domingo, janeiro 29, 2006

Linda-a-Pastora

— «Linda pastorinha que fazeis aqui?»
— «Procuro o meu gado que por aí perdi.»
— «Tão gentil senhora a guardar o gado!»
— «Senhor, já nascemos para esse fado.»
— «Por estas montanhas em tão grande p'rigo!»
Diga-me, ó menina, se quer vir comigo.»
— «Um senhor tão guapo dar tão mau conselho
Querer que se perca o gado alheio!»
— «Não tenha esse medo que o gado se perca
Por aqui passarmos uma hora de sesta.»
— «Tal razão como essa não na ouvirei:
Já dirão meus amos que de mais tardei.»
— «Diga-lhes, menina, que se demorou
Co esta nuvem de água que tudo molhou.»
— «Falarei verdade, que mentir não sei:
À volta do gado eu me descuidei.»
— «Pastorinha escute, que oiço balar gado...»
— «Serão as ovelhas que me têm faltado.»
— «Eu lhas vou buscar já muito depressa,
Mas que me espadece por essa charneca.»
— «Ai como vai grave de meias de seda!
Olhe não as rompa por essa resteva.»
— «Meias e sapatos, tudo romperei
Só por lhe dar gosto, minha alma, meu bem.»
— «Ei-lo aqui vem: é todo o meu gado.»
— «Meu destino foi ser vosso criado.»
— «Senhor, vá-se embora, não me dê mais pena,
Que há-de vir meu amo trazer-me a merenda.»
— «Se vier seu amo, venha muito embora;
Diremos, menina, que cheguei agora.»
— «Senhor, vá-se, vá-se, não me dê tormento:
Já não quero vê-lo nem por pensamento.»
— «Pois adeus, ingrata da Linda-a-Pastora!
Fica-te, eu me vou pela serra fora.»
— «Venha cá, senhor, torne atrás correndo...
Que o amor é cego, já me está rendendo.»
Sentaram-se à sombra... tudo estava ardendo...
Quando elas não querem, então 'stão querendo.

(Romanceiro, Almeida Garrett)

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