pergunta: "Um instrumento ideológico ao serviço do Ocidente", para impor ao resto do mundo a sua visão do bem e do mal? M. Gauchet, por exemplo, disse: "Do ponto de vista de um dirigente chinês, indiano ou árabe, os direitos do Homem são antes de mais os direitos do homem branco a exportar o modelo de civilização que os tornou inteligíveis."
No entanto, ainda recentemente - Junho de 1993 -, na Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos do Homem, os Estados reafirmaram: "Todos os direitos do Homem são universais, indissociáveis, interdependentes e intimamente ligados." E, considerando a diversidade cultural em conexão com este universalismo, acrescentaram: "Se importa não perder de vista a importância dos particularismos nacionais e regionais e a diversidade histórica, cultural e religiosa, é dever dos Estados, seja qual for o sistema político, económico e cultural, promover e proteger todos os direitos do Homem e todas as liberdades fundamentais."
No início de um novo ano, que melhores votos que os do cumprimento pleno destes direitos?
Referindo o Preâmbulo da Declaração - "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; considerando que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar, de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem..." -, um caricaturista do El País pôs Deus a ler e a exclamar: "Que preâmbulo! Não tinha lido nada tão bom desde o Sermão da Montanha."
Diário de Notícias, 27/12/2008
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Há 60 anos, exactamente no dia 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Havia precedentes. Por exemplo, a famosa Charta Magna libertatum - a Magna Carta -, de 1215. Mas ela começa assim: "Estas são as demandas que os barões solicitam e o senhor rei concede", acabando, portanto, por abranger apenas os "homens livres".
A Declaração de Direitos (Bill of Rights) do Bom Povo de Virgínia, de 1776, já reconhecia os direitos dos indivíduos enquanto pessoas, mas não se estendia a todos, pois não incluía os negros, considerados "uma espécie inferior".
Em 1789, a Assembleia Nacional Francesa promulgou a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas este Homem era ainda só o varão branco e proprietário.
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclama-se, pela primeira vez, que toda a pessoa humana, independentemente do sexo, condição social, raça, religião, nacionalidade, é detentora de direitos fundamentais, que devem ser respeitados por todos, pois são universais e valem em todo o tempo e lugar.
Mas não houve consenso. Oito países abstiveram-se de votar a favor. A Arábia Saudita e o Iémen puseram em causa "a igualdade entre homens e mulheres". A África do Sul do apartheid contestou o "direito à igualdade sem distinção de nascimento ou de raça". A Polónia, a Checoslováquia, a Jugoslávia e a União Soviética, comunistas, contestaram que alguém pudesse invocar os seus direitos e liberdades "sem distinção de opinião política".
Entretanto, em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou o "Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais" e o "Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos", que, para entrarem em vigor, precisariam de ser ratificados pelo menos por 35 países membros, o que só aconteceu dez anos mais tarde.
Embora a sua violação continue uma constante, como permanentemente informa e denuncia a Amnistia Internacional, há uma consciência universal crescente dessas duas gerações de direitos - civis e políticos, e económicos e sociais -, a que veio juntar-se uma terceira geração, cujos titulares não são os indivíduos, mas os povos, como o direito ao desenvolvimento, o direito à autodeterminação, a um meio ambiente sadio, à paz.
Continua o debate sobre a sua universalidade, que J.-Fr. Paillard sintetizou nesta pergunta: "Um instrumento ideológico ao serviço do Ocidente", para impor ao resto do mundo a sua visão do bem e do mal? M. Gauchet, por exemplo, disse: "Do ponto de vista de um dirigente chinês, indiano ou árabe, os direitos do Homem são antes de mais os direitos do homem branco a exportar o modelo de civilização que os tornou inteligíveis."
No entanto, ainda recentemente - Junho de 1993 -, na Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos do Homem, os Estados reafirmaram: "Todos os direitos do Homem são universais, indissociáveis, interdependentes e intimamente ligados." E, considerando a diversidade cultural em conexão com este universalismo, acrescentaram: "Se importa não perder de vista a importância dos particularismos nacionais e regionais e a diversidade histórica, cultural e religiosa, é dever dos Estados, seja qual for o sistema político, económico e cultural, promover e proteger todos os direitos do Homem e todas as liberdades fundamentais."
No início de um novo ano, que melhores votos que os do cumprimento pleno destes direitos?
Referindo o Preâmbulo da Declaração - "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; considerando que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar, de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem..." -, um caricaturista do El País pôs Deus a ler e a exclamar: "Que preâmbulo! Não tinha lido nada tão bom desde o Sermão da Montanha."
Diário de Notícias, 27/12/2008
terça-feira, dezembro 09, 2008
Grande é o nosso pecado
"Se a miséria dos nossos pobres não for causada pelas leis da natureza, mas pelas nossas instituições, grande é o nosso pecado."
(Charles Darwin, Viagem a bordo do Beagle)
(Charles Darwin, Viagem a bordo do Beagle)
domingo, dezembro 07, 2008
As Adam, Early in the Morning
As Adam, early in the morning,
Walking forth from the bower, refresh’d with sleep;
Behold me where I pass—hear my voice—approach,
Touch me—touch the palm of your hand to my Body as I pass;
Be not afraid of my Body.
(Walt Whitman)
Walking forth from the bower, refresh’d with sleep;
Behold me where I pass—hear my voice—approach,
Touch me—touch the palm of your hand to my Body as I pass;
Be not afraid of my Body.
(Walt Whitman)
sábado, dezembro 06, 2008
Shut not your doors
Shut not your doors to me proud libraries,
For that which was lacking on all your well-fill'd shelves, yet needed
most, I bring
Forth from the war emerging, a book I have made,
The words of my book nothing, the drift of it everything,
A book separate, not link'd with the rest nor felt by the intellect,
But you ye untold latencies will thrill to every page.
(Walt Whitman)
For that which was lacking on all your well-fill'd shelves, yet needed
most, I bring
Forth from the war emerging, a book I have made,
The words of my book nothing, the drift of it everything,
A book separate, not link'd with the rest nor felt by the intellect,
But you ye untold latencies will thrill to every page.
(Walt Whitman)
sábado, novembro 29, 2008
art saves
(Fonte)
Escondeste-te portanto aí, entre os pináculos da Catedral de Milão, Beleza em estado puro? Tal como apareces, por vezes, numa mancha vermelha sobre uma tela, num recanto escondido de uma exposição?
Seriam tímidos, os mestres desta embriaguez escultórica? Teriam reservas sobre as figuras que lhes calharam em sorte? Podia ser. Mas os seus espíritos estão ali materializados, na pedra, incontornáveis, e tão belos, tão incrivelmente belos...
quarta-feira, novembro 26, 2008
segunda-feira, novembro 03, 2008
Registo
Jovem somali morta por apedrejamento
LUMENA RAPOSO
Somália. As milícias Al-Shabab, ligadas à Al-Qaeda, conquistaram em Agosto a cidade portuária de Kismayo onde estão a impor a charia - lei islâmica - ao abrigo da qual realizaram a primeira execução pública em dois anos. A de Aisha Duhulow
Crime foi cometido por um grupo de 50 homens
Aisha tinha 13 anos, dizem uns, 23 anos afirmam outros, e foi lapidada - ou seja, apedrejada até à morte - no estádio de Kismayo, a cidade portuária somali agora sob controlo das milícias islâmicas Al-Shabab. Durante o assassínio de Aisha, um familiar seu e alguns espectadores tentaram socorrê-la, o que fez com que os milicianos disparassem contra a multidão, matando uma criança.
Os extremistas islâmicos, associados à Al-Qaeda, justificaram a "misericordiosa execução" alegando que Aisha Ibrahim Duhulow praticou adultério, um crime de honra punido com a morte. Mas a família de Aisha nega a acusação, afirmando que ela foi violada por três homens e que foi detida quando os denunciou em tribunal. Nenhum dos acusados foi detido, assim como também não consta que tenha havido o julgamento normal para o caso de adultério. Mas Aisha foi morta. E de forma extremamente violenta.
No estádio de Kismayo, onde se encontravam cerca de mil espectadores, revela o diário britânico The Guardian, foi aberto um buraco no chão onde colocaram Aisha que, manietada de pés e mãos, ainda tentava resistir aos seus verdugos. Um grupo de 50 homens atirou contra ela as pedras que, para o efeito, haviam sido trazidas para o estádio. Por três vezes, Aisha foi retirada do buraco e observada por enfermeiras que atestaram ela estar ainda viva. E o apedrejamento prosseguiu... até à morte.
"O apedrejamento foi totalmente ilógico e nada teve de religioso. O islão não executa mulheres por adultério a não ser que quatro testemunhas e o homem com quem ela cometeu adultério venham a público atestá-lo", disse uma irmã de Aisha, cuja família, revela o Mail online, se afirmou furiosa com o ocorrido e cujo pai garante que a vítima só tinha 13 anos. Era a 13.ª de uma família de seis irmãos e seis irmãs e nasceu no campo de refugiados de Hagardeer, no Sul do Quénia, em 1995, onde a família chegou três anos antes em fuga de Mogadíscio. Aisha, que sofria de epilepsia, estaria de regresso à capital somali e teve de parar na cidade Kismayo, que as milícias extremistas capturaram no passado mês de Agosto.
A lapidação de Aisha foi condenada pela presidência da União Europeia e pela Amnistia Internacional, enquanto as milícias Al-Shabab prosseguem a sua política de radicalização da sociedade de Kismayo.
DN, 3.11.08
LUMENA RAPOSO
Somália. As milícias Al-Shabab, ligadas à Al-Qaeda, conquistaram em Agosto a cidade portuária de Kismayo onde estão a impor a charia - lei islâmica - ao abrigo da qual realizaram a primeira execução pública em dois anos. A de Aisha Duhulow
Crime foi cometido por um grupo de 50 homens
Aisha tinha 13 anos, dizem uns, 23 anos afirmam outros, e foi lapidada - ou seja, apedrejada até à morte - no estádio de Kismayo, a cidade portuária somali agora sob controlo das milícias islâmicas Al-Shabab. Durante o assassínio de Aisha, um familiar seu e alguns espectadores tentaram socorrê-la, o que fez com que os milicianos disparassem contra a multidão, matando uma criança.
Os extremistas islâmicos, associados à Al-Qaeda, justificaram a "misericordiosa execução" alegando que Aisha Ibrahim Duhulow praticou adultério, um crime de honra punido com a morte. Mas a família de Aisha nega a acusação, afirmando que ela foi violada por três homens e que foi detida quando os denunciou em tribunal. Nenhum dos acusados foi detido, assim como também não consta que tenha havido o julgamento normal para o caso de adultério. Mas Aisha foi morta. E de forma extremamente violenta.
No estádio de Kismayo, onde se encontravam cerca de mil espectadores, revela o diário britânico The Guardian, foi aberto um buraco no chão onde colocaram Aisha que, manietada de pés e mãos, ainda tentava resistir aos seus verdugos. Um grupo de 50 homens atirou contra ela as pedras que, para o efeito, haviam sido trazidas para o estádio. Por três vezes, Aisha foi retirada do buraco e observada por enfermeiras que atestaram ela estar ainda viva. E o apedrejamento prosseguiu... até à morte.
"O apedrejamento foi totalmente ilógico e nada teve de religioso. O islão não executa mulheres por adultério a não ser que quatro testemunhas e o homem com quem ela cometeu adultério venham a público atestá-lo", disse uma irmã de Aisha, cuja família, revela o Mail online, se afirmou furiosa com o ocorrido e cujo pai garante que a vítima só tinha 13 anos. Era a 13.ª de uma família de seis irmãos e seis irmãs e nasceu no campo de refugiados de Hagardeer, no Sul do Quénia, em 1995, onde a família chegou três anos antes em fuga de Mogadíscio. Aisha, que sofria de epilepsia, estaria de regresso à capital somali e teve de parar na cidade Kismayo, que as milícias extremistas capturaram no passado mês de Agosto.
A lapidação de Aisha foi condenada pela presidência da União Europeia e pela Amnistia Internacional, enquanto as milícias Al-Shabab prosseguem a sua política de radicalização da sociedade de Kismayo.
DN, 3.11.08
terça-feira, outubro 28, 2008
Não desapontar é...
"We are all atheists about most of the gods that societies have ever believed in. Some of us just go one god further."
Richard Dawkins
Richard Dawkins
segunda-feira, outubro 27, 2008
terça-feira, outubro 14, 2008
domingo, setembro 28, 2008
Será que não devíamos pedir uma indemnização às tabaqueiras pelo Paul Newman?
(Este é um post quadrado, cor-de-rosa, de costureirinha. Voilá.)
Do que mais gostava no Paul Newman, mais do que da beleza canónica, do talento irrepreensível, do bom carácter com que doava os lucros do molho de tomate para bolsas de estudo (acho que é qualquer coisa assim), da humanidade do ressonar (confessado pela mulher), do que mais gostava no Paul Newman era mesmo daquele casamento de décadas e décadas, uma coisa própria de príncipe encantado que se preze, ou não terminassem as histórias de encantar com o inevitável "e viveram felizes para sempre" ou, em casos mais humanos como este, "até que a morte os separe".
Se me comovo com qualquer um desses casais de muitas décadas, professando ainda publicamente o seu estado de encantamento, comovo-me mais com o Paul Newman, estrela grande de Hollywood, indústria que se alimenta de vidas humanas para produzir sonhos empacotados para milhões de outras vidas. À nossa frente, filtrada pelos media, vemos a coragem de tantas dessas estrelas tentando ter uma vida pessoal com elementos que são denominadores comuns a todos os mortais. O Marlon Brando, falado por estes dias, por exemplo, viveu uma vida trágica, mas inegavelmente corajosa, procurando afinal coisas tão simples como qualquer ser humano.
Com o passar dos tempos, parece que há cada vez menos homens assim. Por isso, pergunto-me se não deveríamos pedir uma indemnização zilionária às tabaqueiras pela morte do Paul Newman.
Do que mais gostava no Paul Newman, mais do que da beleza canónica, do talento irrepreensível, do bom carácter com que doava os lucros do molho de tomate para bolsas de estudo (acho que é qualquer coisa assim), da humanidade do ressonar (confessado pela mulher), do que mais gostava no Paul Newman era mesmo daquele casamento de décadas e décadas, uma coisa própria de príncipe encantado que se preze, ou não terminassem as histórias de encantar com o inevitável "e viveram felizes para sempre" ou, em casos mais humanos como este, "até que a morte os separe".
Se me comovo com qualquer um desses casais de muitas décadas, professando ainda publicamente o seu estado de encantamento, comovo-me mais com o Paul Newman, estrela grande de Hollywood, indústria que se alimenta de vidas humanas para produzir sonhos empacotados para milhões de outras vidas. À nossa frente, filtrada pelos media, vemos a coragem de tantas dessas estrelas tentando ter uma vida pessoal com elementos que são denominadores comuns a todos os mortais. O Marlon Brando, falado por estes dias, por exemplo, viveu uma vida trágica, mas inegavelmente corajosa, procurando afinal coisas tão simples como qualquer ser humano.
Com o passar dos tempos, parece que há cada vez menos homens assim. Por isso, pergunto-me se não deveríamos pedir uma indemnização zilionária às tabaqueiras pela morte do Paul Newman.
sábado, setembro 27, 2008
segunda-feira, setembro 01, 2008
quarta-feira, agosto 06, 2008
Quem sabe... um blog?
FEUILLET SANS DATE
Le mieux serait d'écrire les événements au jour le jour. Tenir un journal pour y voir clair. Ne pas laisser échapper les nuances, les petits faits, même s'ils n'ont l'air de rien, et surtout les classer. Il faut dire comment je vois cette table, la rue, les gens, mon paquet de tabac, puisque c'est celá qui a changé. Il faut déterminer exactement l'étendue et la nature de ce changement.
(Jean-Paul Sartre, La nausée)
sexta-feira, agosto 01, 2008
Espécie de @#$%&^%$#@!
Posso propor que os deputados que aprovarem isto sejam pagos em fardos de palha?
segunda-feira, julho 28, 2008
Acordo
*
(Chico Buarque, Budapeste)
«Depois de casado, eu chegava em casa alterado tarde da noite e a Vanda não se conformava, esquentava minha sopa amaldiçoando o Álvaro. Eu deixava por isso mesmo, não tinha como lhe explicar que, encerrado o expediente, me demorava sozinho na agência por conta própria, em leitura obsessiva. Naquelas horas, ver minhas obras assinadas por estranhos me dava um prazer nervoso, um tipo de ciúme ao contrário. Porque para mim, não era o sujeito quem se apossava da minha escrita, era como se eu escrevesse no caderno dele. Anoitecia, e eu tornava a ler os fraseados que sabia de cor, depois repetia em voz alta o nome do tal sujeito, e balançava as pernas e ria à beça no sofá, eu me sentia tendo um caso com mulher alheia. E se me envaideciam os fraseados, bem maior era a vaidade de ser um criador discreto. Não se tratava de orgulho ou soberba, sentimentos naturalmente silenciosos, mas de vaidade mesmo, com desejo de jactância e exibicionismo, o que muito valorizava minha discrição. E novos artigos me eram solicitados, e publicados nos jornais com chamada de capa, e elogiados por leitores no dia seguinte, e eu agüentava firme. Com isso a vaidade em mim se acumulava, me tornava forte e bonito, e me levava a brigar com a telefonista e a chamar o office boy de burro, e me arruinava o casamento, porque eu chegava em casa e já gritava com a Vanda, e ela me olhava arregalada, não conhecia os motivos de eu estar assim tão vaidoso. Eu tinha de fato um mau temperamento quando veio dar na agência o convite para o encontro anual de autores anônimos, a se realizar em Melbourne. Era uma correspondência postada em Cleveland, sem outro indício de remetente, tendo como destinatário Cohna & Casta Agency, num envelope preto que o Álvaro abriu e me passou achando graça. Joguei a carta na gaveta das coisas desimportantes, mesmo porque não trazia maiores informações além do nome de um hotel e uma data que sem querer registei, era o dia de anos da Vanda. Meses mais tarde, chegando em casa às duas da manhã, encontrei minha mulher sentada na cama com cara de sono, pois acordava cedo desde que virara apresentadora de telejornal. Quando me perguntou se eu ainda ia querer a sopa, num impulso lhe respondi que na televisão ela parecia uma papagaia, porque lia as notícias sem saber do que falava. Ela calçou os chinelos, vestiu um casaco de crochê por cima do pijama, foi devagar para a cozinha, ligou o microondas, e sem elevar a voz disse que pior era eu, que escrevia um catatau de coisas para ninguém ler. Dispensei a sopa, abandonei o lar com a roupa do corpo e me ajeitei na agência, onde ficava namorando meus artigos até adormecer no sofá. Depois de noites dormindo ali, com umas sobras da raiva e dor nas costas, pensei em voltar para a Vanda em consideração ao seu aniversário, e foi quando me lembrei do convite na gaveta. O Álvaro não se opôs à minha viagem para a Austrália, até fez alguns comentários sobre globalização e coisa e tal. Eu tinha dinheiro suficiente, com mais de trinta anos nunca havia deixado o país, julguei que na pior das hipóteses esfriaria a cabeça dando a volta ao mundo de avião. Passei em casa para fazer a mala, a Vanda não estava, deixei-lhe um bilhete informando que partiria para o congresso mundial de escritores.»
(Chico Buarque, Budapeste)
segunda-feira, julho 21, 2008
Intocável
terça-feira, julho 15, 2008
sábado, julho 05, 2008
Registo
"Surpresa: os alunos já são bons a Matemática", por Carlos Fiolhais: "O ilusionismo está pois instalado ao mais alto nível do Estado, à semelhança do que acontece nos estados totalitários. A verdade sobre a educação está a ser oculta num estado democrático."
terça-feira, julho 01, 2008
sexta-feira, junho 13, 2008
Dúvidas
1. Haverá algum dia um referendo em que o resultado seja igual nos 27 países da União Europeia?
2. Por que razão não há consultas eleitorais com um conjunto finito de alternativas concretas em que votar? Por que há-de haver um desfecho desconhecido de um dos resultados?
3. Estariam os cidadãos da União Europeia preparados para eleger directamente um Presidente?
2. Por que razão não há consultas eleitorais com um conjunto finito de alternativas concretas em que votar? Por que há-de haver um desfecho desconhecido de um dos resultados?
3. Estariam os cidadãos da União Europeia preparados para eleger directamente um Presidente?
terça-feira, maio 13, 2008
Em memória de Irena Sendler
*
[...] Chris abateu a cabeça sobre a mesa e rompeu a chorar; as lágrimas e a saliva sufocavam-no. Pousou uma das mãos no relatório. Ergueu a cabeça. Recobrou o domínio de si próprio e debruçou-se sobre a primeira página.
RELATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES JUDAICAS ASSOCIADAS SOBRE OS CENTROS DE EXTERMÍNIO EM ACTIVIDADE NA ÁREA DO GOVERNO-GERAL DA POLÓNIA, EM JULHO DE 1942.
Podemos declarar com firmeza que existem na área do Governo-Geral quatro centros criados com o único propósito de proceder a exterminações colectivas. Além destes, existem mais dois campos que servem simultaneamente para concentração e extermínio. Foram criados quinhentos campos de trabalho escravo na Polónia, dos quais cento e quarenta são destinados aos Judeus. Todos eles contêm diversos meios de assassínio.
A única conclusão a tirar é que o plano geral alemão em curso visa a destruição absoluta do povo judaico. No princípio, inanição colectiva, epidemias e execuções dizimaram dezenas de milhares de pessoas nos diferentes ghettos. Após a invasão da Rússia, Kommandos pertencentes a quatro grupos de acção especial chacinaram várias centenas de milhares de judeus. O ponto culminante do plano é agora o assassínio em massa. Deve concluir-se que tal plano não pode provir senão de Hitler, com a colaboração de Himmler e de Heydrich. A sua execução é efectuada pelo chamado Departamento 4-B da Gestapo (assuntos judaicos), sob a direcção do tenente-coronel Adolfo Eichmann.
Os centros de extermínio estão situados em terminais dos caminhos de ferro e geralmente em áreas isoladas. Os seus guardas pertencem às Waffen SS e com eles cooperam auxiliares ucranianos e baltas. Para realizar esta operação é utilizada uma quantidade enorme de planos, materiais e mão-de-obra, numa altura em que a Alemanha está a conduzir uma guerra em várias frentes. Por exemplo: os vagões de caminho de ferro devem ser usados de preferência no transporte de material de guerra para a frente russa; contudo, a deportação de judeus dos países ocupados para a Polónia parece ter prioridade sobre as necessidades do exército. Além disso, milhares de engenheiros, de cientistas, de técnicos, estão ligados a esta operação, bem como mão-de-obra, de que existe uma necessidade desesperada. Podemos calcular com precisão que o concurso de duas a três centenas de milhares de homens está directa ou indirectamente envolvido neste plano. Todo este esforço testemunha a vontade demencial dos nazis, assim como a gravidade da nossa situação.
Todos estes campos funcionam segundo um padrão básico. É observado o embuste e mantido o segredo. Isto certamente indica que os nazis têm consciência do mal que praticam. Em cada campo, os deportados são encaminhados, logo que chegam, para os centros de selecção. Uns poucos são enviados para trabalho escravo. Os restantes, incluindo mulheres e crianças de tenra idade, são conduzidos para um «centro sanitário», com a ilusão de que aí vão tomar um duche de desinfecção. Rapam-lhes o cabelo. Os guardas representam até ao fim o seu papel nesta tragicomédia; entregam um pedaço de sabão (que depois se averigua ser uma pedra) a cada vítima, indo ao extremo de lhes dizerem que tomem bem conta do número do cabide em que têm o vestuário dependurado. Muitas mulheres tentam esconder as crianças nas roupas ou mesmo lançá-las dos comboios, para os camponeses, mas são quase sempre descobertas.
Quando os ocupantes se encontram já no interior do «centro sanitário», é fechada uma porta de ferro e um guarda abre as torneiras do gás. Os primeiros gaseamentos eram feitos com monóxido de carbono que se escapava dos motores. Porém, este método revelou-se lento e dispendioso, devido à gasolina utilizada. Assim, a Companhia de Insecticidas de Hamburgo preparou uma mistura de ácido prússico denominada Cyclon B. A morte não demora mais do que alguns minutos.
Os trabalhadores escravos judeus limpam as câmaras e removem os cadáveres para os crematórios, onde são queimados. A princípio a cremação efectuava-se em valas ao ar livre, mas o fedor era insuportável. Os trabalhadores judaicos perdem, geralmente, a razão volvidas poucas semanas.
Existem muitas variantes, mas este é o padrão geral. Os dentes de ouro são arrancados dos cadáveres antes de os queimarem. Qualquer objecto de valor que porventura se encontre é destinado ao esforço de guerra alemão. Tudo o mais - vestuário, óculos, sapatos, membros artificiais, mesmo bonecas - é depositado em armazéns e depois examinado, a fim de verificar se há objectos escondidos. Os cabelos são empacotados e expedidos para a Alemanha, a fim de serem utilizados na confecção de colchões e na manufactura de periscópios de submarinos. Num campo os cadáveres são feitos ferver para se lhes extrair a gordura, que é empregada no fabrico de sabão.
Afora os campos polacos, temos razões para acreditar que vários campos na Alemanha dispõem de meios de extermínio. Dachau, entre outros, é usado como «centro médico experimental». Seres humanos são forçados a submeter-se a várias experiências, tais como enxertos dos ossos, transplantação de órgãos, testes sobre a resistência para além de todos os limites humanos em matéria de congelação, choques eléctricos, etc. Em todos os campos, quer sejam de trabalho, quer de extermínio, as indignidades, violências de toda a ordem, tortura e violação são moeda corrente, conforme se verificará nas folhas anexas.
Servindo-se dos seus meios habituais de extermínio, os Alemães são capazes de assassinar um mínimo de cem mil pessoas num só dia na Polónia. Não possuímos os números referentes às que são mortas no interior da Alemanha. Os campos polacos operam, correntemente, até ao limite da sua capacidade de extermínio. Estão a ser construídas novas câmaras de gás e crematórios a fim de a média geral ser aumentada.
Eis os campos polacos:
DISTRITO DE LUBLIM.
Belzec - Situado na via férrea Lublim-Tomaszow, perto de Rawa Ruska. É alimentado por judeus da área Lwow-Lemberg. Capacidade: dez mil por dia.
Sobibor - Perto de Wlodawa, entre Wlodawa e Chelm. Crê-se que a capacidade é de seis mil por dia.
Majdanek - Um dos primeiros campos de concentração nos subúrbios de Lublim, em Majdan-Tartarski, sob a direcção pessoal de Odilo Globocnik, GruppenFührer das SS na Polónia. A capacidade excede dez mil por dia.
POLÓNIA OCIDENTAL.
Chelmno - O centro de extermínio mais antigo (em actividade nos fins de 1941), a 15 quilómetros de Kolo, na via férrea entre Lodz e Poznan, destinado ao extermínio de judeus da Polónia Ocidental.
POLÓNIA CENTRAL.
Treblinka - O mais recentemente descoberto pela organização clandestina, situado na província Sokolow Podlaski, perto de Varsóvia. Liquidação de judeus do ghetto de Varsóvia, bem como de Radom, Bialystok, Grodno, do Báltico, de Czenstochowa, de Kielce.
POLÓNIA MERIDIONAL.
Auschwitz - Situado nas cercanias da aldeia silesiana de Oswiencim. O campo de concentração possui uns cinquenta campos de trabalho satélites. Os meios de extermínio encontram-se num complexo denominado Birkenau. A sua capacidade excede quarenta mil por dia. Ciganos, prisioneiros de guerra russos, presos políticos, de delito comum e outros são liquidados aqui, assim como judeus.
RELATÓRIO SUPLEMENTAR N.º 1
Por Jan, no campo de extermínio de Majdanek, em Lublim
Consegui entrar em Majdanek sob o disfarce de operário polaco, um entre as centenas de homens que se ocupam em trabalhos de construção nos recintos exteriores, contíguos ao campo.
Às 7 horas da manhã deixei Lublim com um grupo denominado «Leopold». A galera que nos transportava fez alto no terminal ferroviário, que fica afastado cerca de 1 quilómetro da entrada principal do campo. O terminal encontra-se ao lado da estrada principal. Sentámo-nos, à espera, enquanto alguns milhares de judeus romenos eram conduzidos pela estrada rumo ao portão do campo.
Uma fila de furgões da Cruz Vermelha aguardavam ao longo do edifício da gare. Guardas alemães enchiam esses furgões com pessoas idosas, inválidos, crianças de tenra idade e outros incapazes de percorrer 1 quilómetro a pé. Leopold disse-me que estes furgões da Cruz Vermelha eram, na realidade, selados e seria impossível a alguém evadir-se deles. Uma vez em movimento, o monóxido de carbono proveniente do escape era reencaminhado para os furgões, de modo que, mal chegavam a Majdanek, os seus ocupantes se encontravam já mortos.
(Nota. - Este método fora utilizado tanto em Chelmno como em Treblinka, mas puseram-no de parte em virtude de ser lento e dispendioso.)
Entrei no recinto exterior às 8 horas, por um portão no qual estava afixado o seguinte dístico: O TRABALHO LIBERTA. A minha brigada trabalhava num abarracamento no campo exterior, a 50 metros do campo interior, e que era usado por um contingete de guardas. Consegui instalar-me no telhado de uma construção de dois andares, num recanto resguardado, donde observava as proximidades graças a um binóculo de campanha que trouxera na caixa que continha o meu almoço.
Devo declarar que, segundo os meus cálculos, a superfície total do campo era de 600 ou 700 acres. A contar da sua extremidade mais próxima, distava somente cerca de quilómetro e meio de Lublim. O campo exterior continha os abarracamentos dos guardas, a casa do comandante, um depósito geral, uma garagem e outras edificações de serviço de carácter permanente.
O recinto interior compunha-se de quarenta e seis barracas de madeira do tipo usado pelos alemães para os seus estábulos militares. O ar e a luz penetravam por uma fieira estreita de clarabóias. Disseram-me que cada barraca continha cerca de quatrocentos prisioneiros. O que significa, evidentemente, que se encontram apertadíssimos, com espaço apenas para as tarimbas e dispondo de um estreito corredor de acesso à porta.
O recinto interior está cercado por um muro duplo de arame farpado com 5 metros de altura. Entre os dois muros os ucranianos fazem, com lobos-da-alsácia, patrulhas constantes. Disseram-me que, à noite, o muro da parte de dentro é electrificado.
Altas torres de vigia, providas de holofotes e metralhadoras, erguem-se de 25 em 25 metros ao longo do muro exterior.
Leopold chamou-me a atenção para a série de barracas que se encontravam mais próximas de nós. Disse-me que eram os depósitos. Os judeus romenos que eu vira antes no terminal ferroviário achavam-se já na primeira barraca, onde funcionava um centro de selecção. Somente alguns haviam sido conduzidos para o campo. Os restantes atravessaram um terreno plano e aberto em direcção a uma edificação em cuja fachada pude distinguir claramente a inscrição: CENTRO SANITÁRIO.
O «centro sanitário» é bem vistoso; à sua volta vêem-se relvados, árvores e flores.
Depois de terem sido reunidas quatrocentas pessoas, o desfile da multidão formada em bichas junto do depósito foi interrompido, e o grupo dos quatrocentos foi introduzido no «centro sanitário». Cerca de dez minutos depois ouvi uma série de gritos de horror que não duraram mais de dez ou quinze segundos. O «centro» foi depois invadido por prisioneiros judaicos (Sonnderkommandos), que, disseram-me, limpam a câmara e removem os pertences pessoais das vítimas para o segundo depósito, onde são examinados.
Dez minutos após a primeira gaseagem, os prisioneiros judeus trouxeram os cadáveres para fora. Pude vê-los distintamente. Tratava-se dos quatrocentos que tinham entrado vinte minutos antes. Em veículos parecidos com trenós, os cadáveres eram empilhados à razão de seis a oito por «trenó» e os veículos puxados pelos prisioneiros judeus. Os Sonnderkommandos saíam do campo interior por um portão que dava para uma estrada lateral de cerca de 1 quilómetro que subia uma pequena elevação. No cimo havia um vasto edifício com uma alta chaminé. Consegui ver tudo isto também graças ao meu binóculo de campanha.
Este processo de extermínio pelo gás demorava trinta minutos para quatrocentas pessoas. No primeiro dia da minha observação efectuaram-se doze gaseagens, em que foram liquidadas aproximadamente quatro mil e oitocentas pessoas. No segundo dia contei vinte, ou seja, oito mil pessoas, e no terceiro dezassete, em que pereceram seis mil e oitocentos seres humanos. Disseram-me que num período de vinte e quatro horas chegavam a registar para mais de quarenta gaseagens, e nunca menos de dez.
Leopold e outros trabalhadores tinham efectuado reparações na câmara de gás e no crematório. Ele contou-me que a câmara é um compartimento de tecto baixo de 4 metros por 12. Assemelha-se, em todos os pormenores, a um balneário, sendo porém, falsas as cabeças dos chuveiros. Um só SS pode controlar o volume de gás através de uma janela de observação provida de barras. Leopold e uma brigada de trabalhadores têm de entrar na câmara de tantas em tantas semanas a fim de refazerem a superfície de cimento, que é freneticamente rasgada pelas unhas das vítimas ao tentarem escapar.
Leopold colaborou também na construção do crematório, logo que foi abandonado o processo de incineração dos cadáveres nas valas ao ar livre, devido ao cheiro nauseabundo. Após a chegada dos trenós ao crematório, os cadáveres são colocados em cima de uma mesa, onde os guardas os examinam a fim de procederem à extracção dos dentes de ouro; em seguida abrem os corpos, que sangram para um tubo de drenagem, não tivessem as vítimas engolido ouro ou outros objectos de valor. Depois os cadáveres são transportados para um compartimento contíguo e colocados numa das cinco fornalhas aí existentes, cada uma das quais pode conter de cinco a sete corpos de cada vez. Aos braços e às pernas, quando são compridos de mais, cortam-nos. A cremação dura minutos. Os ossos são retirados das grelhas, pelo lado oposto. Com o meu binóculo pude distinguir montes de ossos da altura de uma casa de dois pisos. Leopold disse-me que, recentemente, ao proceder à reparação das fornalhas, verificou que fora instalada uma máquina trituradora de ossos. O pó resultante dos ossos era ensacado e expedido para a Alemanha, onde o utilizavam como fertilizante.
(Leon Uris, "Miła 18")
*
[...] Chris abateu a cabeça sobre a mesa e rompeu a chorar; as lágrimas e a saliva sufocavam-no. Pousou uma das mãos no relatório. Ergueu a cabeça. Recobrou o domínio de si próprio e debruçou-se sobre a primeira página.
RELATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES JUDAICAS ASSOCIADAS SOBRE OS CENTROS DE EXTERMÍNIO EM ACTIVIDADE NA ÁREA DO GOVERNO-GERAL DA POLÓNIA, EM JULHO DE 1942.
Podemos declarar com firmeza que existem na área do Governo-Geral quatro centros criados com o único propósito de proceder a exterminações colectivas. Além destes, existem mais dois campos que servem simultaneamente para concentração e extermínio. Foram criados quinhentos campos de trabalho escravo na Polónia, dos quais cento e quarenta são destinados aos Judeus. Todos eles contêm diversos meios de assassínio.
A única conclusão a tirar é que o plano geral alemão em curso visa a destruição absoluta do povo judaico. No princípio, inanição colectiva, epidemias e execuções dizimaram dezenas de milhares de pessoas nos diferentes ghettos. Após a invasão da Rússia, Kommandos pertencentes a quatro grupos de acção especial chacinaram várias centenas de milhares de judeus. O ponto culminante do plano é agora o assassínio em massa. Deve concluir-se que tal plano não pode provir senão de Hitler, com a colaboração de Himmler e de Heydrich. A sua execução é efectuada pelo chamado Departamento 4-B da Gestapo (assuntos judaicos), sob a direcção do tenente-coronel Adolfo Eichmann.
Os centros de extermínio estão situados em terminais dos caminhos de ferro e geralmente em áreas isoladas. Os seus guardas pertencem às Waffen SS e com eles cooperam auxiliares ucranianos e baltas. Para realizar esta operação é utilizada uma quantidade enorme de planos, materiais e mão-de-obra, numa altura em que a Alemanha está a conduzir uma guerra em várias frentes. Por exemplo: os vagões de caminho de ferro devem ser usados de preferência no transporte de material de guerra para a frente russa; contudo, a deportação de judeus dos países ocupados para a Polónia parece ter prioridade sobre as necessidades do exército. Além disso, milhares de engenheiros, de cientistas, de técnicos, estão ligados a esta operação, bem como mão-de-obra, de que existe uma necessidade desesperada. Podemos calcular com precisão que o concurso de duas a três centenas de milhares de homens está directa ou indirectamente envolvido neste plano. Todo este esforço testemunha a vontade demencial dos nazis, assim como a gravidade da nossa situação.
Todos estes campos funcionam segundo um padrão básico. É observado o embuste e mantido o segredo. Isto certamente indica que os nazis têm consciência do mal que praticam. Em cada campo, os deportados são encaminhados, logo que chegam, para os centros de selecção. Uns poucos são enviados para trabalho escravo. Os restantes, incluindo mulheres e crianças de tenra idade, são conduzidos para um «centro sanitário», com a ilusão de que aí vão tomar um duche de desinfecção. Rapam-lhes o cabelo. Os guardas representam até ao fim o seu papel nesta tragicomédia; entregam um pedaço de sabão (que depois se averigua ser uma pedra) a cada vítima, indo ao extremo de lhes dizerem que tomem bem conta do número do cabide em que têm o vestuário dependurado. Muitas mulheres tentam esconder as crianças nas roupas ou mesmo lançá-las dos comboios, para os camponeses, mas são quase sempre descobertas.
Quando os ocupantes se encontram já no interior do «centro sanitário», é fechada uma porta de ferro e um guarda abre as torneiras do gás. Os primeiros gaseamentos eram feitos com monóxido de carbono que se escapava dos motores. Porém, este método revelou-se lento e dispendioso, devido à gasolina utilizada. Assim, a Companhia de Insecticidas de Hamburgo preparou uma mistura de ácido prússico denominada Cyclon B. A morte não demora mais do que alguns minutos.
Os trabalhadores escravos judeus limpam as câmaras e removem os cadáveres para os crematórios, onde são queimados. A princípio a cremação efectuava-se em valas ao ar livre, mas o fedor era insuportável. Os trabalhadores judaicos perdem, geralmente, a razão volvidas poucas semanas.
Existem muitas variantes, mas este é o padrão geral. Os dentes de ouro são arrancados dos cadáveres antes de os queimarem. Qualquer objecto de valor que porventura se encontre é destinado ao esforço de guerra alemão. Tudo o mais - vestuário, óculos, sapatos, membros artificiais, mesmo bonecas - é depositado em armazéns e depois examinado, a fim de verificar se há objectos escondidos. Os cabelos são empacotados e expedidos para a Alemanha, a fim de serem utilizados na confecção de colchões e na manufactura de periscópios de submarinos. Num campo os cadáveres são feitos ferver para se lhes extrair a gordura, que é empregada no fabrico de sabão.
Afora os campos polacos, temos razões para acreditar que vários campos na Alemanha dispõem de meios de extermínio. Dachau, entre outros, é usado como «centro médico experimental». Seres humanos são forçados a submeter-se a várias experiências, tais como enxertos dos ossos, transplantação de órgãos, testes sobre a resistência para além de todos os limites humanos em matéria de congelação, choques eléctricos, etc. Em todos os campos, quer sejam de trabalho, quer de extermínio, as indignidades, violências de toda a ordem, tortura e violação são moeda corrente, conforme se verificará nas folhas anexas.
Servindo-se dos seus meios habituais de extermínio, os Alemães são capazes de assassinar um mínimo de cem mil pessoas num só dia na Polónia. Não possuímos os números referentes às que são mortas no interior da Alemanha. Os campos polacos operam, correntemente, até ao limite da sua capacidade de extermínio. Estão a ser construídas novas câmaras de gás e crematórios a fim de a média geral ser aumentada.
Eis os campos polacos:
DISTRITO DE LUBLIM.
Belzec - Situado na via férrea Lublim-Tomaszow, perto de Rawa Ruska. É alimentado por judeus da área Lwow-Lemberg. Capacidade: dez mil por dia.
Sobibor - Perto de Wlodawa, entre Wlodawa e Chelm. Crê-se que a capacidade é de seis mil por dia.
Majdanek - Um dos primeiros campos de concentração nos subúrbios de Lublim, em Majdan-Tartarski, sob a direcção pessoal de Odilo Globocnik, GruppenFührer das SS na Polónia. A capacidade excede dez mil por dia.
POLÓNIA OCIDENTAL.
Chelmno - O centro de extermínio mais antigo (em actividade nos fins de 1941), a 15 quilómetros de Kolo, na via férrea entre Lodz e Poznan, destinado ao extermínio de judeus da Polónia Ocidental.
POLÓNIA CENTRAL.
Treblinka - O mais recentemente descoberto pela organização clandestina, situado na província Sokolow Podlaski, perto de Varsóvia. Liquidação de judeus do ghetto de Varsóvia, bem como de Radom, Bialystok, Grodno, do Báltico, de Czenstochowa, de Kielce.
POLÓNIA MERIDIONAL.
Auschwitz - Situado nas cercanias da aldeia silesiana de Oswiencim. O campo de concentração possui uns cinquenta campos de trabalho satélites. Os meios de extermínio encontram-se num complexo denominado Birkenau. A sua capacidade excede quarenta mil por dia. Ciganos, prisioneiros de guerra russos, presos políticos, de delito comum e outros são liquidados aqui, assim como judeus.
RELATÓRIO SUPLEMENTAR N.º 1
Por Jan, no campo de extermínio de Majdanek, em Lublim
Consegui entrar em Majdanek sob o disfarce de operário polaco, um entre as centenas de homens que se ocupam em trabalhos de construção nos recintos exteriores, contíguos ao campo.
Às 7 horas da manhã deixei Lublim com um grupo denominado «Leopold». A galera que nos transportava fez alto no terminal ferroviário, que fica afastado cerca de 1 quilómetro da entrada principal do campo. O terminal encontra-se ao lado da estrada principal. Sentámo-nos, à espera, enquanto alguns milhares de judeus romenos eram conduzidos pela estrada rumo ao portão do campo.
Uma fila de furgões da Cruz Vermelha aguardavam ao longo do edifício da gare. Guardas alemães enchiam esses furgões com pessoas idosas, inválidos, crianças de tenra idade e outros incapazes de percorrer 1 quilómetro a pé. Leopold disse-me que estes furgões da Cruz Vermelha eram, na realidade, selados e seria impossível a alguém evadir-se deles. Uma vez em movimento, o monóxido de carbono proveniente do escape era reencaminhado para os furgões, de modo que, mal chegavam a Majdanek, os seus ocupantes se encontravam já mortos.
(Nota. - Este método fora utilizado tanto em Chelmno como em Treblinka, mas puseram-no de parte em virtude de ser lento e dispendioso.)
Entrei no recinto exterior às 8 horas, por um portão no qual estava afixado o seguinte dístico: O TRABALHO LIBERTA. A minha brigada trabalhava num abarracamento no campo exterior, a 50 metros do campo interior, e que era usado por um contingete de guardas. Consegui instalar-me no telhado de uma construção de dois andares, num recanto resguardado, donde observava as proximidades graças a um binóculo de campanha que trouxera na caixa que continha o meu almoço.
Devo declarar que, segundo os meus cálculos, a superfície total do campo era de 600 ou 700 acres. A contar da sua extremidade mais próxima, distava somente cerca de quilómetro e meio de Lublim. O campo exterior continha os abarracamentos dos guardas, a casa do comandante, um depósito geral, uma garagem e outras edificações de serviço de carácter permanente.
O recinto interior compunha-se de quarenta e seis barracas de madeira do tipo usado pelos alemães para os seus estábulos militares. O ar e a luz penetravam por uma fieira estreita de clarabóias. Disseram-me que cada barraca continha cerca de quatrocentos prisioneiros. O que significa, evidentemente, que se encontram apertadíssimos, com espaço apenas para as tarimbas e dispondo de um estreito corredor de acesso à porta.
O recinto interior está cercado por um muro duplo de arame farpado com 5 metros de altura. Entre os dois muros os ucranianos fazem, com lobos-da-alsácia, patrulhas constantes. Disseram-me que, à noite, o muro da parte de dentro é electrificado.
Altas torres de vigia, providas de holofotes e metralhadoras, erguem-se de 25 em 25 metros ao longo do muro exterior.
Leopold chamou-me a atenção para a série de barracas que se encontravam mais próximas de nós. Disse-me que eram os depósitos. Os judeus romenos que eu vira antes no terminal ferroviário achavam-se já na primeira barraca, onde funcionava um centro de selecção. Somente alguns haviam sido conduzidos para o campo. Os restantes atravessaram um terreno plano e aberto em direcção a uma edificação em cuja fachada pude distinguir claramente a inscrição: CENTRO SANITÁRIO.
O «centro sanitário» é bem vistoso; à sua volta vêem-se relvados, árvores e flores.
Depois de terem sido reunidas quatrocentas pessoas, o desfile da multidão formada em bichas junto do depósito foi interrompido, e o grupo dos quatrocentos foi introduzido no «centro sanitário». Cerca de dez minutos depois ouvi uma série de gritos de horror que não duraram mais de dez ou quinze segundos. O «centro» foi depois invadido por prisioneiros judaicos (Sonnderkommandos), que, disseram-me, limpam a câmara e removem os pertences pessoais das vítimas para o segundo depósito, onde são examinados.
Dez minutos após a primeira gaseagem, os prisioneiros judeus trouxeram os cadáveres para fora. Pude vê-los distintamente. Tratava-se dos quatrocentos que tinham entrado vinte minutos antes. Em veículos parecidos com trenós, os cadáveres eram empilhados à razão de seis a oito por «trenó» e os veículos puxados pelos prisioneiros judeus. Os Sonnderkommandos saíam do campo interior por um portão que dava para uma estrada lateral de cerca de 1 quilómetro que subia uma pequena elevação. No cimo havia um vasto edifício com uma alta chaminé. Consegui ver tudo isto também graças ao meu binóculo de campanha.
Este processo de extermínio pelo gás demorava trinta minutos para quatrocentas pessoas. No primeiro dia da minha observação efectuaram-se doze gaseagens, em que foram liquidadas aproximadamente quatro mil e oitocentas pessoas. No segundo dia contei vinte, ou seja, oito mil pessoas, e no terceiro dezassete, em que pereceram seis mil e oitocentos seres humanos. Disseram-me que num período de vinte e quatro horas chegavam a registar para mais de quarenta gaseagens, e nunca menos de dez.
Leopold e outros trabalhadores tinham efectuado reparações na câmara de gás e no crematório. Ele contou-me que a câmara é um compartimento de tecto baixo de 4 metros por 12. Assemelha-se, em todos os pormenores, a um balneário, sendo porém, falsas as cabeças dos chuveiros. Um só SS pode controlar o volume de gás através de uma janela de observação provida de barras. Leopold e uma brigada de trabalhadores têm de entrar na câmara de tantas em tantas semanas a fim de refazerem a superfície de cimento, que é freneticamente rasgada pelas unhas das vítimas ao tentarem escapar.
Leopold colaborou também na construção do crematório, logo que foi abandonado o processo de incineração dos cadáveres nas valas ao ar livre, devido ao cheiro nauseabundo. Após a chegada dos trenós ao crematório, os cadáveres são colocados em cima de uma mesa, onde os guardas os examinam a fim de procederem à extracção dos dentes de ouro; em seguida abrem os corpos, que sangram para um tubo de drenagem, não tivessem as vítimas engolido ouro ou outros objectos de valor. Depois os cadáveres são transportados para um compartimento contíguo e colocados numa das cinco fornalhas aí existentes, cada uma das quais pode conter de cinco a sete corpos de cada vez. Aos braços e às pernas, quando são compridos de mais, cortam-nos. A cremação dura minutos. Os ossos são retirados das grelhas, pelo lado oposto. Com o meu binóculo pude distinguir montes de ossos da altura de uma casa de dois pisos. Leopold disse-me que, recentemente, ao proceder à reparação das fornalhas, verificou que fora instalada uma máquina trituradora de ossos. O pó resultante dos ossos era ensacado e expedido para a Alemanha, onde o utilizavam como fertilizante.
(Leon Uris, "Miła 18")
Registo
Quando é em massa, torna-se banal?
*
"A minha filha mereceu morrer por se apaixonar"
HELENA TECEDEIRO
Pai esfaqueou rapariga por falar com soldado
Abdel-Qader Ali não tem dúvidas: o mínimo que a filha merecia era morrer. O crime da rapariga de 17 anos? Ter-se apaixonado por um dos 1500 soldados britânicos estacionados na cidade iraquiana de Baçorá. "Se eu soubesse no que ela se ia transformar, tê-la-ia matado logo que a mãe a deu à luz", garantiu este funcionário público xiita, numa entrevista ao semanário britânico The Observer.
Dois meses depois de a morte de Rand Abdel-Qader - sufocada e esfaqueada pelo pai e irmãos a 16 de Março - ter chocado o mundo, Abdel-Qader Ali continua em liberdade. Foi no jardim da sua casa que o homem de 46 anos recordou como teve "o apoio dos meus amigos que também são pais e sabem que o que ela fez é inaceitável". A própria polícia, que chegou a deter Abdel-Qader umas horas, deu-lhe razão. "Todos sabem que os crimes de honra são impossíveis de evitar", disse o iraquiano, segundo o qual "os agentes ficaram ao meu lado o tempo todo a dar-me os parabéns pelo que fizera".
Rand Abdel-Qasser terá conhecido Paul, um militar britânico de 22 anos, numa acção de caridade na cidade do Sul do Iraque, em que ambos participavam como voluntários. Como qualquer adolescente apaixonada, apressou-se a contar tudo à melhor amiga Zeinab. "Ela gostava de falar do seu cabelo louro e olhos cor de mel, da sua pele branca e da sua maneira suave de falar", recordou a rapariga de 19 anos em declarações ao Daily Mail. Para as amigas, o britânico era "muito diferente dos homens de cá, rudes e analfabetos".
Estudante de Inglês na Universidade de Baçorá, Rand tinha a vantagem de poder falar com Paul sem intermediários. E rapidamente começou a usar todos os argumentos possíveis para prolongar o seu trabalho de voluntariado, que lhe dava a oportunidade de estar com ele.
Uma paixão que podia até nem ser retribuída. De facto, Rand e Paul não se terão encontrado mais de meia dúzia de vezes e sempre em locais públicos. "Ela nunca fez nada para além de falar com ele", garantiu Zeinab. Mesmo assim, esta não se cansou de alertar a amiga para os perigos desta amizade: "Disse-lhe vezes sem conta que ela era muçulmana e que a sua família nunca aceitaria que casasse com um soldado britânico cristão." Como confidente de Rand, era Zeinab quem guardava os presentes que este lhe oferecia, como um leão em peluche para o qual diz agora ser "difícil olhar".
E foi o que aconteceu. Quando o pai de Rand soube que a filha se andava a encontrar com o militar, perdeu a cabeça. "Entrou em casa com os olhos raiados de sangue e a tremer", recordou ao The Observer a mãe da rapariga. Quando viu o marido a sufocar a filha com o pé, Leila Hussein chamou os dois filhos, de 21 e 23 anos, para ajudarem a irmã. Mas quando o pai lhes disse o motivo da agressão estes ainda o ajudaram.
Considerada "impura", Rand não teve direito a funeral e os tios cuspiram sobre o seu corpo quando este foi lançado a uma vala. Incapaz de viver sob o mesmo tecto que o homem que matou a sua filha, Leila pediu o divórcio e está, desde então, escondida para evitar a vingança do marido. "Fui espancada e fiquei com o braço partido", disse a mulher, que agora trabalha para uma organização que denuncia os crimes de honra.
Em 2007, 47 mulheres foram mortas por terem violado "a honra" da família só em Baçorá e desde Janeiro deste ano a Comissão de Segurança da cidade garante que o número já vai em 36. Segundo a ONU, pelo menos cinco mil mulheres são anualmente vítimas de crimes de honra em todo o mundo, e, apesar de a maioria decorrer em países islâmicos, estão a acontecer cada vez mais a muçulmanas que vivem no Ocidente.
Apesar da presença britânica, Baçorá é em parte controlada pelas milícias, que definem regras estritas de comportamento. São elas quem impõem os códigos de vestuário, as práticas religiosas e determinam que a prostituição e a homossexualidade são puníveis com a morte.
(Diário de Notícias, 12/05/08)
*
"A minha filha mereceu morrer por se apaixonar"
HELENA TECEDEIRO
Pai esfaqueou rapariga por falar com soldado
Abdel-Qader Ali não tem dúvidas: o mínimo que a filha merecia era morrer. O crime da rapariga de 17 anos? Ter-se apaixonado por um dos 1500 soldados britânicos estacionados na cidade iraquiana de Baçorá. "Se eu soubesse no que ela se ia transformar, tê-la-ia matado logo que a mãe a deu à luz", garantiu este funcionário público xiita, numa entrevista ao semanário britânico The Observer.
Dois meses depois de a morte de Rand Abdel-Qader - sufocada e esfaqueada pelo pai e irmãos a 16 de Março - ter chocado o mundo, Abdel-Qader Ali continua em liberdade. Foi no jardim da sua casa que o homem de 46 anos recordou como teve "o apoio dos meus amigos que também são pais e sabem que o que ela fez é inaceitável". A própria polícia, que chegou a deter Abdel-Qader umas horas, deu-lhe razão. "Todos sabem que os crimes de honra são impossíveis de evitar", disse o iraquiano, segundo o qual "os agentes ficaram ao meu lado o tempo todo a dar-me os parabéns pelo que fizera".
Rand Abdel-Qasser terá conhecido Paul, um militar britânico de 22 anos, numa acção de caridade na cidade do Sul do Iraque, em que ambos participavam como voluntários. Como qualquer adolescente apaixonada, apressou-se a contar tudo à melhor amiga Zeinab. "Ela gostava de falar do seu cabelo louro e olhos cor de mel, da sua pele branca e da sua maneira suave de falar", recordou a rapariga de 19 anos em declarações ao Daily Mail. Para as amigas, o britânico era "muito diferente dos homens de cá, rudes e analfabetos".
Estudante de Inglês na Universidade de Baçorá, Rand tinha a vantagem de poder falar com Paul sem intermediários. E rapidamente começou a usar todos os argumentos possíveis para prolongar o seu trabalho de voluntariado, que lhe dava a oportunidade de estar com ele.
Uma paixão que podia até nem ser retribuída. De facto, Rand e Paul não se terão encontrado mais de meia dúzia de vezes e sempre em locais públicos. "Ela nunca fez nada para além de falar com ele", garantiu Zeinab. Mesmo assim, esta não se cansou de alertar a amiga para os perigos desta amizade: "Disse-lhe vezes sem conta que ela era muçulmana e que a sua família nunca aceitaria que casasse com um soldado britânico cristão." Como confidente de Rand, era Zeinab quem guardava os presentes que este lhe oferecia, como um leão em peluche para o qual diz agora ser "difícil olhar".
E foi o que aconteceu. Quando o pai de Rand soube que a filha se andava a encontrar com o militar, perdeu a cabeça. "Entrou em casa com os olhos raiados de sangue e a tremer", recordou ao The Observer a mãe da rapariga. Quando viu o marido a sufocar a filha com o pé, Leila Hussein chamou os dois filhos, de 21 e 23 anos, para ajudarem a irmã. Mas quando o pai lhes disse o motivo da agressão estes ainda o ajudaram.
Considerada "impura", Rand não teve direito a funeral e os tios cuspiram sobre o seu corpo quando este foi lançado a uma vala. Incapaz de viver sob o mesmo tecto que o homem que matou a sua filha, Leila pediu o divórcio e está, desde então, escondida para evitar a vingança do marido. "Fui espancada e fiquei com o braço partido", disse a mulher, que agora trabalha para uma organização que denuncia os crimes de honra.
Em 2007, 47 mulheres foram mortas por terem violado "a honra" da família só em Baçorá e desde Janeiro deste ano a Comissão de Segurança da cidade garante que o número já vai em 36. Segundo a ONU, pelo menos cinco mil mulheres são anualmente vítimas de crimes de honra em todo o mundo, e, apesar de a maioria decorrer em países islâmicos, estão a acontecer cada vez mais a muçulmanas que vivem no Ocidente.
Apesar da presença britânica, Baçorá é em parte controlada pelas milícias, que definem regras estritas de comportamento. São elas quem impõem os códigos de vestuário, as práticas religiosas e determinam que a prostituição e a homossexualidade são puníveis com a morte.
(Diário de Notícias, 12/05/08)
sábado, maio 10, 2008
domingo, maio 04, 2008
sexta-feira, abril 25, 2008
sábado, março 08, 2008
Registo
Oficiais de polícia participando numa cerimónia alusiva ao Dia Internacional da Mulher em Cabul, hoje. (Xinhua/Reuters Photo)
quarta-feira, janeiro 09, 2008
sexta-feira, janeiro 04, 2008
Gaivota
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
(Alexandre O'Neill)
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
(Alexandre O'Neill)
Subscrever:
Mensagens (Atom)